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quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Catequeses sobre os Salmos (50): Vésperas da quarta-feira da III semana

Na série de Catequeses do Papa Bento XVI sobre os salmos e cânticos da Liturgia das Horas, continuando a proposta de João Paulo II, chegamos às Vésperas da quarta-feira da III semana do Saltério. Tratam-se das Catequeses de 17 de agosto (Sl 125), 31 de agosto (Sl 126) e 07 de setembro de 2005 (Cl 1,12-20).

143. Alegria e esperança em Deus: Sl 125 (126),1-6
17 de agosto de 2005

1. Ouvindo as palavras do Salmo 125, tem-se a impressão de ver passar diante dos olhos o acontecimento cantado na segunda parte do Livro de Isaías: o “novo êxodo” (cf. Is 40–55). É a volta de Israel do exílio da Babilônia para a terra dos pais, após o edito do rei persa Ciro, no ano 538 a. C.. Repetiu-se então a experiência jubilosa do primeiro êxodo, quando o povo hebraico foi libertado da escravidão do Egito.
Este Salmo adquiria um particular significado quando era entoado nos dias em que Israel se sentia ameaçado e amedrontado, porque estava sendo submetido novamente à prova. O Salmo compreende efetivamente uma oração pela volta dos prisioneiros do momento (v. 4). Assim, ele se tornava uma prece do povo de Deus no seu itinerário histórico, repleto de perigos e de provações, mas sempre aberto à confiança em Deus Salvador e Libertador, sustentáculo dos fracos e dos oprimidos.

"Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria" (Sl 125,5)

2. O Salmo nos introduz em uma atmosfera de exultação: as pessoas sorriem, festejam a liberdade alcançada, afloram nos seus lábios cânticos de alegria (vv. 1-2).
A reação diante da liberdade reconquistada é dupla. Por um lado, as nações pagãs reconhecem a grandeza do Deus de Israel: “Entre os gentios se dizia: ‘Maravilhas fez por eles o Senhor’” (v. 2). A salvação do povo eleito torna-se uma prova límpida da existência eficaz e poderosa de Deus, presente e ativo na história. Por outro lado, é o povo de Deus que professa a sua fé no Senhor salvador: “Sim, maravilhas fez conosco o Senhor! Exultemos de alegria!” (v. 3).

3. Depois o pensamento dirige-se ao passado, revivido com um sobressalto de medo e de amargura. Gostaríamos de fixar a atenção na imagem agrícola utilizada pelo salmista: “Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria” (v. 5). Sob o peso do trabalho, às vezes o rosto banha-se de lágrimas: realiza-se uma sementeira cansativa, talvez destinada à inutilidade e ao fracasso. Mas quando chega a hora da colheita abundante e jubilosa, descobre-se que aquela dor foi fecunda.
Neste versículo do Salmo está resumida a grande lição sobre o mistério de fecundidade e de vida que o sofrimento pode conter. Precisamente como Jesus tinha dito na vigília da sua Paixão e Morte: “Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, ficará ele só; mas se morrer, dará muito fruto” (Jo 12,24).

4. Assim, o horizonte do Salmo abre-se à sementeira festiva, símbolo da alegria gerada pela liberdade, pela paz e pela prosperidade, que constituem o fruto da bênção divina. Esta oração é, então, um cântico de esperança, ao qual recorrer quando se está mergulhado no tempo da prova, do medo, da ameaça exterior e da opressão interior.
Contudo, pode tornar-se também um apelo mais geral, a viver os próprios dias e a tomar as decisões pessoais em um clima de fidelidade. A perseverança no bem, mesmo que seja incompreendida e contrastada, no final chega sempre a uma meta de luz, de fecundidade e de paz.
Era o que São Paulo recordava aos gálatas: “Quem semear no Espírito, do Espírito colherá a vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido” (Gl 6,8-9).

5. Concluamos com uma reflexão de São Beda, o Venerável (672/3-735), sobre o Salmo 125, para comentar as palavras com que Jesus anunciava aos seus discípulos a tristeza que os esperava e, ao mesmo tempo, a alegria que brotaria da sua aflição (cf. Jo 16,20).
Beda recorda que “choravam e se queixavam aqueles que amavam Cristo, quando o viram aprisionado pelos inimigos, atado, levado para ser julgado, condenado, flagelado, escarnecido e enfim crucificado, atingido pela lança e sepultado. Aqueles que amavam o mundo, ao contrário, alegravam-se... quando condenavam a uma morte extremamente torpe Aquele cuja simples visão era para eles já um incômodo. Entristeceram-se os discípulos com a Morte do Senhor, mas tendo tomado conhecimento da sua Ressurreição, a sua tristeza transformou-se em júbilo; em seguida, vendo o prodígio da Ascensão, com alegria ainda maior louvavam e bendiziam o Senhor, como testemunha Lucas (cf. Lc 24,53). Porém, aquelas palavras do Senhor adaptam-se a todos os fiéis que, através das lágrimas e das aflições do mundo, procuram chegar às alegrias eternas e que, justamente, agora choram e ficam tristes, porque ainda não podem ver Aquele a quem amam e porque, enquanto estão no corpo, sabem que se encontram longe da pátria e do reino, embora estejam persuadidos de que alcançarão o prêmio através dos cansaços e das lutas. A sua tristeza se transformará em alegria quando, concluído o combate desta vida, receberem a recompensa da vida eterna, em conformidade com quanto afirma o Salmo: ‘Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria’” (Omelie sul Vangelo, 2, 13: Collana di Testi Patristici, XC, Roma, 1990, pp. 379-380).

144. O trabalho sem Deus é inútil: Sl 126 (127),1-5
31 de agosto de 2005

1. O Salmo 126, agora proclamado, apresenta diante dos nossos olhos um espetáculo em movimento: uma casa em construção, a cidade com os seus guardas, a vida das famílias, as vigílias noturnas, o trabalho quotidiano, os pequenos e os grandes segredos da existência. Mas acima de tudo eleva-se uma presença decisiva, a do Senhor, que paira sobre as obras do homem, como sugere o início incisivo do Salmo: “Se o Senhor não construir a nossa casa, em vão trabalharão seus construtores” (v. 1).
Sem dúvida, uma sociedade sólida nasce do compromisso de todos os seus membros, mas precisa da bênção e do amparo daquele Deus que, infelizmente, muitas vezes é excluído ou ignorado. O Livro dos Provérbios realça a primazia da ação divina para o bem-estar de uma comunidade e o faz de maneira radical, afirmando que “a bênção do Senhor é que enriquece, o nosso esforço nada lhe acrescenta” (Pr 10,22).

2. Este Salmo sapiencial, fruto da meditação sobre a realidade da vida de todos os dias, está construído substancialmente sobre um contraste: sem o Senhor, em vão se procura construir uma casa estável, edificar uma cidade segura, fazer frutificar a própria fadiga (vv. 1-2). Com o Senhor, ao contrário, tem-se prosperidade e fecundidade, uma família rica de filhos e serena, uma cidade bem fornecida e defendida, livre de pesadelos e inseguranças (vv. 3-5).
O texto inicia com a menção feita ao Senhor representado como construtor da casa e sentinela que vigia sobre a cidade (cf. Sl 120,1-8). O homem sai de manhã para se empenhar no seu trabalho e no sustento da família e ao serviço do desenvolvimento da sociedade. É um trabalho que ocupa as suas energias, provocando o suor no seu rosto (cf. Gn 3,19) durante todo o dia (v. 2).

3. Mesmo reconhecendo a importância do trabalho, o salmista não hesita em afirmar que todo este trabalho é inútil se Deus não está ao lado de quem trabalha. E afirma que, ao contrário, Deus gratifica até o sono dos seus amigos. O salmista deseja assim exaltar a primazia da graça divina, que imprime consistência e valor ao agir humano, mesmo marcado pelas limitações e pela caducidade. No abandono sereno e fiel da nossa liberdade ao Senhor, também as nossas obras se tornam sólidas, capazes de um fruto permanente. O nosso “sono” torna-se, desta forma, um repouso abençoado por Deus, destinado a sigilar uma atividade que tem sentido e consistência.

4. Passa-se, neste ponto, a outro cenário descrito pelo nosso Salmo. O Senhor oferece o dom dos filhos, considerados uma bênção e uma graça, sinal da vida que continua e da história da salvação orientada a novas etapas (v. 3). O salmista exalta em particular os “filhos de um casal de esposos jovens”: o pai que teve filhos quando jovem não só os verá em todo o seu vigor, mas serão o seu amparo na velhice. Assim, ele poderá enfrentar com segurança o futuro, tornando-se semelhante a um guerreiro, armado com aquelas “flechas” afiadas e vitoriosas que são os filhos (vv. 4-5).
A imagem, tirada da cultura daquela época, tem a finalidade de celebrar a segurança, a estabilidade, a força de uma família numerosa, como é repetido no seguinte Salmo 127, no qual é esboçado o retrato de uma família feliz.
O quadro final representa um pai circundado pelos seus filhos, o qual é recebido com respeito às portas da cidade, sede da vida pública. Por conseguinte, a geração é um dom portador de vida e de bem-estar para a sociedade. Disto somos conscientes nos nossos dias diante de nações nas quais a diminuição demográfica priva do vigor, da energia, do futuro encarnado pelos filhos. Mas, acima de tudo, eleva-se a presença abençoadora de Deus, fonte de vida e de esperança.

5. O Salmo 126 foi usado com frequência pelos autores espirituais precisamente para exaltar esta presença divina, decisiva para proceder pelo caminho do bem e do reino de Deus. Assim o monge Isaías (falecido em Gaza em 491) no seu Asceticon (Logos 4, 118), recordando o exemplo dos antigos Patriarcas e Profetas, ensina: “Colocaram-se sob a proteção de Deus, implorando a sua assistência, sem depor a sua confiança em qualquer fadiga realizada. E a proteção de Deus foi para eles uma cidade fortificada, porque sabiam que sem a ajuda de Deus não tinham poder e a sua humildade fazia-lhes dizer com o salmista: ‘Se o Senhor não construir a nossa casa, em vão trabalharão seus construtores; se o Senhor não vigiar nossa cidade, em vão vigiarão as sentinelas!’” (Recueil ascéptique, Abadia de Bellefontaine, 1976, pp. 74-75). Isto é válido também hoje: só a comunhão com o Senhor pode guardar as nossas casas e as nossas cidades.

145. Cristo, o Primogênito de toda a criatura e o Primogênito dentre os mortos: Cl 1,12-20
07 de setembro de 2005

1. Já nos detivemos anteriormente sobre o grandioso afresco de Cristo, Senhor do universo e da história, que domina o hino colocado no início da Carta de São Paulo aos Colossenses (cf. Catequeses nn. 105.127). Este cântico, de fato, marca as quatro semanas nas quais se desenvolve a Liturgia das Vésperas.
O centro do hino é constituído pelos versículos 15-20, nos quais entra em cena de maneira direta e solene Cristo, definido “imagem” do “Deus invisível” (v. 15). A palavra grega eikon, “ícone”, é querida ao Apóstolo: nas suas Cartas usa-a nove vezes, aplicando-a quer a Cristo, ícone perfeito de Deus (cf. 2Cor 4,4), quer ao homem, imagem e glória de Deus (cf. 1Cor 11,7). Mas, com o pecado, os homens “trocaram a glória do Deus incorruptível por figuras representativas do homem corruptível” (Rm 1,23), escolhendo adorar os ídolos, tornando-se semelhantes a eles.
Por isso, devemos modelar continuamente o nosso ser e a nossa vida à imagem do Filho de Deus (cf. 2Cor 3,18), porque fomos “libertados do império das trevas”, “transportados para o reino de seu Filho bem-amado” (Cl 1,13). Este é o primeiro imperativo deste hino: modelar a nossa vida à imagem do Filho de Deus, entrando nos seus sentimentos e na sua vontade, no seu pensamento.

2. Depois, Cristo é proclamado “Primogênito (gerado antes) de toda criatura” (v. 15). Cristo precede toda a criação (v. 17), sendo gerado desde a eternidade: por isso “n’Ele é que tudo foi criado, o que há nos céus e o que existe sobre a terra” (v. 16). Também na antiga tradição hebraica se afirma que “todo o mundo foi criado em vista do Messias” (Sanhedrin 98b).
Para o Apóstolo, Cristo é o princípio de união (“por Ele subsiste o universo”), o mediador e o destino final para o qual converge toda a criação (“por Ele e para Ele”). Ele é “o primogênito de muitos irmãos” (Rm 8,29), ou seja, é o Filho por excelência na grande família dos filhos de Deus, na qual nos insere o Batismo.

3. Neste ponto, o olhar passa do mundo da criação para a história: Cristo é “a Cabeça da Igreja, que é seu Corpo” (v. 18) e já o é através da sua Encarnação. De fato, Ele entrou na comunidade humana, para regê-la e unificá-la em um “corpo”, isto é, em uma unidade harmoniosa e fecunda. A consistência e o crescimento da humanidade têm em Cristo a raiz, o fulcro vital, “o princípio”.
Precisamente com esta primazia Cristo pode tornar-se o princípio da ressurreição de todos, o “Primogênito entre os mortos”, porque “em Cristo todos voltarão a receber a vida... primeiro, Cristo, como primícias, depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (1Cor 15,22-23).

4. O hino encaminha-se para a conclusão celebrando a “plenitude”, em grego pleroma, que Cristo tem em si como dom do amor do Pai. É a plenitude da divindade que se irradia tanto no universo como na humanidade, tornando-se fonte de paz, de unidade, de harmonia perfeita (vv. 19-20).
Esta “reconciliação” e esta “pacificação” são realizadas através “do sangue de sua cruz” (v. 20), pelo qual somos justificados e santificados. Derramando o seu sangue e oferecendo-se a si mesmo, Cristo efundiu a paz que, na linguagem bíblica, é síntese dos bens messiânicos e plenitude salvífica que se difunde em toda a realidade criada.
Por isso, o hino termina com um horizonte luminoso de reconciliação, unidade, harmonia e paz, sobre o qual se eleva solene a figura do seu artífice, Cristo, “Filho bem-amado” do Pai.

5. Os escritores da antiga tradição cristã refletiram sobre esta densa perícope. São Cirilo de Jerusalém, num dos seus diálogos, cita o cântico da Carta aos Colossenses para responder a um interlocutor anônimo que lhe tinha perguntado: “Dizemos, portanto, que o Verbo gerado por Deus Pai sofreu depois por nós na sua carne?”. A resposta, em continuidade com o cântico, é afirmativa.
De fato, afirma Cirilo, “a imagem do Deus invisível, o primogênito de todas as criaturas, visível e invisível, pelo qual e no qual tudo existe, foi dado, diz Paulo, como cabeça à Igreja: além disso, ele é o primogênito de muitos mortos”, isto é, o primeiro na série dos mortos que ressuscitam. “Ele - prossegue Cirilo - ‘renunciando à alegria que lhe fora proposta, sofreu a cruz, desprezando a ignomínia’ (Hb 12,2). Nós dizemos que não foi um simples homem, cheio de honras, não sei como, o que unindo-se a ele foi sacrificado por nós, mas que o próprio Senhor da glória foi crucificado” (Porque Cristo é um: Coleção de Textos Patrísticos, XXXVII, Roma, 1983, p. 101).
Diante deste Senhor da glória, sinal do amor supremo do Pai, também nós elevamos o nosso canto de louvor e nos prostramos em adoração e agradecimento.

O "Primogênito de toda criatura", senhor dos anjos (cf. Cl 1,15)
(Cristo, o Rei Universal - Jan Henryk de Rosen)

Fonte: Santa Sé (17 de agosto, 31 de agosto e 07 de setembro de 2005).

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