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sábado, 22 de maio de 2021

Homilia: Solenidade de Pentecostes

São Leão Magno
Tratado 75
O Espírito da verdade vos guiará até a plena verdade

Que a presente solenidade, amadíssimos, deve ser venerada entre as principais festas, é algo que intui qualquer coração católico; pois não é possível duvidar da grande reverência que este dia merece, o qual foi consagrado pelo Espírito Santo com o estupendo milagre de seu dom. Este dia é, de fato, o décimo a partir daquele em que o Senhor subiu à extremidade dos céus para sentar-se à direita do Pai, e o quinquagésimo a partir do dia de sua Ressurreição, dia que para nós brilhou naquele no qual teve sua origem, e que contém em si grandes mistérios tanto da antiga quanto da nova economia. Neles se manifesta com muita clareza que a graça foi preanunciada pela Lei e que a Lei recebeu sua plenitude pela graça. Na realidade, assim como cinquenta dias depois da imolação do cordeiro foi entregue em outro tempo a Lei, no monte Sinai, ao povo hebreu libertado dos egípcios, da mesma forma, após a Paixão de Cristo, na qual foi imolado o verdadeiro Cordeiro de Deus, cinquenta dias depois de sua Ressurreição desceu o Espírito Santo sobre os Apóstolos e sobre o grupo dos crentes, a fim de que facilmente o cristão conheça atento que os começos do Antigo Testamento serviram de base para os primeiros passos do Evangelho, e que a segunda aliança foi selada pelo mesmo Espírito que tinha instituído a primeira.

Pois, como nos assegura a história apostólica, todos os discípulos estavam juntos no dia de Pentecostes. De repente veio um ruído do céu, como de um vento forte, ressoou em toda a casa aonde se encontravam. Viram aparecer algumas línguas de fogo, que se repartiam, pousando sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em línguas estrangeiras, cada um na língua que o Espírito lhe sugeria. Ó, que veloz é a palavra da sabedoria, e quando o mestre é Deus, prontamente se aprende o que se ensina! Não foi necessário intérprete para entender, nem aprendizagem para poder utilizá-las, nem tempo para estudá-las, mas, o Espírito da verdade, soprando aonde quer, os diferentes idiomas de cada nação se converteram em línguas universais na boca da Igreja. E foi a partir deste dia que ressoou a trombeta da pregação evangélica; a partir deste dia a chuva de carismas e os rios de bênçãos regaram todo lugar deserto e toda terra árida: porque para repovoar a face da terra o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas, e, para afugentar as antigas trevas, cintilavam os fulgores de uma nova luz, quando ao clamor do esplendor de algumas línguas cintilantes, nasceu a norma do Senhor que ilumina e a palavra ardente, as quais, para iluminar as inteligências e aniquilar o pecado, foram-lhe conferidas a capacidade de iluminar e a força de abrasar.

Todavia, ainda que a forma mesma, amadíssimos, em que se desenrolaram os acontecimentos fosse realmente admirável, nem ficava a menor dúvida de que, naquela exultante harmonia de todas as linguagens humanas, esteve presente a majestade do Espírito Santo: contudo, ninguém deve cair no erro de crer que, naqueles fenômenos que os olhos humanos contemplaram, se fez presente a sua própria substância. Não: a natureza invisível, que possui em comum com o Pai e o Filho, mostrou o caráter de seu dom e de sua obra mediante os sinais que ela mesma escolheu, porém reteve na intimidade de sua deidade o que é próprio de sua essência; pois assim como o Pai e o Filho não podem ser vistos por olhos humanos, o mesmo ocorre com o Espírito Santo. Realmente, na Trindade divina nada há de diferente, nada desigual; e quantos atributos possam ser pensados daquela substância, não se distinguem nem no poder, nem na glória, nem na eternidade. E mesmo quando na propriedade das Pessoas um é o Pai, outro o Filho e outro distinto o Espírito Santo, apesar disso, não é diversa nem a deidade nem a natureza. E se é certo que o Filho Unigênito nasce do Pai e que o Espírito Santo é espírito do Pai e do Filho, no entanto, não o é como uma criatura qualquer que fosse propriedade conjunta do Pai e do Filho, mas como quem comparte a vida e o poder com ambos, e o comparte desde toda a eternidade, visto que é subsistente assim como o Pai e o Filho.

Por isso, o Senhor, à véspera de sua Paixão, ao prometer aos discípulos a vinda do Espírito Santo, lhes disse: Muitas coisas me restam para dizer-vos, mas não podeis suportá-las agora; quando Ele vier, o Espírito da verdade, vos guiará até a plena verdade. Pois o que falar não será seu, falará do que ouve e vos comunicará o que está por vir. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que tomará do que é meu e vos anunciará. Disto se deduz que o Pai, o Filho e o Espírito não vivem em regime de separação de bens, mas tudo o que o Pai tem, o tem o Filho e o tem o Espírito Santo; nem houve momento algum em que na Trindade não se desse esta comunhão, pois na Trindade possuir tudo e existir sempre são conceitos sinônimos. Tratando-se da Trindade devemos excluir as categorias de tempo, de procedência ou diferenciais; e se ninguém pode explicar o que Deus é, que não se atreva também a afirmar o que Ele não é. Mas escusável é, de fato, não expressar-se dignamente sobre esta inefável natureza do que definir o que lhe é contrário.

Portanto, tudo quanto um coração piedoso é capaz de conceber referente à sempiterna e incomutável glória do Pai, deve entendê-lo inseparável e indiferentemente ao mesmo tempo do Filho e do Espírito Santo. Em consequência, confessamos que esta Trindade é um só Deus, visto que nestas três Pessoas não se dá diversidade alguma nem na substância, nem no poder, nem na vontade, nem na operação.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 362-364. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Para ler uma homilia de Orígenes para esta Solenidade, clique aqui.

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