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quinta-feira, 8 de abril de 2021

Catequeses sobre os Salmos (11): Laudes da terça-feira da II semana

Após a pausa por ocasião da Semana Santa, damos continuidade às Catequeses sobre os salmos e cânticos das Laudes: o Papa João Paulo II refletiu sobre os textos da terça-feira da II semana do Saltério nos dias 06 de fevereiro (Sl 42), 27 de fevereiro (Is 38,10-14.17-20) e 06 de março de 2002 (Sl 64).

30. Saudades do templo: Sl 42(43),1-5
06 de fevereiro de 2002

1. Numa Audiência Geral de há algum tempo (Catequese n. 27), ao comentar o Salmo que antecede o que acabamos de cantar, dissemos que ele se ligava intimamente com o Salmo seguinte. De fato, os Salmos 41 e 42 constituem um único cântico, dividido em três partes pela própria antífona: “Por que te entristeces, minha alma, a gemer no meu peito? Espera em Deus! Louvarei novamente o meu Deus Salvador!” (Sl 41,6.12; 42,5).
Estas palavras, semelhantes a um solilóquio, exprimem os sentimentos profundos do salmista. Ele está longe de Sião, ponto de referência da sua existência porque é sede privilegiada da presença divina e do culto dos fiéis. Por isso, sente uma solidão feita de incompreensão e até de agressividade por parte dos incrédulos, agravada pelo isolamento e pelo silêncio por parte de Deus. Mas o salmista reage contra a tristeza com um convite à confiança, que ele dirige a si mesmo, e com uma bonita afirmação de esperança: ele espera poder louvar ainda a Deus, “salvação do seu rosto”.
No Salmo 42, em vez de falar só a si próprio como no Salmo anterior, o salmista dirige-se a Deus e suplica-Lhe que o defenda dos adversários. Repetindo quase literalmente uma invocação anunciada no outro salmo (Sl 41,10), o orante dirige desta vez efetivamente a Deus o brado de desconforto: “Por que me afastais? Por que ando tão triste e abatido pela opressão do inimigo?” (Sl 42,2).

2. Contudo, ele já sente o intervalo obscuro da distância que está para terminar e exprime a certeza da volta a Sião para encontrar a casa divina. A cidade santa já não é a pátria perdida, como acontecia na lamentação do salmo anterior (cf. Sl 41,3-4), mas tornou-se a meta jubilosa, rumo à qual se está a caminho. A orientação da vinda para Sião será a “verdade” de Deus e a sua “luz” (Sl 42,3). O próprio Senhor será o fim último da viagem. Ele é invocado como juiz e defensor (vv. 1-2). Três verbos realçam a sua implorada intervenção: “fazei justiça”, “defendei-me”, “libertai-me” (v. 1). São como que três estrelas de esperança, que se acendem no céu tenebroso da prova e marcam a aurora iminente da salvação.
É significativa a leitura que Santo Ambrósio faz desta experiência do salmista, aplicando-a a Jesus que reza no Getsêmani: “Não quero que te admires se o profeta diz que a sua alma estava abatida, visto que o próprio Senhor Jesus disse: Agora a minha alma está abatida. De fato, quem assumiu as nossas debilidades, assumiu também a nossa sensibilidade, o que fez com que ficasse entristecido até à morte, mas não pela morte. Não teria podido causar melancolia uma morte voluntária, da qual dependia a felicidade de todos os homens... Portanto estava triste até à morte, na esperança de que a graça fosse realizada. Demonstra isto o seu próprio testemunho, quando diz da sua morte: Há um batismo com o qual devo ser batizado:  e como me sinto angustiado enquanto não for realizado!” (As lamentações de Jó e de Davi, VII, 28, Roma, 1980, p. 233).

3. Agora, na continuação do Salmo 42, diante dos olhos do salmista está para se abrir a solução tão desejada: o regresso à fonte da vida e da comunhão com Deus. A “verdade”, ou seja, a fidelidade amorosa do Senhor, e a “luz”, isto é, a revelação da sua benevolência, são descritas como mensageiras que o próprio Deus enviará do céu a fim de tomar pela mão o fiel e conduzi-lo à meta desejada (Sl 42,3).
É muito eloquente a sequência das etapas de aproximação de Sião e do seu centro espiritual. Primeiro aparece “o Monte santo”, a colina na qual se eleva o templo e a fortaleza de Davi. Depois, vêm “a vossa morada”, ou seja, o santuário de Sião com todos os seus espaços e edifícios que o compõem. Segue-se, depois, “os altares do Senhor”, a sede dos sacrifícios e do culto oficial de todo o povo. A meta última e decisiva é o Deus da alegria, é o abraço, a intimidade reencontrada com Ele, que antes estava longe e silencioso.

4. Neste ponto, tudo é cântico, júbilo, festa (v. 4). No original hebraico fala-se do “Deus que é alegria do meu júbilo”. Trata-se de uma maneira de dizer para exprimir o superlativo: o salmista quer realçar que o Senhor é a raiz de qualquer felicidade, é a alegria suprema, é a plenitude da paz.
A tradução grega dos Setenta parece ter recorrido a uma palavra aramaica equivalente que indica a juventude e traduziu “ao Deus que alegra a minha juventude”, introduzindo, desta forma, a ideia do vigor e da intensidade da alegria dada pelo Senhor. O saltério latino da Vulgata, que é uma tradução feita com base no grego, diz assim: “ad Deum qui laetificat juventutem meam”. Desta forma, o Salmo era recitado aos pés do altar, na anterior Liturgia Eucarística, como invocação introdutória ao encontro com o Senhor.

"Introibo ad altare Dei: ad Deum qui laetificat juventutem meam" (Sl 42,4)
(Missa na Forma Extraordinária celebrada pelo Cardeal Burke - Basílica de São Pedro)

5. A lamentação inicial da antífona dos Salmos 41-42 ressoa pela última vez no final (Sl 42,5). O orante ainda não alcançou o templo de Deus, ainda está envolvido pela obscuridade da provação; mas já brilha aos seus olhos a luz do encontro futuro e os seus lábios já conhecem a tonalidade do cântico de alegria. O apelo é, a este ponto, mais marcado pela esperança. De fato, observa Santo Agostinho comentando o nosso Salmo: “Espera em Deus, responderá à sua alma aquele que por ela está perturbado... Entretanto vive na esperança. A esperança que se vê não é esperança; mas se esperamos no que não vemos é pela paciência que nós a aguardamos (cfRm 8,24-25)” (Exposição sobre os Salmos I, Roma, 1982, p. 1019).
O Salmo torna-se, então, a oração de quem é peregrino na terra e ainda está em contato com o mal e com o sofrimento, mas tem a certeza de que o ponto de chegada da história não é um abismo de morte, mas o encontro salvífico com Deus. Esta certeza é ainda mais forte para os cristãos, aos quais a Carta aos Hebreus proclama: “Vós, porém, vos aproximastes do monte de Sião, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste, das miríades de anjos, da assembleia dos primogênitos que estão inscritos nos céus, do juiz que é o Deus de todos, dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição, de Jesus, o mediador da Nova Aliança, e de um sangue de aspersão mais eloquente do que o de Abel” (Hb 12,22-24).

31. Angústia de um agonizante e alegria da cura: Is 38,10-14.17-20
27 de fevereiro de 2002

1. A Liturgia das Horas, nos vários cânticos que são postos em paralelo com os salmos, apresenta-nos também um hino de agradecimento que tem este título: “Cântico de Ezequias, rei de Judá, quando adoeceu e foi curado da sua enfermidade” (Is 38,9). Ele está inserido numa parte do livro do profeta Isaías com a característica histórico-narrativa (cfIs 36-39), cujos dados realçam - com algumas variantes - os que são oferecidos pelo Segundo Livro dos Reis (cap. 18-20).
Nós, agora, na esteira da Liturgia das Laudes, ouvimos e transformamos em oração duas grandes estrofes daquele cântico, que descrevem os dois movimentos típicos das orações de agradecimento: por um lado, é recordado o pesadelo do sofrimento do qual o Senhor libertou o seu fiel e, por outro, canta-se com alegria a gratidão pela vida e pela salvação reconquistada.
O rei Ezequias, um soberano justo e amigo do profeta Isaías, tinha sido atingido por uma grave doença, que o profeta declarara mortal (cfIs 38,1). “Ezequias voltou o seu rosto para a parede e fez ao Senhor esta oração: ‘Senhor, lembrai-vos de que tenho andado fielmente diante de vós, de todo o coração, segundo a vossa vontade’. E começou a derramar lágrimas abundantes. Então a Palavra do Senhor foi dirigida a Isaías, nestes termos: ‘Vai e diz a Ezequias: Eis o que diz o Senhor, o Deus de teu pai Davi:  Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas; vou acrescentar à tua vida mais quinze anos’” (Is 38,2-5).

2. Neste ponto brota do coração do rei o cântico de reconhecimento. Como se disse, ele volta-se antes de tudo para o passado. Segundo a antiga concepção de Israel, a morte introduzia num horizonte subterrâneo, chamado em hebraico sheol, onde a luz se apagava, a existência se atenuava e se fazia quase espectral, o tempo parava, deixava de haver esperança e, sobretudo, deixava de se ter a possibilidade de invocar e encontrar Deus no culto.
Por isso, Ezequias recorda em primeiro lugar as palavras cheias de amargura pronunciadas quando a sua vida estava deslizando em direção aos confins da morte: “Não verei o Senhor sobre a terra dos viventes nunca mais” (v. 11). Também o salmista rezava assim no dia da doença: “Quando chegar a morte, ninguém se lembra de Vós; na mansão dos mortos quem vos louvará?” (Sl 6,6). Ao contrário, libertado do perigo da morte, Ezequias pode recordar com vigor e com alegria: “Só os vivos é que podem vos louvar, como hoje eu vos louvo agradecido” (Is 38,19).

3. O cântico de Ezequias adquire uma nova tonalidade precisamente sobre este tema, se for lido à luz da Páscoa. Já no Antigo Testamento se abriam grandes clareiras de luz nos Salmos, quando o orante proclamava a sua certeza de que “não haveis de me deixar entregue à morte, nem vosso amigo conhecer a corrupção. Vós me ensinais vosso caminho para a vida; junto a vós, felicidade sem limites, delícia eterna e alegria ao vosso lado!” (Sl 15,10-11; cfSl 48 e 72). O autor do Livro da Sabedoria, por sua vez, jamais hesitará em afirmar que a esperança dos justos está “cheia de imortalidade” (Sb 3,4), porque ele está convencido de que a experiência de comunhão com Deus vivida durante a existência terrena não será infringida. Nós permaneceremos sempre, para além da morte, apoiados e protegidos pelo Deus eterno e infinito, porque “as almas dos justos estão na mão de Deus e nenhum tormento os tocará” (Sb 3,1).
Sobretudo com a Morte e a Ressurreição do Filho de Deus, Jesus Cristo, uma semente de eternidade é lançada à terra e feita germinar na nossa caducidade mortal, e por isso podemos repetir as palavras do Apóstolo, baseadas no Antigo Testamento: “Quando este corpo corruptível se revestir de imortalidade, então se cumprirá o que está escrito: ‘A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?’” (1Cor 15,54-55; cfIs 25,8; Os 13,14).

4. Mas o cântico do rei Ezequias convida-nos também a refletir sobre a nossa fragilidade de criaturas. As imagens são sugestivas. A vida humana é descrita com o símbolo nômade da tenda: nós somos sempre peregrinos e hóspedes na terra. Recorre-se também à imagem da tela, que é tecida e que pode permanecer incompleta quando se corta o fio e o trabalho é interrompido (v. 12). Também o salmista tem essa sensação: “Eis que fizestes os meus dias de uns tantos palmos, a minha existência, perante ti, é como um nada; cada um não é mais do que um sopro. Cada homem passa como uma simples sombra:  é em vão que se agita” (Sl 38,6-7). É necessário reencontrar a consciência dos nossos limites, saber que “a soma da nossa vida - como declara ainda o salmista - é de setenta anos, os mais fortes chegam aos oitenta; mas a sua grandeza não passa de atribulação e miséria, porque eles passam depressa e nós desaparecemos” (Sl 89,10).

5. No dia da doença e do sofrimento é, contudo, justo elevar a Deus a própria lamentação, como nos ensina Ezequias que, usando imagens poéticas, descreve o seu pranto como o grito da andorinha e o gemido de uma rolinha (v. 14). E, mesmo se não hesita em confessar que sente Deus como um adversário, como um leão que quebra os ossos (v. 13), não deixa de invocá-lo: “Socorrei-me, Senhor Deus!” (v. 14).
O Senhor não permanece indiferente às lágrimas do sofredor e, mesmo que por caminhos que nem sempre coincidem com os das nossas expectativas, responde, conforta e salva. É como confessa Ezequias no final, convidando todos a ter esperança, a rezar, a ter confiança, na certeza de que Deus não abandona as suas criaturas: “Senhor, salvai-me! Vinde logo em meu auxílio, e a vida inteira cantaremos nossos salmos, agradecendo ao Senhor em sua casa” (v. 20).

6. A tradição latina medieval conserva deste cântico do rei Ezequias um comentário espiritual de Bernardo de Claraval, um dos místicos mais representativos do monaquismo ocidental. Trata-se do terceiro dos Sermões vários, em que Bernardo, aplicando à vida de cada um o drama vivido pelo soberano de Judá e, interiorizando o seu conteúdo, escreve entre outras coisas: “Louvarei ao Senhor em todos os tempos, isto é, de manhã até à noite, como aprendi a fazer, e não como os que te louvam quando tu lhes fazes o bem, nem como os que creem durante certo tempo, mas no momento da tentação cedem; e como os santos, direi: Se recebemos o bem da mão de Deus, porque não devemos aceitar também o mal?... Assim estes dois momentos do dia serão um tempo de serviço a Deus, porque à noite permanecerá o pranto, e de manhã o eco da alegria. Mergulharei no sofrimento à noite a fim de poder gozar, depois, a alegria da manhã” (Scriptorium ClaravallenseSermo III, n. 6, Milão, 2000, pp. 59-60).
Por conseguinte, a súplica do rei é lida por São Bernardo como uma representação do cântico orante do cristão, que deve ressoar, com a mesma constância e serenidade, tanto nas trevas da noite e da provação como na luz do dia e da alegria.

32. Solene ação de graças: Sl 64(65),2-14
06 de março de 2002

1. A nossa viagem pelos salmos da Liturgia das Laudes leva-nos agora a um hino, que nos seduz sobretudo pelo maravilhoso quadro primaveril da última parte (vv. 10-14), um cenário cheio de vigor, esmaltado de cores, percorrido por vozes de alegria.
Na realidade, o Salmo 64 tem uma estrutura mais ampla, fruto do entrelaçamento de duas tonalidades diferentes: em primeiro lugar, sobressai o tema histórico do perdão dos pecados e do acolhimento junto de Deus (vv. 2-5); depois, é feita menção ao tema cósmico da ação de Deus em relação aos mares e aos montes (vv. 6-9a); por fim, é desenvolvida a descrição da primavera (vv. 9b-14): no panorama cheio de sol e árido do Oriente Próximo, a chuva fecundante é a expressão da fidelidade do Senhor à criação (cfSl 103,13-16). Para a Bíblia, a criação é a sede da humanidade e o pecado é um atentado à ordem e à perfeição do mundo. Portanto, a conversão e o perdão dão de novo integridade e harmonia ao cosmo.

2. A primeira parte do Salmo leva-nos ao interior do templo de Sião. Ali acorre o povo com o seu montão de misérias morais, para invocar a libertação do mal (vv. 2-4a). Uma vez obtida a absolvição das culpas, os fiéis sentem-se hóspedes de Deus, próximos d’Ele, prontos para serem admitidos à sua mesa e participarem na festa da intimidade divina (vv. 4b-5).
Depois, o Senhor que se eleva no templo é representado com um perfil glorioso e cósmico. De fato, diz-se que Ele é “a esperança dos confins de toda a terra e dos mares mais distantes. As montanhas sustentais com vossa força... Acalmais o mar bravio e as ondas fortes... Os habitantes mais longínquos se admiram com as vossas maravilhas”, do Oriente até ao Ocidente (vv. 6-9).

3. No interior desta celebração de Deus Criador encontramos um acontecimento que desejo realçar: o Senhor consegue dominar e silenciar até o estrondo das águas do mar, que na Bíblia simbolizam a desordem, em oposição à ordem da criação (cfJó 38,8-11). Eis a forma de exaltar a vitória divina não só sobre o nada, mas também sobre o mal:  por este motivo ao “mar bravio” e às “ondas fortes” associa-se também “o tumulto das nações” (v. 8), isto é, a rebelião dos soberbos.
Santo Agostinho comenta de maneira eficaz: “O mar representa o mundo atual: amargo de salinidade, agitado pela tempestade, onde os homens com a sua avidez perversa e desordenada, se tornam como peixes que devoram uns aos outros. Olhai para este mar agitado, para este mar amargo, cruel com as suas ondas! (...) Irmãos, não nos comportemos assim, porque o Senhor é a esperança de todos os confins da terra” (Exposição sobre os Salmos II, Roma, 1990, p. 475).
A conclusão que o Salmo nos sugere é fácil: aquele Deus, que elimina a confusão e o mal do mundo e da história, pode vencer e perdoar a maldade e o pecado que o orante leva consigo e apresenta no templo, com a certeza da purificação divina.

4. Neste ponto entram no cenário as outras águas: as da vida e da fecundidade, que na primavera regam a terra e, em pensamento, representam a vida nova do fiel perdoado. Os versículos finais do Salmo (vv. 10-14), como se dizia, encerram uma grande beleza e significado. Deus mata a sede da terra fendida pela aridez e pelo gelo do inverno, dessedentando-a com a chuva. O Senhor é semelhante a um agricultor (cfJo 15,1), que faz crescer o grão e nascer a erva com o seu trabalho. Prepara o terreno, irriga os sulcos, revira os torrões, rega todas as partes do seu campo.
O salmista usa dez verbos para descrever esta amorosa ação do Criador em relação à terra, que é transfigurada numa espécie de criatura viva. De fato, “tudo canta de alegria” (v. 14). A este propósito são sugestivos os três verbos relacionados com o símbolo da veste: “as colinas se enfeitam de alegria, e os campos de rebanhos; nossos vales se revestem de trigais” (vv. 13-14). A imagem é a de uma pradaria salpicada pela candura das ovelhas; as colinas revestem-se talvez com os vinhedos, sinal de alegria pelo seu produto, o vinho, que “torna alegre o coração do homem” (Sl 103,15); os vales revestem-se com o manto dourado das searas. O versículo 12 recorda a coroa, que poderia fazer pensar nas grinaldas dos banquetes, colocadas na cabeça dos convidados (cfIs 28,1.5).

5. Todas as criaturas juntas, como que numa procissão, dirigem-se ao Criador e Soberano, dançando e cantando, louvando e rezando. Mais uma vez a natureza torna-se um sinal eloquente da ação divina; é uma página aberta a todos, pronta para manifestar a mensagem nela delineada pelo Criador, porque “pela beleza e grandeza das criaturas pode chegar-se, por analogia, ao conhecimento do seu Autor” (Sb 13,5; cfRm 1,20). Contemplação teológica e abandono poético fundem- se juntos neste poema e tornam-se adoração e louvor.
Mas o encontro mais intenso, o que o salmista tem em vista com todo o seu cântico, é aquele que une criação e redenção. Como a terra na primavera ressurge pela ação do Criador, assim o homem ressurge do seu pecado pela ação do Redentor. Criação e história estão desta forma sob o olhar providencial e salvífico do Senhor, que vence as águas agitadas e destruidoras e dá a água que purifica, fecunda e mata a sede. De fato, o Senhor “cura os atribulados de coração e pensa-lhe as chagas”, mas também “cobre os céus com as nuvens... prepara a chuva para a terra... faz crescer as ervas nas montanhas” (Sl 146,3.8).
Desta forma, o Salmo torna-se um cântico à graça divina. É ainda Santo Agostinho quem, ao comentar o nosso Salmo, recorda este dom transcendente e único: “O Senhor nosso Deus diz ao teu coração: Eu sou a tua riqueza. Não te preocupes com aquilo que o mundo te promete, mas com o que te promete o Criador do mundo! Está atento ao que Deus te promete, se observares a justiça; e despreza aquilo que o homem te promete para te afastar da justiça. Não te preocupes, portanto, com aquilo que o mundo promete! Tem antes em consideração o que o Criador do mundo promete” (op. cit., p. 481).

"Senhor, salvai-me! Vinde logo em meu auxílio" (Is 38,10)
(Isaías profetiza a cura do rei Ezequias - Jacob de Backer)

Fonte: Santa Sé (06 de fevereiro, 27 de fevereiro e 06 de março de 2002).

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