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quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Jubileu das Famílias no ano 2000

No dia 15 de outubro do ano 2000, durante o Grande Jubileu, o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa na Praça de São Pedro por ocasião da conclusão do III Encontro Mundial das Famílias e Jubileu das Famílias no contexto do Ano Santo.

Durante a celebração o Santo Padre assistiu ao Matrimônio de 08 casais de diversos países do mundo, razão pela qual foi celebrada a Missa Ritual desse sacramento.

Jubileu das Famílias
Homilia do Papa João Paulo II
15 de outubro de 2000

1. Que o Senhor, fonte de vida, nos abençoe!. A invocação que repetimos no salmo responsorial, caríssimos irmãos e irmãs, sintetiza muito bem a oração quotidiana de cada família cristã, e hoje, nesta Celebração Eucarística jubilar, exprime de modo muito eficaz o sentido do nosso encontro.
Reunistes-vos aqui não só como pessoas individuais, mas como famílias. Viestes a Roma de todas as partes do mundo, trazendo convosco a convicção profunda de que a família é um grande dom de Deus, um dom originário, assinalado pela sua bênção.
De fato é assim. Desde o início da criação Deus pousou o seu olhar de bênção sobre a família. Deus criou o homem e a mulher à sua imagem, e confiou-lhes uma tarefa específica para o desenvolvimento da família humana: “(...) abençoou-os e disse-lhes: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei e submetei a terra’” (Gn 1,28).
Caríssimas famílias, o vosso Jubileu é cântico de louvor por esta bênção originária. Ela desceu sobre vós, casais cristãos, quando, ao celebrar o vosso matrimônio, jurastes reciprocamente amor perene diante de Deus. Recebê-la-ão hoje os oito casais de várias partes do mundo, que vieram celebrar o seu matrimônio no âmbito solene deste rito jubilar.
Sim, que o Senhor, fonte de vida, vos abençoe! Disponde-vos ao fluxo sempre novo desta bênção. Ela traz em si uma força criadora, regeneradora, capaz de aliviar qualquer forma de cansaço e de garantir um vigor perene ao vosso dom.

2. Esta bênção originária está relacionada com um desígnio de Deus, que a sua palavra acaba de nos recordar: Não é bom que o homem esteja sozinho: vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe seja semelhante” (Gn 2,18). É desta forma que, no Livro do Gênesis, o autor sagrado delineia a existência fundamental sobre a qual se baseia a união esponsal de um homem e de uma mulher, e com ela a vida da família que dela tem origem. Trata-se de uma existência de comunhão. O ser humano não é feito para a solidão, traz em si uma vocação relacional, radicada na sua própria natureza espiritual. Em virtude desta vocação, ele cresce na medida em que se relaciona com o próximo, encontrando-se plenamente “no dom sincero de si mesmo” (Gaudium et spes, n. 24).
Para o ser humano não são suficientes relações meramente funcionais. Ele precisa de relações interpessoais ricas de interioridade, gratuidade e oblatividade. Entre estas, é fundamental a que se realiza na família: nas relações entre os cônjuges, e na deles com os seus filhos. Toda a grande rede das relações humanas brota e regenera-se continuamente a partir daquela relação com a qual um homem e uma mulher se reconhecem feitos um para o outro, e decidem unir as próprias existências num só projeto de vida: Por isso, um homem deixa seu pai e sua mãe, e une-se à sua mulher, e os dois tornam-se uma só carne (Gn 2,24).

3. Uma só carne! Como não captar o vigor desta expressão? A palavra bíblica “carne” não recorda apenas o aspecto físico do homem, mas a sua identidade global de espírito e de corpo. O que os esposos realizam não é só um encontro corpóreo, mas uma verdadeira união das suas pessoas. Uma união tão profunda, que os torna de certa forma um reflexo do Nós das Três Pessoas divinas na história (cf. Carta às famílias, 8).
Compreende-se então a grande aposta que emerge do debate de Jesus com os fariseus no Evangelho de Marcos, há pouco proclamado. Para os interlocutores de Jesus, tratava-se de um problema de interpretação da lei mosaica, que permitia o repúdio, provocando debates sobre as razões que o podiam legitimar. Jesus ultrapassa totalmente esta visão legalista, indo ao âmago do desígnio de Deus. Na norma mosaica ele vê uma concessão à esclerocardia”, aos “corações duros”. Mas é sobretudo com estes corações duros que Jesus não se resigna. E como poderia, Ele que veio precisamente para dissolvê-los e oferecer ao homem, com a redenção, a força de vencer as oposições devidas ao pecado? Ele não receia indicar de novo o desígnio originário: Desde o início da criação, Deus fê-los homem e mulher (Mc 10,6).

4. No início! Só Ele, Jesus, conhece o Pai “desde o início”, e conhece também o homem “desde o início”. Ele é ao mesmo tempo o revelador do Pai e o revelador do homem ao homem (cf. Gaudium et spes, n. 22). Por isso, seguindo as suas pegadas, a Igreja tem a tarefa de testemunhar na história este desígnio originário, manifestando a sua verdade e praticabilidade.
Ao fazer isto, a Igreja não fecha os olhos às dificuldades e aos dramas, que a experiência histórica concreta registra na vida das famílias. Mas ela também sabe que a vontade de Deus, aceita e realizada com todo o coração, não é uma cadeia que torna escravos, mas a condição de uma liberdade verdadeira que tem a sua plenitude no amor. A Igreja também sabe e a experiência quotidiana ensina que quando este desígnio originário se obscurece nas consciências, a sociedade é danificada de modo incalculável.
Sem dúvida, existem dificuldades. Mas Jesus não deixou de fornecer aos esposos os meios da graça adequados para vencê-las. Por vontade sua, o matrimônio adquiriu, nos batizados, o valor e a força de um sinal sacramental, que consolida a sua índole e as prerrogativas. Com efeito, no matrimônio sacramental os cônjuges - como farão daqui a pouco os jovens casais dos quais abençoarei o casamento - empenham-se a exprimir-se reciprocamente e a testemunhar ao mundo o amor grande e indissolúvel com que Cristo ama a Igreja. É o “grande mistério”, como lhe chama o Apóstolo Paulo (cf. Ef 5,32).

5. Que o Senhor, fonte de vida, vos abençoe!”. A bênção de Deus está na origem não só da comunhão conjugal, mas também da responsável e generosa abertura à vida. Os filhos são verdadeiramente a “primavera da família e da sociedade”, como recita o mote do vosso Jubileu.
Nos filhos o matrimônio encontra o seu florescimento: neles realiza-se o coroamento daquela partilha total de vida (“totius vitae consortium”: CIC, cân. 1055 §1), que faz com que os esposos sejam “uma só carne”; e isto tanto nos filhos que nascem da relação natural entre os esposos, como nos que são adotivos. Os filhos não são umacessório no projeto de uma vida conjugal. Não são um “acessório”, mas um “dom preciosíssimo” (Gaudium et spes, n. 50), inscrito na própria estrutura da união conjugal.
Como se sabe, a Igreja ensina a ética do respeito desta estrutura fundamental no seu significado juntamente unitivo e procriativo. Em tudo isto, ela exprime a justa deferência ao desígnio de Deus, delineando um quadro de relações entre os esposos caracterizada pela aceitação recíproca sem hesitações. Além de tudo, isto vai ao encontro do direito que os filhos têm de nascer e crescer num contexto de amor plenamente humano. Conformando-se com a palavra de Deus, a família torna-se desta forma um laboratório de humanização e de verdadeira solidariedade.

6. Para esta tarefa são chamados pais e filhos, mas, como já escrevi em 1994, por ocasião do Ano da Família, “o ‘nós’ dos pais, do marido e da esposa, desenvolve-se, por meio da educação, no ‘nós’ da família, que se enxerta nas gerações precedentes e se abre a um gradual alargamento” (Carta às famílias, 16). Quando os papeis são respeitados, de maneira que o relacionamento entre os esposos e destes com os seus filhos se desenvolva de maneira total e serena, é natural que para a família adquiram significado e importância também os outros parentes, tais como os avós, os tios, os primos. Com frequência, nestes relacionamentos assinalados pelo afeto sincero e pela ajuda recíproca, a família desempenha um papel deveras insubstituível, para que as pessoas em dificuldade, as pessoas que não casaram, as viúvas e viúvos, os órfãos, possam encontrar um lugar caloroso e acolhedor. A família não se pode fechar em si mesma. A relação afetuosa com os familiares é o primeiro aspecto daquela abertura necessária, que projeta a família em toda a sociedade.

7. Por conseguinte, queridas famílias cristãs, recebei com confiança a graça jubilar, que é efundida com abundância nesta Eucaristia. Recebei-a tomando como modelo a família de Nazaré que, apesar de lhe ter sido confiada uma missão incomparável, percorreu um caminho igual ao vosso, entre alegrias e tristezas, oração e trabalho, esperança e provações angustiantes, sempre enraizada na adesão à vontade de Deus. Sejam as vossas famílias, cada vez mais, verdadeiras “igrejas domésticas”, das quais se eleve todos os dias o louvor a Deus e se irradie sobre a sociedade uma influência benéfica e regeneradora de amor.
Que o Senhor, fonte de vida, nos abençoe!. Oxalá este Jubileu das Famílias constitua, para todos vós que o estais a viver, um grande momento de graça. Que ele seja também para a sociedade um convite a refletir acerca do significado e do valor deste grande dom que é a família, construída segundo o coração de Deus.
Maria, “Rainha da Família”, vos acompanhe sempre com a sua mão materna.

Mosaico de São João Paulo, "protetor da família"

Fonte: Santa Sé

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