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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Jubileu das Universidades no ano 2000

No dia 10 de setembro do ano 2000 o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa do XXIII Domingo do Tempo Comum (ano B) na Praça de São Pedro por ocasião do Jubileu das Universidades no contexto do Ano Santo.

Jubileu das Universidades
Homilia do Papa João Paulo II
10 de setembro de 2000

1. “Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os mudos falar” (Mc 7,37).
No clima jubilar desta celebração, somos convidados em primeiro lugar a unir-nos à admiração e ao louvor de quantos assistiram ao milagre há pouco narrado pelo texto evangélico. Como muitos outros episódios de cura, ele testifica a vinda do Reino de Deus na pessoa de Jesus. Em Cristo realizam-se as promessas messiânicas enunciadas pelo profeta Isaías: “Os ouvidos dos surdos se abrirão e a língua do mudo dará gritos de alegria” (cf. Is 35,5-6). Com Ele inaugurou-se o ano de graça do Senhor para toda a humanidade (cf. Lc 4,17-21).
Este ano de graça atravessa os tempos, já assinala a história inteira, é princípio de ressurreição e de vida que compromete não só a humanidade, mas também a criação (cf. Rm 8,19-22).


Encontramo-nos aqui para fazer uma renovada experiência deste ano de graça, neste Jubileu das Universidades que vos vê reunidos, ilustres Reitores, Professores, Administradores e Capelães, oriundos de vários países, e vós caríssimos estudantes, provenientes do mundo inteiro.
Dirijo a todos vós a minha cordial saudação. Agradeço aos Cardeais e aos Bispos concelebrantes a sua presença. Saúdo também o Ministro das Universidades e as outras autoridades aqui congregadas.

2. Effatá!” “Abre-te!” (Mc 7,34). Esta palavra, pronunciada por Jesus na cura do surdo-mudo, ressoa hoje para nós; é uma palavra sugestiva, de grande intensidade simbólica, que nos exorta a abrir-nos à escuta e ao testemunho.
O surdo-mudo, de que fala o Evangelho, não evoca porventura a situação de quem não consegue instaurar uma comunicação que dê verdadeiro sentido à existência? De qualquer forma, faz pensar no homem que se fecha numa presumível autonomia, na qual acaba por se encontrar isolado em relação a Deus e com frequência também no que diz respeito ao próximo. Jesus dirige-se a este homem para lhe restituir a capacidade de se abrir ao Outro e os outros, em atitude de confiança e de amor gratuito. Oferece-lhe a extraordinária oportunidade de encontrar Deus, que é amor e se deixa conhecer por quem ama. Oferece-lhe a salvação.
Sim, Cristo abre o homem ao conhecimento de Deus e de si mesmo. Ele que é a Verdade (cf. Jo 14,6) abre-o à verdade, sensibilizando-o interiormente e curando assim todas as suas faculdades “a partir de dentro”.
Caríssimos irmãos e irmãs comprometidos no âmbito da investigação e do estudo, para vós esta palavra constitui um apelo a abrir o espírito à verdade que liberta! Ao mesmo tempo, a palavra de Cristo chama-vos a fazerdes-vos intermediários, junto de inumeráveis plêiades de jovens, deste Effatá que abre o espírito à aceitação de um ou de outro aspecto da verdade nos vários campos do saber. Considerado a esta luz, o vosso compromisso diário torna-se um seguimento de Cristo ao longo do caminho do serviço aos irmãos, na verdade do amor.
Cristo é Aquele que “faz bem todas as coisas” (Mc 7,37). Ele é o modelo para o qual se deve olhar constantemente, a fim de fazer da própria atividade acadêmica um serviço eficaz à aspiração humana por um conhecimento da verdade cada vez mais íntegro.

3. “Dizei aos corações desanimados: ‘Sede fortes! Não tenhais medo! Olhai para o vosso Deus: Ele vem para salvar’” (Is 35,4).
Caríssimos professores universitários, também a vossa missão se inscreve nestas palavras de Isaías. Todos os dias estais empenhados em anunciar, salvaguardar e difundir a verdade. Tratam-se com frequência de verdades concernentes às mais diversificadas realidades do cosmos e da história. Assim como nos âmbitos da teologia e da filosofia, nem sempre o debate diz diretamente respeito ao problema do sentido último da vida e à relação com Deus. Mas de qualquer forma este é o horizonte mais vasto de cada pensamento. Mesmo nas investigações acerca de aspectos da vida que parecem totalmente afastados da fé se esconde um desejo de verdade e de sentido que vai para além do particular e do contingente.
Quando o homem não é espiritualmente “surdo-mudo”, cada percurso do pensamento, da ciência e da experiência lhe oferece também um reflexo do Criador e lhe suscita um desejo d'Ele, com frequência escondido e talvez também reprimido, mas insuprimível. Santo Agostinho compreendia bem isto, e exclamava: “Criastes-nos para Vós, ó Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansar em Vós” (Confissões, 1, 1).
A vossa vocação de estudiosos e professores que abriram o coração a Cristo consiste em viver e testemunhar com eficácia esta relação entre todas as ciências singularmente e aquele “saber” supremo que concerne a Deus e num certo sentido coincide com Ele, com o seu Verbo que se fez homem e com o Espírito de verdade por Ele dado. Assim, através da vossa contribuição, a Universidade torna-se o lugar do Effatá em que Cristo, servindo-se de vós, continua a realizar o milagre de abrir os ouvidos e os lábios, suscitando uma renovada escuta e uma verdadeira comunicação.
A liberdade da investigação nada tem a temer deste encontro com Cristo. Ele não prejudica nem sequer o diálogo e o respeito às pessoas, uma vez que a verdade cristã por sua natureza deve ser proposta e jamais imposta, e tem como ponto de referência o profundo respeito pelo “sacrário da consciência” (Redemptoris missio, n. 39; cf. Redemptor hominis, n. 12; Concílio Ecumênico Vaticano II, Dignitatis humanae, n. 03).

4. No nosso tempo verificam-se grandes transformações, que abarcam também o mundo universitário. O caráter humanista da cultura às vezes parece ser secundário, enquanto se acentua a tendência a reduzir o horizonte do saber àquilo que se pode medir, e a descuidar todos os temas que dizem respeito ao significado último da realidade. Pode perguntar-se que homem a Universidade prepara hoje.
Diante do desafio de um novo Humanismo que seja autêntico e integral, a Universidade tem necessidade de pessoas atentas à Palavra do único Mestre; precisa de profissionais qualificados e de credíveis testemunhas de Cristo. Trata-se de uma missão decerto não fácil, que exige um compromisso constante, se nutre de oração e de estudo, e se exprime na normalidade da vida quotidiana.
Em auxílio desta missão apresenta-se a pastoral universitária, que é ao mesmo tempo cuidado espiritual das pessoas e eficaz ação de animação cultural, na qual a luz do Evangelho orienta e humaniza os percursos da investigação, do estudo e da didática.
Centro de semelhante ação pastoral são as Capelas universitárias, onde os professores, estudantes e funcionários encontram apoio e ajuda para a sua vida cristã. Inseridas como lugares significativos no contexto da Universidade, elas alimentam o compromisso de cada um nas formas e nos modos que o ambiente universitário sugere: são lugares do espírito, palestras de virtudes cristãs, casas de acolhimento abertas, vivos e propulsores centros de animação cristã da cultura, no diálogo respeitoso e franco, na proposta clara e motivada (cf. 1Pd 3,15), no testemunho que interroga e convence.

5. Caríssimos, para mim é uma alegria celebrar hoje juntamente convosco o Jubileu das Universidades. A vossa presença numerosa e qualificada constitui um sinal eloquente da fecundidade cultural da fé.
Fixando o olhar no mistério do Verbo encarnado (cf. Bula Incarnationis mysterium, n. 01), o homem encontra-se a si mesmo (cf. Gaudium et spes, n. 22). Ele experimenta também um íntimo júbilo, que se exprime no mesmo estilo interior do estudo e do ensino. Assim, a ciência ultrapassa os limites que a reduzem a um mero processo funcional e pragmático, para reencontrar a sua dignidade de investigação ao serviço do homem na sua verdade total, iluminada e orientada pelo Evangelho.
Caríssimos Professores e estudantes, esta é a vossa vocação: fazer da Universidade o ambiente em que se cultiva o saber, o lugar onde a pessoa encontra projetos, sabedoria e impulso ao serviço qualificado da sociedade.
Confio este vosso caminho a Maria, Sedes Sapientiae, cuja imagem vos entrego hoje para que seja recebida como mestra e peregrina, nas cidades universitárias do mundo. Ela, que com a sua oração sustentou os Apóstolos nos alvores da evangelização, vos ajude também a vós a animar de espírito cristão o mundo universitário.

Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida

Fonte: Santa Sé.

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