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sexta-feira, 29 de maio de 2020

IV Catequese do Papa sobre a oração

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 27 de maio de 2020
A oração (4): A oração dos justos

Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Dedicamos a catequese de hoje à oração dos justos.
O desígnio de Deus para a humanidade é bom, mas em nossa vida cotidiana experimentamos a presença do mal: é uma experiência de todos os dias. Os primeiros capítulos do livro de Gênesis descrevem a expansão progressiva do pecado nas vivências humanas. Adão e Eva (cf. Gn 3,3-7) duvidam das intenções benevolentes de Deus, pensando que estão lidando com uma divindade invejosa, que impede sua felicidade. Daí a rebelião: eles não acreditam mais em um Criador generoso, que deseja sua felicidade. O coração deles, cedendo à tentação do maligno, é tomado por delírios de onipotência: “Se comermos o fruto da árvore, nos tornaremos como Deus” (cf. v. 5). E esta é a tentação, ea ambição que entra no coração. Mas a experiência segue na direção oposta: seus olhos se abrem e descobrem que estão nus (v. 7), sem nada. Não se esqueça disso: o tentador é um mau pagador, ele paga mal.
O mal se torna ainda mais perturbador com a segunda geração humana, é mais forte: é a história de Caim e Abel (cf. Gn 4,1-16). Caim tem inveja de seu irmão: há o verme da inveja; embora seja o primogênito, ele vê Abel como um rival, alguém que mina sua primazia. O mal aparece em seu coração e Caim não pode dominá-lo. O mal começa a entrar no coração: os pensamentos são sempre sobre olhar mal para o outro, com suspeita. E isso também acontece com o pensamento: “Essa é uma pessoa má, ele vai me fazer mal”. E esse pensamento está entrando no coração… E, assim, a história da primeira fraternidade termina com um assassinato. Hoje, estou pensando na fraternidade humana… Guerras em todos os lugares.
Na descendência de Caim, se desenvolvem os trabalhos manuais e as artes, mas também a violência expressa pelo sinistro cântico de Lamec, que soa como um hino de vingança: «Eu matei um homem porque me feriu, e um menino, porque me machucou (...) Se Caim é vingado sete vezes, Lamec o será setenta e sete”(Gn 4,23-24). A vingança: “Você fez, pagará”. Mas isso não diz o juiz, sou eu quem diz. E eu me faço juiz da situação. E assim o mal se espalha de modo rápido e uniforme: “O Senhor viu que a maldade dos homens era grande na terra e que todo propósito íntimo de seu coração não era senão o mal, sempre” (Gn. 6,5) Os grandes afrescos do dilúvio universal (cap. 6-7) e a torre de Babel (cap. 11) revelam a necessidade de um novo começo, assim como de uma nova criação, que terá seu cumprimento em Jesus Cristo.
No entanto, nessas primeiras páginas da Bíblia, está escrita outra história, menos aparente, muito mais humilde e devota, o que representa o resgate da esperança. Mesmo que quase todos se comportem de maneira brutal, fazendo do ódio e da conquista o grande motor das vivências humanas, há pessoas capazes de orar a Deus com sinceridade, capazes de escrever o destino do homem de uma maneira diferente. Abel oferece a Deus um sacrifício de primícias. Após sua morte, Adão e Eva tiveram um terceiro filho, Set, de quem nasceu Enos (que significa “mortal”), e se diz: “Naquele tempo se começou a invocar o nome do Senhor” (4,26). Então Enoc aparece, uma pessoa que “caminha com Deus” e que é sequestrada ao céu (cf. 5,22.24). E, finalmente, há a história de Noé, um homem justo que “caminhou com Deus” (6,9), diante de quem Deus deixa seu propósito de eliminar a humanidade (cf. 6,7-8).
Lendo essas histórias, se tem a impressão de que a oração é tanto o terreno seguro quanto o refúgio do homem diante da onda do mal que cresce no mundo. Na verdade, também devemos orar para sermos salvos de nós mesmos. É importante rezar: “Senhor, por favor, salve-me de mim mesmo, das minhas ambições, das minhas paixões”. Os orantes das primeiras páginas da Bíblia são homens que trabalham pela paz: na verdade, a oração, quando é autêntica, liberta dos instintos de violência e é um olhar voltado para Deus, para que ele volte a cuidar do coração do homem. No Catecismo se lê: “Esta qualidade de oração é vivida por uma multidão de justos em todas as religiões” (CIC, 2569). A oração cultiva canteiros de renascimento em lugares onde o ódio do homem foi capaz de alargar o deserto. E a oração é poderosa, porque atrai o poder de Deus e o poder de Deus sempre dá vida, sempre. Ele é o Deus da vida e renasce a faz renascer.
Eis porque o senhorio de Deus transita na corrente desses homens e mulheres, muitas vezes incompreendidos ou marginalizados no mundo. Mas o mundo vive e cresce graças à força de Deus que esses servos dele atraem com sua oração. Eles são uma corrente que não é barulhenta, que raramente parece nas manchetes, mas é tão importante para restaurar a confiança no mundo! Lembro-me da história de um homem: um chefe de governo, importante, não deste tempo, de tempos passados. Um ateu que não tinha senso religioso em seu coração, mas quando criança ouvia sua avó orando, e isso permaneceu em seu coração. E em um momento difícil de sua vida, essa lembrança voltou ao seu coração e disse: “Mas a minha avó rezava...”. Assim, ele começou a orar com as fórmulas de sua avó e lá encontrou Jesus. A oração é uma corrente de vida, sempre: muitos homens e mulheres que oram semeiam a vida. A oração semeia a vida, a pequena oração: é por isso que é tão importante ensinar as crianças a orar. Dói-me quando encontro crianças que não podem fazer o sinal da cruz. Devemos ensiná-los a fazer bem o sinal da cruz, porque é a primeira oração. É importante que as crianças aprendam a orar. Porque, talvez, eles possam esquecer, seguir outro caminho; mas as primeiras orações aprendidas quando criança permanecem no coração, porque são uma semente da vida, a semente do diálogo com Deus.
O caminho de Deus na história de Deus passou por eles: passou por um “resto” da humanidade que não estava em conformidade com a lei do mais forte, mas pediu a Deus para realizar seus milagres e, acima de tudo, transformar nosso coração de pedra no coração da carne (cf. Ez 36,26). E isso ajuda a oração: porque a oração abre a porta para Deus, transformando nosso coração muitas vezes de pedra em um coração humano. E é preciso muita humanidade, e com a humanidade se reza bem.


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