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sábado, 28 de setembro de 2019

A evolução da Liturgia

O site Vatican News, em seu espaço "Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II" tem dedicado alguns textos ao tema da Eucaristia na Igreja primitiva. Já publicamos aqui os três primeiros, seguem hoje outros dois:

07 de agosto de 2019

No nosso espaço “Memória Histórica: 50 anos do Concílio Vaticano II”, vamos continuar a falar hoje sobre Liturgia.
Nos últimos programas dedicados à Liturgia fizemos um salto ao passado, aos primórdios do Cristianismo, para entender como os primeiros cristãos celebravam a Eucaristia, com base na descrição de São Justino, apresentada no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica.
Entre os primeiros séculos da Igreja e os tempos atuais, muitas transformações ocorreram na Liturgia. Temos proposto aqui visões diferentes, mesmo contrastantes, especialmente em relação à reforma da Liturgia trazida pela Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, promulgada pelo Concílio Vaticano II.
Na edição de hoje deste nosso espaço Memória Histórica, vamos continuar com nosso olhar voltado para os primeiros séculos, e assim entendermos um pouco mais sobre como foram evoluindo e se constituindo os diversos elementos que compõe a Liturgia. Quem continua a nos conduzir neste percurso, é padre Gerson Schmidt:
Da mesma maneira que a Igreja primitiva se separou progressivamente da Sinagoga, assim as formas litúrgicas das jovens comunidades cristãs também se separaram progressivamente do ritual judaico. A celebração da Eucaristia está em íntima relação com as refeições rituais dos judeus - por exemplo, a refeição do sábado ou a ceia pascal - como também as partes mais antigas do ofício das horas, que se estabeleceram a partir da Liturgia da oração na sinagoga judaica.
“A ruptura com a Sinagoga deve-se à fé no Ressuscitado; mas no referente aos ritos, quase não havia diferença com os judeus. Assim, depois do dia de Pentecostes, os novos batizados seguiam tomando parte no culto do Templo (cf. At 2,46); o mesmo São Paulo renovou com outras quatro pessoas o voto judeu dos nazarenos e fez que se oferecesse o sacrifício prescrito ante o Templo de Jerusalém (cf. At 21,23-26)” [1].
Com o edito de paz de Constantino, em 313, a Igreja primitiva passa de ser perseguida para ser a Igreja oficial do Império Romano (*). Massas de pessoas começam a entrar na Igreja, a seguir o Cristianismo.
“Como o rito foi se desenvolvendo no transcurso dos tempos, poderá continuar fazendo o mesmo no futuro. Mas este desenvolvimento deverá ter em conta a atemporalidade de cada rito e efetuá-lo de maneira orgânica. O fato de que, sob Constantino, o Cristianismo se converteu em religião do Estado (*), trouxe como consequência um maior desenvolvimento do culto. A Missa não foi mais celebrada em pequenas igrejas domésticas, mas nas suntuosas basílicas. Prosperou o canto da Igreja. E em todas as partes se celebrou a Liturgia com uma grande solenidade” [2].
Há aqui um empobrecimento e também um enriquecimento. Entram na Liturgia os elementos de fausto e de grandiosidade. Desde modo, a luz potente e pascal da Liturgia primitiva começa a se ofuscar e se carrega as celebrações de extrema solenidade e aparatos demasiadamente solenes e reais [reais de realeza, da Liturgia na presença de reis].
Mas, as exageradas pompas e solenidade das basílicas e catedrais levou também a um empobrecimento, um isolamento do fiel, uma massificação e uma participação na Liturgia como em um espetáculo, sem entendimento algum do mistério litúrgico. Por isso agora a preocupação dos Padres conciliares de uma verdadeira restauração da Liturgia que permita ao fiel se aproximar mais do mistério cristão, entender e participar ativamente da Liturgia.
Mas também, no século IV em diante, há um esforço enorme de catequizar sobre o mistério da Eucaristia, como vemos nas figuras dos Santos Padres do Ocidente, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, e os Padres do Oriente, como São João Crisóstomo. É um tempo fecundo da formação de belíssimas anáforas, do próprio Canon Romano.
O enriquecimento do culto, outrossim, contribuiu à formação de ritos diversos tanto no Oriente como no Ocidente. Mas este desenvolvimento foi efetuado sempre de maneira orgânica, sem ruptura com a tradição e sem uma intervenção dirigista das autoridades eclesiásticas.
Os Papas sempre respeitaram os diversos ritos do Oriente e do Ocidente e só excepcionalmente autorizaram um intercâmbio entre um rito oriental e um ocidental. Existem na Igreja vários ritos independentes. No Ocidente, além do rito romano, existem os ritos galicano (já desaparecido), ambrosiano e mozárabe; no Oriente, há outros ritos: o bizantino, armênio, siríaco e copta.

14 de agosto de 2019

No nosso espaço “Memória Histórica: 50 anos do Concílio Vaticano II”, vamos falar hoje sobre “a importância da anáfora desde os primeiros séculos”.
Dando sequência aos nossos programas sobre a Celebração Eucarística nos primeiros séculos do Cristianismo e o desenvolvimento da Liturgia, padre Gerson Schmidt nos trás hoje uma reflexão sobre as “anáforas”.
Se buscarmos o significado de “anáfora” em uma obra que trata de Liturgia ou de Patrística, veremos que o termo designa a grande Oração Eucarística. Nas fórmulas eucarísticas da Igreja Sírio-ocidental, por exemplo, é chamada de anáfora aquela parte que vai da oferta da paz até a Comunhão (cerca de 70 anáforas). Já a Igreja etíope, de particular e eclética tradição, designa toda a Liturgia Eucarística com anáfora. Em outras Igrejas, a anáfora vai desde a oferta da paz até a doxologia final da própria Oração Eucarística.
Etimologicamente, “anáfora” deriva do verbo grego “ana-phero”, que significa elevar, enviar para o alto, oferecer. O prefixo “ana” enfatiza fortemente que a oração é enviada para cima ou elevada a Deus. “Anáfora”, portanto, é praticamente sinônimo de “prósfora”, e serve para designar a oferta da Oração Eucarística.
A Oração Eucarística começa com a declaração de que é bom dar graças a Deus, e termina com a doxologia final que proclama a glória do Pai, formulada segundo a fé trinitária: Per ipsum et cum ipso et in ipso est tibi Deo Patri omnipotenti in unitate Spiritus sancti omnis honor et gloria per omnia saecula saeculorum; os fiéis respondem Amen . Este é um critério descritivo, que serve para identificar a Oração Eucarística e é, grosso modo, válido para as várias famílias litúrgicas, não obstante as diferenças profundas existentes entre elas.
Mas quem nos trás mais detalhes, é padre Gerson Schmidt:
Queremos nesse espaço reforçar a importância das anáforas, ou seja, as variadas preces eucarísticas que temos hoje disponíveis na Liturgia, que são uma riqueza muito grande. Vimos aqui, na Apologia escrita por São Justino, a mais antiga que temos, que desde a Igreja primitiva a Prece ou Oração Eucarística fazia parte da Eucaristia celebrada pelos cristãos. O Catecismo, a partir do número 1345, apresenta uma explicação mais detalhada dos aspectos próprios dessa Liturgia dos primórdios, do século II.
Diz assim o texto de São Justino: ”Quando as orações terminaram, saudamo-nos uns aos outros com um ósculo. Em seguida, leva-se àquele que preside aos irmãos pão e um cálice de água e de vinho misturados. Ele (o sacerdote) os toma (as ofertas de pão e vinho) e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, no nome do Filho e do Espírito Santo e rende graças (em grego: eucharístia, que significa ‘ação de graças’) longamente pelo fato de termos sido julgados dignos destes dons” [3].
Mas também, no século IV em diante, há um esforço enorme de catequizar sobre o mistério da Eucaristia, como vemos nas figuras dos santos Padres do Ocidente, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, e o Padres do Oriente, como São João Crisóstomo. É um tempo fecundo da formação de belíssimas anáforas, do próprio Cânon Romano. O enriquecimento do culto, outrossim, contribuiu à formação de ritos diversos tanto no Oriente como no Ocidente. Mas este desenvolvimento foi efetuado sempre de maneira orgânica, sem ruptura com a tradição e sem uma intervenção dirigista das autoridades eclesiásticas.
A Liturgia Oriental aqui traz à Liturgia Romana um contributo muito grande, a riqueza das variadas e expressivas anáforas – as mais belas e abundantes Preces Eucarísticas que hoje também temos disponíveis na Liturgia Romana. Na Igreja oriental houve, na caminhada histórica, a produção de mais de 70 anáforas disponíveis aos sacerdotes na presidência da Eucaristia.
A pluralidade das Orações Eucarísticas representa uma novidade na história do Rito Romano e nela se pode constatar uma aproximação à prática litúrgica das Igrejas ortodoxas. Contudo, o fato de que a Oração Eucarística II, a mais breve e talvez a mais pobre, se tenha tornado padrão para os domingos, substituindo quase totalmente o Cânon Romano, não corresponde ao princípio do desenvolvimento orgânico da Liturgia [4].
Na prática, vemos que os sacerdotes optam pela Oração Eucarística II por ser a mais curta, haja vista a quantidade de Missas que se tem pela frente no fim de semana, também porque as respostas dessa Prece Eucarística são mais conhecidas pelo povo, o que acaba empobrecendo a riqueza e variedade que temos das anáforas e Preces Eucarísticas do Missal, devidamente aprovadas pela Santa Sé.
O Catecismo da Igreja Católica, no número 1352, nos fala sobre a anáfora e diz assim: “Com a Oração Eucarística, oração de ação de graças e de consagração, chegamos ao coração e ao ápice da celebração. No prefácio, a Igreja rende graças ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo, por todas as suas obras, pela criação, a redenção, a santificação. Toda a comunidade se junta então a este louvor incessante que a Igreja celeste, os anjos e todos os santos cantam ao Deus três vezes santo”.

Ícone da Última Ceia
(*) O Cristianismo só se torna a religião oficial do Império Romano em 380, com o Imperador Teodósio I. Constantino em 313 apenas proíbe as perseguições ao Cristianismo.

[1] cf. Monsenhor Klaus Gamber, Reforma da Liturgia Romana, p. 20, disponível em: http://www.unavocesevilla.info/reformaliturgia.pdf.
[2] ibid.              
[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 1345.
[4] Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. in: As Constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje. org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p. 133.

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