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quinta-feira, 14 de março de 2019

O Sínodo dos Jovens e a Liturgia: Documento final

De 03 a 28 de outubro de 2018 aconteceu em Roma a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, com o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.

Já publicamos aqui no blog uma análise do Instrumentum laboris (Instrumento de trabalho) do Sínodo sob a perspectiva da Liturgia. Nesta postagem propomos o mesmo em relação ao Documento Final, promulgado pelos Padres Sinodais na conclusão dos trabalhos, enquanto aguardamos a publicação da Exortação Apostólica assinada pelo Papa Francisco, a ser divulgada no próximo dia 25 de março.

O Documento Final deve ser lido como um texto complementar ao Instrumentum laboris (cf. Documento Final, n. 3). Por isso temos muitos acréscimos que surgiram durante as discussões. Segue, portanto, nossa análise dos 23 parágrafos (dos 167 do Documento) que fazem referência, direta ou indireta, à Liturgia, Sacramentos e piedade popular.

I PARTE: «PÔS-SE COM ELES A CAMINHO»

Capítulo I: Uma Igreja à escuta - Ouvir e ver com empatia
A primeira referência à Liturgia no Documento diz respeito à Iniciação cristã, particularmente ao sacramento da Confirmação. Era um tema ausente no Instrumentum laboris, acrescentado aqui a pedido dos Padres Sinodais.
Trata-se do n. 19, que integra a parte intitulada “Um primeiro olhar sobre a Igreja de hoje (nn. 15-20). É um parágrafo crítico, que constata que “os percursos da iniciação cristã nem sempre conseguem introduzir crianças, adolescentes e jovens na beleza da experiência de fé (...) a iniciação cristã é erroneamente entendida como um curso de instrução religiosa que em geral termina com o sacramento da Confirmação”. Pede-se que os itinerários de iniciação cristã sejam repensados urgentemente.

Papa Francisco crisma um jovem (Vigília Pascal de 2018)
Capítulo IV: Ser jovem hoje - Aspectos da cultura juvenil atual
No capítulo IV da I Parte temos cinco referências à Liturgia. A primeira delas encontra-se no n. 47, que trata de “Arte, música e esporte”, no qual se destaca a importância da música para os jovens, inclusive em contexto litúrgico: “A linguagem musical constitui também um recurso pastoral, que interpela de modo especial a Liturgia e a sua renovação. Às vezes, a homologação dos gostos numa perspectiva comercial ameaça comprometer o vínculo com as formas tradicionais de expressão musical e inclusive litúrgica”.

No tópico “Espiritualidade e religiosidade” (nn. 48-51) há duas referências: primeiramente, o n. 49 sobre “A busca religiosa” destaca o interesse dos jovens pela piedade popular: “mantêm-se vivas algumas práticas transmitidas pela tradição, como as peregrinações aos santuários, que às vezes envolvem um grande número de jovens, e expressões da piedade popular, frequentemente ligadas à devoção a Maria e aos Santos, que preservam a experiência de fé dum povo”. Este tema já estava presente no n. 32 do Instrumentum laboris.

O n. 51, por sua vez, intitulado “O desejo por uma Liturgia viva”, remete aos nn. 30 e 69 do Instrumentum laboris. Dada a importância deste parágrafo, reproduzimo-lo na íntegra:

“Em vários contextos, os jovens católicos pedem propostas de oração e momentos sacramentais capazes de tocar a sua vida quotidiana, com uma Liturgia dinâmica, autêntica e jubilosa. Em muitas regiões do mundo, a experiência litúrgica constitui o principal recurso para a identidade cristã e conta com uma participação ampla e convicta. Os jovens reconhecem nela um momento privilegiado de experiência de Deus e da comunidade eclesial e um ponto de partida para a missão. Em contrapartida, noutros lugares assiste-se a um certo afastamento dos sacramentos e da Eucaristia dominical, sentida mais como preceito moral do que feliz encontro com o Senhor Ressuscitado e com a comunidade. Em geral verifica-se, mesmo onde se oferece a catequese sobre os sacramentos, que é insuficiente o acompanhamento educativo para se viver a celebração em profundidade, entrar na riqueza mistérica dos seus símbolos e dos seus ritos”.

Por fim, o tópico “Participação e protagonismo” (nn. 52-57) traz outras duas referências à Liturgia. O n. 53, intitulado “As razões da distância”, apresenta algumas críticas dos jovens à Igreja, dentre as quais inclui um tema já citado no n. 69 do Instrumentum laboris: o “pouco cuidado na preparação da homilia e na apresentação da Palavra de Deus”.

Os jovens na Igreja”, título do n. 54, traz o tema da “animação da catequese e da Liturgia” como um dos espaços onde os jovens encontram protagonismo. Este tema já estava presente no n. 32 do Instrumentum laboris.

II PARTE: «OS OLHOS ABRIRAM-SE»

No início da II Parte do Documento, no tópico “Um novo Pentecostes” (nn. 59-62), especificamente no n. 61 (“O Espírito na vida do crente”), temos outra referência à Iniciação cristã, destacando a importância destes sacramentos. Segue o parágrafo na íntegra:

“A vocação do cristão é seguir Cristo, passando através das águas do Batismo, recebendo o selo da Confirmação e, na Eucaristia, tornando-se parte do seu Corpo. «Vem, pois, o Espírito Santo: depois da água, o fogo, e sereis transformados em pão, que é o Corpo de Cristo» (Agostinho, Sermão 227). No percurso da iniciação cristã, é sobretudo a Confirmação que permite aos crentes reviverem a experiência do Pentecostes com uma nova efusão do Espírito para o crescimento e a missão. É importante voltar a descobrir a riqueza deste sacramento, compreender o seu vínculo com a vocação pessoal de cada batizado e com a teologia dos carismas, e cuidar melhor da sua pastoral, a fim de que não se torne um momento formal e pouco significativo. Cada caminho vocacional tem o Espírito Santo como protagonista: Ele é o ‘mestre interior’ pelo qual devemos deixar-nos conduzir”.

Capítulo III: A missão de acompanhar - A Igreja que acompanha
Já no início do Capítulo III desta II Parte temos uma importante referência à Eucaristia no n. 92, intitulado justamente “Partir, juntos, o pão”. Importante recordar que o Documento foi escrito seguindo a dinâmica do relato dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35), por isso a referência a este episódio no parágrafo:

“Como ensina a narração dos discípulos de Emaús, o acompanhamento exige a disponibilidade para percorrer juntos um trecho do caminho, estabelecendo uma relação significativa. A origem do termo ‘acompanhar’ remete para o pão partido e compartilhado (cum pane), com toda a riqueza simbólica humana e sacramental desta referência. (...) A Eucaristia é memória viva do evento pascal, lugar privilegiado da evangelização e da transmissão da fé tendo em vista a missão. Na assembleia congregada na Celebração Eucarística, a experiência de ser pessoalmente tocado, instruído e curado por Jesus acompanha cada um no seu percurso de crescimento pessoal”.

Consagração (Missa de abertura do Sínodo dos Jovens)

O tópico “O acompanhamento comunitário, de grupo e pessoal” (nn. 95-100) traz duas referências à Liturgia. A primeira delas, no n. 95 (“Uma tensão fecunda”), recorda pela primeira vez o Matrimônio, propondo-se uma preparação para este sacramento em estilo catecumenal: salienta-se a urgência de acompanhar pessoalmente seminaristas e jovens sacerdotes, religiosos em formação, assim como os pares de noivos no caminho de preparação para o Matrimônio e nos primeiros tempos depois da celebração do sacramento, inspirando-se no catecumenato”.

O n. 98, por sua vez, apresenta o tema do sacramento da Reconciliação, como indica seu título (“Acompanhamento e sacramento da Reconciliação”). Este tema já fora abordado no n. 126 do Instrumentum laboris. Ressalta-se a distinção entre acompanhamento espiritual e sacramento da Reconciliação, enquanto propõem-se “percursos penitenciais, com o envolvimento de uma pluralidade de figuras educativas, que ajudem os jovens a ler a sua vida moral, a amadurecer uma noção correta do pecado e, sobretudo, a abrir-se à alegria libertadora da misericórdia”. As celebrações presentes no Ritual da Penitência podem ser uma boa alternativa neste sentido.

Capítulo IV: A arte de discernir - A Igreja, ambiente para discernir
O início do Capítulo IV desta II Parte, por sua vez, traz dois parágrafos que destacam a importância dos sacramentos. O n. 104 (“Uma constelação de significados na variedade das tradições espirituais”) apresenta “o papel da oração, da vida sacramental e da ascese” como elementos comuns nos processos de discernimento vocacional, enquanto o n. 105 (“A referência constitutiva à Palavra e à Igreja”) reforça a importância da comunidade eclesial, na qual o jovem encontra “os sacramentos - de modo particular a Eucaristia e a Reconciliação - [que] alimentam e amparam quem se põe à procura da vontade de Deus”.

Ainda neste Capítulo IV, o n. 108 (“A formação da consciência”), que integra o tópico “A consciência em discernimento” (nn. 106-109), recorda “o suporte da prática sacramental” no processo de formação da consciência.

Por fim, concluindo o capítulo IV, o tópico “A prática do discernimento” (nn. 110-113) afirma no n. 110 (“A familiaridade com o Senhor”) que o processo de discernimento só é possível unido à oração. Recordam-se, pois, as “peregrinações”, importante componente da piedade popular, e “os sacramentos, particularmente a Eucaristia e a Reconciliação”.

III PARTE: «VOLTARAM IMEDIATAMENTE»

No início da III Parte, no tópico “Uma Igreja jovem” (nn. 115-118), particularmente no n. 118 (“Conversão espiritual, pastoral e missionária”), apresenta-se mais uma vez o tema da Eucaristia e sua importância para a Igreja: “A Igreja deve realmente deixar-se moldar pela Eucaristia, que celebra como ápice e fonte da sua vida: tomar a forma daquele pão, feito a partir de muitas espigas e partido para a vida do mundo”.

Capítulo II: Caminhar juntos na vida diária - Das estruturas às relações
O Capítulo II desta III Parte traz as mais importantes contribuições do Documento sobre o tema da Liturgia, de maneira análoga ao III Capítulo da III Parte do Instrumentum laboris.

O n. 128 (“Da delegação ao envolvimento”), primeiro parágrafo deste capítulo, salienta a importância da união entre família e paróquia nos processos de preparação para os sacramentos:

Podemos referir-nos, por exemplo, aos percursos catequéticos de preparação para os sacramentos, uma tarefa que muitas famílias delegam inteiramente à paróquia. Esta mentalidade tem como consequência que os adolescentes correm o risco de conceber a fé não como uma realidade que ilumina a vida de todos os dias, mas como um conjunto de noções e regras que pertencem a um âmbito separado da sua existência. Pelo contrário, é necessário caminhar juntos: a paróquia precisa da família para fazer com que os jovens experimentem o realismo quotidiano da fé; em contrapartida, a família tem necessidade do ministério dos catequistas e da estrutura paroquial para oferecer aos filhos uma visão mais orgânica do cristianismo, introduzi-los na comunidade e abri-los a horizontes mais amplos. Por isso, não é suficiente dispor de estruturas; é preciso que nelas se desenvolvam relações autênticas; efetivamente é a qualidade de tais relações que evangeliza”.

O n. 133 (“Querigma e catequese”), que integra o tópico “A vida da comunidade” (nn. 131-137), ressalta a importante integração entre Catequese e Liturgia: “Há que manter vivo o compromisso de oferecer itinerários continuados e orgânicos que saibam integrar: um conhecimento vivo de Jesus Cristo e do seu Evangelho, a capacidade de ler na fé a experiência pessoal e os acontecimentos da história, um acompanhamento em ordem à oração e à celebração da Liturgia, a introdução à lectio divina e o apoio ao testemunho da caridade e à promoção da justiça, propondo assim uma autêntica espiritualidade juvenil”.

Os nn. 134-136, “herdeiros” dos nn. 187-189 do Instrumentum laboris, são os principais parágrafos do Documento sobre a Liturgia, como indica seu título: “A centralidade da Liturgia”.

O n. 134 traz a importância da Celebração Eucarística, propondo a participação ativa dos jovens unida à educação para o silêncio e a contemplação:

A celebração eucarística é geradora da vida da comunidade e da sinodalidade da Igreja: lugar de transmissão da fé e de formação para a missão, onde se torna evidente que a comunidade vive, não da obra de suas mãos, mas da graça. Com as palavras da tradição oriental, podemos afirmar que a Liturgia é encontro com o Servo Divino, que enfaixa as nossas feridas e prepara, para nós, o banquete pascal, enviando-nos a fazer o mesmo com os nossos irmãos e irmãs. Portanto, é preciso reafirmar com clareza que o compromisso de celebrar com nobre simplicidade e com o envolvimento dos vários ministérios laicais constitui um momento essencial da conversão missionária da Igreja. Os jovens mostraram que são capazes de apreciar e viver com intensidade celebrações autênticas, nas quais a beleza dos sinais, o cuidado da pregação e o envolvimento comunitário falam realmente de Deus. Por conseguinte, é necessário favorecer a sua participação ativa, mas mantendo viva a admiração pelo Mistério; ir ao encontro da sua sensibilidade musical e artística, mas ajudá-los a compreender que a Liturgia não é puramente expressão de nós próprios, mas ação de Cristo e da Igreja. É igualmente importante acompanhar os jovens na descoberta do valor da adoração eucarística como prolongamento da celebração, durante o qual viver a contemplação e a oração silenciosa”.

O n. 135 versa sobre o Sacramento da Reconciliação e as celebrações penitenciais comunitárias:

Nos percursos da fé, tem grande importância também a prática do sacramento da Reconciliação. Os jovens têm necessidade de se sentir amados, perdoados, reconciliados, e têm uma secreta nostalgia do abraço misericordioso do Pai. Por isso, é fundamental que os presbíteros manifestem uma disponibilidade generosa para a celebração deste sacramento. As celebrações penitenciais comunitárias ajudam os jovens a aproximar-se da confissão individual e tornam mais explícita a dimensão eclesial deste sacramento”.

O Papa ouve as confissões dos jovens durante o Ano da Misericórdia
Por fim, o n. 136 traz o tema da piedade popular e particularmente das peregrinações:

Em muitos contextos, a piedade popular desempenha um importante papel no acesso dos jovens à vida de fé de maneira prática, sensível e imediata. Valorizando a linguagem do corpo e a participação afetiva, a piedade popular traz consigo o desejo de entrar em contato com o Deus que salva, frequentemente através da mediação da Mãe de Deus e dos Santos.
Para os jovens, a peregrinação constitui uma experiência de caminho que se torna metáfora da vida e da Igreja: assim, na contemplação da beleza da criação e da arte, na vivência da fraternidade e na oração que os une ao Senhor, veem aflorar as melhores condições do discernimento”.

Capítulo IV: Formação integral
O Capítulo IV desta III Parte traz as últimas contribuições do Documento sobre a Liturgia nos nn. 160-162.

O n. 160 (“Formar discípulos missionários”) expressa o desejo dos jovens por formação litúrgica: “Como oferecer melhores instrumentos aos jovens, para que sejam testemunhas autênticas do Evangelho? Esta pergunta coincide também com o desejo que muitos jovens têm de conhecer melhor a própria fé: descobrir as suas raízes bíblicas, compreender o desenvolvimento histórico da doutrina, o sentido dos dogmas e a riqueza da Liturgia”.

O n. 161 (“Um tempo de acompanhamento para o discernimento”), por sua vez, recorda que a espiritualidade cristã tem sua raiz nos sacramentos: “uma oferta de espiritualidade radicada na oração e na vida sacramental”.

Por fim, o n. 162 (“Acompanhamento para o Matrimônio”), como o título indica, retoma o tema do sacramento do Matrimônio:

É necessário reiterar a importância de acompanhar os noivos ao longo do caminho de preparação para o Matrimônio, tendo em consideração que existem várias formas legítimas de organizar tais itinerários. Como afirma o número 207 da Amoris laetitia, «não se trata de lhes ministrar o Catecismo inteiro, nem de os saturar com demasiados temas (...). Trata-se duma espécie de ‘iniciação’ ao sacramento do Matrimônio, que lhes forneça os elementos necessários para poderem recebê-lo com as melhores disposições e iniciar com uma certa solidez a vida familiar». É importante continuar o acompanhamento das jovens famílias, sobretudo nos primeiros anos de casamento, ajudando-as também a tornar-se parte ativa da comunidade cristã”.

Papa Francisco saúda uma jovem família (Missa de conclusão do Sínodo)

Confira o Documento Final na íntegra no site da Santa Sé.

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