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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Homilia: III Domingo da Quaresma - Ano C

São Doroteu de Gaza
Conferência sobre o temor de Deus
“Já não temo mais a Deus, mas o amo”

São João afirma nas epístolas católicas: O amor perfeito expulsa o temor. O que ele nos quer dizer com isto? De que amor nos fala e de que temor? Pois o profeta diz no salmo: Todos os seus santos temei ao Senhor. E nas santas Escrituras encontramos umas mil passagens semelhantes. Portanto, se os santos que amam o Senhor de tal maneira o temem, como São João pode dizer: O amor expulsa o temor? Ele quer mostrar-nos que existem dois temores: um inicial e outro perfeito.
O primeiro é o dos que se iniciam na piedade, e o outro é o dos santos que chegaram à perfeição e ao cume do santo amor. Por exemplo: o que cumpre a vontade de Deus por temor dos castigos: ainda é principiante, tal como dissemos, já que não faz o bem por si mesmo, mas por temor aos castigos. O outro cumpre a vontade de Deus por que ama a Deus em si mesmo, e ama especialmente por ser-lhe agradecido. Este sabe o que é o bem, conhece o que é estar com Deus. Este é o que possui o amor verdadeiro, o amor perfeito como diz São João, e esse amor o leva ao temor perfeito. Teme e guarda a vontade de Deus não para evitar os açoites ou o castigo, mas porque, tendo degustado a doçura de estar com Deus, como dissemos, abomina perde-la, teme ficar privado dela. Este temor perfeito, nascido do amor, expulsa o temor inicial. E é por isso que São João diz que o amor perfeito expulsa o temor. Mas é impossível chegar ao temor perfeito sem passar pelo temor inicial.
Existe, de fato, como afirma São Basílio, três estados nos quais podemos agradar a Deus: ou realizamos o que agrada a Deus por temor do castigo, e então estamos na condição de escravos; ou buscando vantagem de uma recompensa, cumprindo as ordens recebidas em vista de nosso próprio proveito, assemelhando-nos, assim, aos mercenários; ou, finalmente, cumprimos o bem pelo bem em si, e estamos assim na condição de filhos. Porque o filho, ao chegar a uma idade madura, cumpre a vontade de seu pai não por temor do castigo, nem para obter uma recompensa, mas porque, amando ao seu pai, guarda para com ele o afeto e a honra devida a um pai, com a convicção de que todos os bens de seu pai lhe pertencem. Este merece ouvir que se lhe diga: Já não és mais escravo, mas filho e herdeiro de Deus por Cristo.
É evidente que já não teme mais a Deus com aquele temor inicial, do qual falamos, mas ama como dizia Santo Antão: “Já não temo mais a Deus, mas o amo”. Do mesmo modo o Senhor, ao dizer a Abraão depois que este ofereceu a seu filho: agora sei que temes a Deus, querendo referir-se a esse temor perfeito nascido do amor. Se não, como pode dizer-lhe: agora sei...? Desculpem-me, mas Abraão tinha realizado tantas coisas! Tinha obedecido a Deus, tinha abandonado todos os seus bens, tinha-se estabelecido em uma terra estrangeira, em um povo idólatra, onde não havia nenhum sinal de culto divino. Mas principalmente tinha suportado essa terrível prova do sacrifício de seu filho. E depois de tudo isso o Senhor diz: agora sei que temes a Deus.
Está muito claro que ali Deus fala do temor perfeito, o dos santos. Porque eles cumprem a vontade de Deus não mais por temor a um castigo, ou para obter uma recompensa, mas por amor, como já dissemos muitas vezes, temendo fazer qualquer coisa contrária à vontade daqueles a quem amam. Por isso São João diz: O amor expulsa o temor. Os santos não obram mais por temor, mas temem por amor.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 568-569. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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