Confira as Catequeses nn. 68-69 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, as quais dão continuidade à reflexão sobre o valor da sua Morte.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
68. Valor do sofrimento e da morte de Cristo
João Paulo II - 19 de outubro de 1988
1. Os dados bíblicos e históricos
sobre a morte de Cristo, que resumimos nas Catequeses anteriores, foram objeto
de reflexão na Igreja de todos os tempos, dos primeiros Padres e Doutores e dos
Concílios Ecumênicos aos grandes teólogos das diversas escolas que se formaram e
sucederam ao longo dos séculos até hoje.
O objeto principal do estudo e da pesquisa
foi e é o valor da Paixão e Morte de Jesus em ordem à nossa salvação. Os
resultados obtidos sobre este ponto, além de nos fazer conhecer melhor o mistério
da redenção, serviram para lançar uma nova luz também sobre o mistério
do sofrimento humano, do qual se puderam descobrir dimensões impensáveis de
grandeza, de finalidade, de fecundidade, já desde que foi possível sua comparação
e, mais ainda, sua vinculação com a Cruz de Cristo.
Ecce Homo (Juan de Juanes) |
2. Elevemos os olhos antes de tudo
Àquele que pende da Cruz e perguntemo-nos: quem é este que sofre? É o Filho de Deus:
verdadeiro homem, mas também verdadeiro Deus, como sabemos pelos
Símbolos da fé. Por exemplo, o Símbolo de Niceia o proclama “Deus verdadeiro de
Deus verdadeiro... que por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus:
e se encarnou... e padeceu” (Denzinger, n. 125). O Concílio de Éfeso,
por sua vez, precisa que “o Verbo de Deus sofreu na carne”
(ibid., n. 263).
“Dei Verbum passum carne”: é
uma síntese admirável do grande mistério do Verbo Encarnado, Jesus Cristo, cujos
sofrimentos humanos pertencem à natureza humana, mas devem ser atribuídos, como
todas as suas ações, à pessoa divina. Em Cristo, portanto, temos um Deus que sofre!
3. É uma verdade desconcertante. Já
Tertuliano perguntava a Marcião: “Seria talvez tão tolo crer em um Deus que nasceu
precisamente de uma Virgem, precisamente carnal e que passou pela humilhação da
natureza? (...) Ao contrário, diga que é
sabedoria um Deus crucificado” (Tertuliano, De carne Christi, 4,6-5,1).
A teologia precisou que aquilo que
não podemos atribuir a Deus como Deus, senão por uma metáfora antropomórfica, como
quando falamos dos seus sofrimentos, das suas aflições, Deus o realizado em seu
Filho, o Verbo, que assumiu a natureza humana em Cristo. E se Cristo é Deus que
sofre na natureza humana, como homem verdadeiro nascido de Maria Virgem
e submetido às vicissitudes e às dores de todo filho de mulher, sendo Ele, como
Verbo, uma pessoa divina, dá um valor infinito ao seu sofrimento e à sua morte,
que entra assim no âmbito misterioso da realidade humano-divina e toca, sem danificá-la,
a glória e a felicidade infinita da Trindade.
Deus, em sua essência, permanece sem
dúvida acima do horizonte do sofrimento humano-divino: mas a Paixão e a Morte
de Cristo penetram, resgatam e enobrecem todo o sofrimento humano, já que Ele, encarnando-se,
quis ser solidário com a humanidade, a qual, pouco a pouco, se abre à comunhão
com Ele na fé e no amor.
4. O Filho de Deus, que assumiu o sofrimento
humano, é, pois, um modelo divino para todos os que sofrem,
especialmente para os cristãos que conhecem e aceitam na fé o significado e o
valor da Cruz. O Verbo Encarnado sofreu segundo o desígnio do Pai também para
que pudéssemos “seguir seus passos”, como recomenda São Pedro (1Pd 2,21;
cf. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II, q. 46, a. 3).
Sofreu e nos ensinou a sofrer.
5. O que mais se destaca na Paixão
e Morte de Cristo é sua perfeita conformidade à vontade do Pai, com aquela obediência
que sempre foi considerada como a disposição mais característica e essencial do
sacrifício.
São Paulo diz de Cristo que se fez
“obediente até a morte - e morte de cruz” (Fl 2,8), alcançando assim
o máximo desenvolvimento da “kenosis” incluída na Encarnação do
Filho de Deus, em contraste com a desobediência de Adão, que quis “roubar” a
igualdade com Deus (cf. Fl 2,6).
O “novo Adão” realizou assim uma
reviravolta da condição humana (uma “recirculatio”, como diz Santo Irineu):
Ele, “existindo em forma divina, não considerou um privilégio ser igual a Deus,
mas esvaziou-se” (Fl 2,6-7). A Carta aos Hebreus retoma o mesmo
conceito: “Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência por aquilo
que Ele sofreu” (Hb 5,8). É Ele mesmo que, na vida e na morte, segundo
os Evangelhos, ofereceu-se ao Pai na plenitude da obediência: “Não seja o que Eu
quero, mas o que Tu queres” (Mc 14,36); “Pai, em tuas mãos entrego o
meu espírito” (Lc 23,46). São Paulo sintetiza todo isso quando diz
que o Filho de Deus feito homem “humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte -
e morte de cruz” (Fl 2,8).
6. No Getsêmani vemos quanto essa obediência
foi dolorosa: “Abbá, Pai! Tudo te é possível. Afasta de mim este cálice!
Contudo, não seja o que Eu quero, mas o que Tu queres” (Mc 14,36). Nesse
momento se produz em Cristo uma agonia da alma, muito mais dolorosa que a
corporal (cf. Suma Teológica, III, q. 46, a. 6), pelo
conflito interior entre as “razões supremas” da Paixão, fixada no desígnio de Deus,
e a percepção que Jesus tem, na finíssima sensibilidade de sua alma, da enorme
maldade do pecado, que parece recair sobre Ele, quase “feito pecado” (ou seja,
vítima do pecado), como diz São Paulo (cf. 2Cor 5,21),
para que o pecado universal fosse expiado n’Ele. Assim, Jesus chega à morte
como o ato supremo de obediência: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)
- o espírito, isto é, o princípio da sua vida humana.
Sofrimento e morte são a manifestação
definitiva da total obediência do Filho ao Pai. A homenagem e o sacrifício da obediência
do Verbo Encarnado são uma admirável realização da disponibilidade filial, que brota
do mistério da Encarnação e de certa forma penetra no mistério da Trindade! Com
a homenagem perfeita da sua obediência, Jesus Cristo obtém uma perfeita vitória
sobre a desobediência de Adão e sobre todas as rebeliões que possam nascer nos
corações humanos, especialmente por causa do sofrimento e da morte, de modo que
também aqui se pode dizer que “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20).
Jesus, com efeito, reparou a desobediência que sempre está incluída no pecado
humano, satisfazendo em nosso lugar as exigências da justiça divina.
7. Em toda essa obra salvífica,
consumada na Paixão e na Morte na cruz, Jesus levou ao extremo a manifestação do
amor divino pelos homens, que está na origem tanto da sua oblação como do desígnio
do Pai.
“Desprezado como o último dos homens,
homem das dores, experimentado no sofrimento” (Is 53,3), Jesus demonstrou
toda a verdade contida naquelas suas palavras proféticas: “Ninguém tem maior amor
do que aquele de dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13). Tornando-se
“homem das dores”, Ele estabeleceu uma nova solidariedade de Deus com os sofrimentos
humanos. Filho eterno do Pai, em comunhão com Ele em sua glória eterna, ao fazer-se
homem se resguardou de reivindicar privilégios de glória terrena ou de isenção
da dor, mas tomou o caminho da cruz e escolhe como seus os sofrimentos, não só
físicos, mas também morais, que o acompanharam até a morte: tudo por amor a nós,
para dar aos homens a prova decisiva do seu amor, para reparar o seu pecado e
reconduzi-los da dispersão à unidade (cf. Jo 11,52). Tudo,
porque no amor de Cristo se refletia o amor de Deus pela humanidade.
Assim, Santo Tomás de Aquino pode
afirmar que a primeira razão de conveniência que explica a libertação humana
mediante a Paixão e Morte de Cristo é que “desta forma o homem conhece quanto Deus
o ama, e, por sua vez, é incentivado a amá-lo: e em tal amor está a perfeição da
salvação humana” (Suma Teológica, III, q. 46, a. 3). E aqui o Santo
Doutor cita o Apóstolo Paulo, que escreve: “A prova de que Deus nos ama é que
Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8).
8. Diante desse mistério, podemos
dizer que sem o sofrimento e a morte de Cristo, o amor de Deus pelos homens não
teria se manifestado em toda a sua profundidade e grandeza. E, por outro lado, o
sofrimento e a morte se converteram, com Cristo, um convite, um estímulo, uma vocação
a um amor mais generoso, como ocorreu com tantos santos que justamente podem
ser chamados os “heróis da Cruz” e, como acontece sempre com tantas criaturas,
conhecidas e ignoradas, que sabem santificar a dor refletindo em si mesmas o
rosto chagado de Cristo, associando-se assim à sua oblação redentora.
9. Resta acrescentar que, na sua
humanidade unida à divindade e tornada capaz, em virtude da abundância da
caridade e da obediência, de reconciliar o homem com Deus (cf. 2Cor 5,19),
Cristo é estabelecido como único Mediador entre a
humanidade e Deus, em um nível muito superior ao que ocupam os santos do Antigo
e do Novo Testamento, e a própria Virgem Maria, quando se fala da sua mediação
ou se invoca sua intercessão.
Estamos, pois, diante do nosso
Redentor, Jesus Cristo, crucificado, morto por nós por amor e que por isso se tornou
o autor da nossa salvação.
Santa Catarina de Siena, com uma
de suas imagens tão vivas e expressivas, o compara a “uma ponte sobre
o mundo”. Sim, Ele é verdadeiramente a Ponte e o Mediador, porque através d’Ele
vem aos homens todo dom do céu e sobem a Deus todas as nossas aspirações
e invocações de salvação (cf. Suma Teológica, III,
q. 26, a. 2). Unamo-nos com Catarina e com tantos outros “santos da Cruz” a
este nosso dulcíssimo e misericordiosíssimo Redentor, que a mesma Santa de Siena
chamava Cristo-Amor. No seu Coração transpassado está a nossa
esperança, a nossa paz.
69. Valor substitutivo e representativo do sacrifício de Cristo
João Paulo II - 26 de outubro de 1988
1. Retomemos alguns conceitos que a
tradição dos Padres colheu das fontes bíblicas na tentativa de explicar as “riquezas
insondáveis” (Ef 3,8) da redenção. Já aludimos a eles nas últimas Catequeses,
mas merecem ser ilustrados de modo mais detalhado, dada sua importância teológica
e espiritual.
2. Quando Jesus diz: “O Filho do
homem não veio para ser servido, mas para servir e dar
sua vida em
resgate por muitos” (Mc 10,45), resume nestas
palavras o objetivo essencial da sua missão messiânica: “dar sua vida em resgate”.
É uma missão redentora. E o é para toda a humanidade, porque dizer “em resgate
por muitos”, segundo o modo semítico de expressar os pensamentos, não exclui ninguém.
A missão do Messias já havia sido vista à luz desse valor redentor no Livro
do Profeta Isaías, particularmente nos “cânticos do Servo de Yahweh”:
“Ele assumiu as nossas fraquezas, e as nossas dores, ele as suportou. E nós achávamos
que ele era um castigado, alguém ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi ferido
por causa de nossas iniquidades, esmagado por causa de nossos crimes. O castigo
da nossa paz caiu sobre ele, por suas chagas fomos curados” (Is 53,4-5).
3. Essas palavras proféticas nos permitem
compreender melhor o que Jesus quer dizer quando fala do Filho do homem que veio
para “dar sua vida em resgate por muitos”. Ele quer dizer que deu a sua
vida “em nome” e “em substituição” de toda a
humanidade, para libertar todos do pecado. Esta “substituição” exclui qualquer
participação no pecado por parte do Redentor. Ele foi absolutamente inocente e
santo. “Tu solus sanctus!”. Dizer que uma pessoa sofreu um
castigo “no lugar” de outra implica evidentemente que essa não
cometeu a culpa. Na sua substituição redentora (“substitutio”), Cristo,
precisamente por sua inocência e santidade, “equivale certamente
a todos”, como escreve São Cirilo de Alexandria (In Isaiam 5,
1; PG 70, 1176; In Epistolam II ad Corinthios 5, 21: PG 74,
945). Precisamente porque “não cometeu pecado” (1Pd 2,22), Ele pode
tomar sobre si o que é efeito do pecado, isto é, o sofrimento e a morte, dando
ao sacrifício da própria vida um valor real e um perfeito significado redentor.
4. O que confere à substituição seu
valor redentor não é o fato material de que um inocente tenha sofrido o castigo
merecido pelos culpados e que assim a justiça tenha sido de algum modo satisfeita
(na realidade, neste caso se deveria falar antes de grave injustiça). O valor
redentor, ao contrário, vem do fato de que Jesus, sendo inocente, se fez solidário
com os culpados por puro amor, e assim transformou desde dentro sua
situação. Com efeito, quando uma situação catastrófica como a provocada pelo
pecado é assumida em favor dos pecadores por puro amor, então esta situação não
está mais sob o sinal da oposição a Deus, mas, ao contrário, sob o da docilidade
ao amor que vem de Deus (cf. Gl 1,4) e se torna, assim,
em fonte de bênção (Gl 3,13-14).
Cristo, oferecendo-se “em resgate
por muitos”, realizou até o fim sua solidariedade com o homem, com
cada homem, com cada pecador. O Apóstolo o manifesta quando escreve: “O
amor de Cristo nos impele e isso consideramos: um só morreu por todos e, portanto,
todos morreram” (2Cor 5,14). Cristo, portanto, tornou-se solidário
com todo homem na morte, que é um efeito do pecado. Mas esta solidariedade de
forma alguma era n’Ele efeito do pecado; era, ao contrário, um ato
gratuito de puríssimo amor. O amor “impeliu” Cristo a “dar a vida”, aceitando
a morte na cruz. Sua solidariedade com o homem na morte consiste, pois, não só no
fato de que Ele morreu como morre o homem -
como morre cada homem -, mas que morreu por cada homem. Desta
forma, essa “substituição” significa a “superabundância” do amor, que permite
superar todas as “carências” ou insuficiências do amor humano, todas as negações
e contrariedades ligadas ao pecado do homem em toda as dimensões, interiores e
históricas, nas quais este pecado afetou a relação do homem com Deus.
5. No entanto, neste ponto
ultrapassamos a medida puramente humana do “resgate” que Cristo ofereceu
“por todos”. Nenhum homem, mesmo o mais santo, poderia tomar sobre si os
pecados de todos os homens e oferecer-se em sacrifício “por todos”. Só Jesus Cristo
era capaz, porque, embora sendo verdadeiro homem, era Deus-Filho, consubstancial
ao Pai. O sacrifício da sua vida humana teve por isso um valor
infinito. A subsistência em Cristo da pessoa divina do Filho, a qual supera e ao
mesmo tempo abraça todas as pessoas humanas, torna possível o seu sacrifício
redentor “por todos”. “Jesus Cristo valia por todos nós”, escreve São
Cirilo de Alexandria (cf. In Isaiam 5, 1; PG 70, 1176).
A transcendência divina da pessoa de Cristo faz com que Ele possa “representar”
todos os homens diante do Pai. Neste sentido se explica o caráter “substitutivo”
da redenção realizada por Cristo: em nome de todos e por todos. “Sua
sanctissima passione in ligno crucis nobis iustificationem meruit” (“Mereceu-nos
a justificação por sua santíssima Paixão sobre o lenho da cruz”), ensina o Concílio
de Trento (Decreto sobre a justificação,
cap. 7; Denzinger, n. 1529), destacando o valor meritório do
sacrifício de Cristo.
6. É preciso notar aqui que esse
mérito é universal, isto é, válido para todos e para cada um dos homens, porque
está baseado em uma representatividade universal, enfatizada pelos textos que vimos
sobre a substituição de Cristo por todos os demais homens no sacrifício. Aquele
que “equivale a todos nós”, como disse São Cirilo de Alexandria, podia por
si só sofrer por todos. Tudo isso está incluído no desígnio salvífico de Deus e
na vocação messiânica de Cristo.
7. Trata-se de uma verdade de fé, fundamentada
em claras e inequívocas palavras de Jesus, repetidas por Ele inclusive no
momento da instituição da Eucaristia. São Paulo as transmite em um
texto que é considerado o mais antigo sobre esse ponto: “Isto é o meu corpo
entregue por vós... Este cálice é a nova aliança no meu sangue...” (1Cor 11,23-25).
Com este texto concordam os Evangelhos Sinóticos, que falam do
corpo que “é dado” e do sangue que será “derramado... em remissão dos pecados”
(cf. Mc 14,22-24; Mt 26,26-28, Lc 22,19-20).
Também na oração sacerdotal da
Última Ceia, Jesus diz: “Eu me santifico por eles, a fim de que também
eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,19). O eco e de certo
modo o esclarecimento do significado dessas palavras de Jesus se encontra na Primeira
Carta de São João: “Ele é a oferenda de expiação pelos nossos pecados,
e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do
mundo inteiro” (1Jo 2,2). Como podemos ver, São João nos oferece
a interpretação autêntica dos outros textos sobre o valor substitutivo do sacrifício
de Cristo no sentido da universalidade da redenção.
8. Esta verdade da nossa fé não
exclui, antes, exige a participação do homem, de cada homem, no sacrifício
de Cristo, a colaboração com o Redentor. Se, como dissemos
anteriormente, nenhum homem podia realizar a redenção, oferecendo um sacrifício
substitutivo “pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,2), também é verdade
que cada um é chamado a participar do sacrifício de Cristo, a colaborar na obra
da redenção que Ele realizou. O Apóstolo Paulo o diz explicitamente quando escreve
aos colossenses: “Alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós e completo
na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, em favor do seu Corpo,
que é a Igreja” (Cl 1,24). O mesmo Apóstolo escreve ainda: “Com Cristo,
eu fui pregado na cruz” (Gl 2,19). Essas afirmações não partem só
de uma experiência e de uma interpretação pessoal de Paulo, mas expressam a
verdade sobre o homem, redimido sem dúvida ao preço da Cruz de Cristo, e ao mesmo
tempo chamado a “completar na própria carne” o que “falta” aos sofrimentos de
Cristo pela redenção do mundo. Tudo isso se situa na lógica da aliança entre Deus
e o homem e supõe, neste último, a fé como via fundamental da sua participação na
salvação que deriva do sacrifício de Jesus sobre a Cruz.
9. O próprio Cristo chamou
e chama constantemente seus discípulos a esta participação: “Se alguém
quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34).
Mais de uma vez Ele fala também das perseguições que esperam seus discípulos: “O
servo não é maior que seu senhor. Se me perseguiram, perseguirão também a vós”
(Jo 15,20); “Vós chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se
alegrará. Vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria”
(Jo 16,20). Esses e outros textos do Novo Testamento fundamentaram
justamente a tradição teológica, espiritual e ascética que desde os tempos mais
antigos defendeu a necessidade e mostrou os caminhos do seguimento de Cristo na
Paixão, não só como imitação das suas virtudes, mas também como cooperação na redenção
universal pela participação no seu sacrifício.
10. Eis aqui um dos pontos de referência
da específica espiritualidade cristã que somos chamados a reativar em nossa
vida em virtude do próprio Batismo que, segundo São Paulo, realiza sacramentalmente
nossa morte e sepultura, submergindo-nos no sacrifício salvífico de Cristo (cf. Rm 6,3-4):
se Cristo redimiu a humanidade aceitando a cruz e a morte “por todos”,
esta solidariedade de Cristo com cada homem contém em si o chamado
à cooperação solidária com Ele na obra da redenção. Tal é a eloquência
do Evangelho. Tal é, sobretudo, a eloquência da cruz. Tal é a importância do Batismo
que, como veremos a seu tempo, já realiza em si a participação do homem, de cada
homem, na obra salvífica, na qual está associado a Cristo por uma mesma vocação
divina.
Cristo como “Homem das Dores” (Andrea Mantegna) |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (19 de outubro e 26 de outubro de 1988).
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