A quarta seção das Catequeses de São João Paulo II sobre a missão de Jesus Cristo, centrada no mistério do seu sacrifício, foi subdivida em três partes. Confira a seguir o início da 1ª parte, sobre o sentido e valor da Morte de Cristo (nn. 64-70).
Para acessar a postagem com a Introdução e o índice das Catequeses sobre o Creio do Papa polonês, clique aqui.
Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
IV. O sacrifício de Jesus Cristo
A. Sentido e valor da Morte de Cristo
64. Cristo, modelo do amor perfeito que atinge seu ápice no sacrifício da cruz
João Paulo II - 31 de agosto de 1988
1. A união filial de Jesus com o Pai
se expressa no perfeito amor, que Ele constituiu como mandamento principal do Evangelho:
“Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com
todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento” (Mt 22,37s).
Como sabemos, a esse mandamento Jesus une um segundo, “semelhante ao primeiro”:
o do amor ao próximo (cf. Mt 22,39). E Ele mesmo se
propõe como exemplo desse amor: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis
uns aos outros. Como Eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”
(Jo 13,34). Ele ensina e entrega aos seus seguidores um amor exemplificado no
modelo do seu amor.
A este amor podem ser certamente aplicadas
as qualidades da caridade (do amor) enumeradas por São Paulo: “O amor é
paciente, é benigno; não é invejoso, não é presunçoso nem arrogante... não é
interesseiro... não leva em conta o mal sofrido... se alegra com a verdade. Tudo
sofre... tudo suporta” (1Cor 13,4-7). Quando, na sua Carta, o
Apóstolo apresentava aos seus destinatários de Corinto tal imagem da caridade evangélica,
sua mente e seu coração certamente estavam impregnados pelo pensamento do amor
de Cristo, para o qual desejava orientar a vida das comunidades cristãs, de modo
que o seu “hino da caridade” pode ser considerado um comentário ao mandamento
de amar segundo o modelo de Cristo-Amor (como dirá, tantos séculos depois,
Santa Catarina de Siena): “Como Eu vos amei” (Jo 13,34).
Última Ceia (Antoni Estruch) Note-se a sombra de Cristo, prefigurando a Paixão |
São Paulo destaca em outros textos
que o ápice desse amor é o sacrifício da cruz: “Sede, pois, imitadores
de Deus como filhos queridos. Caminhai no amor, como Cristo também nos amou e
se entregou a Deus por nós como oferenda e sacrifício” (Ef 5,1-2).
Para nós resulta agora instrutivo,
construtivo e consolador considerar essas qualidades do amor de Cristo.
2. O amor com que
Jesus nos amou é humilde e tem caráter de serviço. “O Filho do homem
não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos”
(Mc 10,45). Na véspera da Paixão, antes da instituição da Eucaristia,
Jesus lava os pés dos Apóstolos e lhes diz: “Dei-vos o exemplo, para que também
vós façais assim como Eu vos fiz” (Jo 13,15). E, em outra ocasião,
lhes exorta: “Quem quiser ser o maior no meio de vós, seja aquele que serve, e
quem quiser ser o primeiro no meio de vós, seja o servo de todos” (Mc 10,43-44).
3. À luz desse modelo de
humilde disponibilidade que chega até o “serviço” definitivo da cruz, Jesus
pode dirigir aos discípulos o seguinte convite: “Tomai sobre vós o meu jugo e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29).
O amor ensinado por Cristo se expressa
no serviço recíproco, que leva a sacrificarmo-nos uns pelos outros, e cuja
verificação definitiva está em oferecer a própria vida “pelos irmãos” (1Jo 3,16).
É o que destaca São Paulo quando escreve que “Cristo amou a Igreja e se entregou
por ela” (Ef 5,25).
4. Outra qualidade exaltada no hino
paulino à caridade é que o verdadeiro amor “não é interesseiro” (1Cor 13,5).
E nós sabemos que Jesus nos deixou o modelo mais perfeito desse amor
desinteressado. São Paulo o diz claramente em outro texto: “Cada um de nós procure
agradar ao próximo para o bem, visando à edificação. Com feito, Cristo também
não procurou o que lhe agradava...” (Rm 15,2-3). No amor de Jesus
se concretiza e atinge seu ápice o “radicalismo” evangélico das oito bem-aventuranças
proclamadas por Ele: o heroísmo de Cristo será sempre o modelo das virtudes
heroicas dos santos.
5. Sabemos, com efeito, que o evangelista
João, quando nos apresenta Jesus às portas da Paixão, escreve que Ele “tendo
amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
Esse “até o fim” (“até o extremo”) parece testemunhar aqui o caráter definitivo
e insuperável do amor de Cristo: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a
própria vida por seus amigos” (Jo 15,13), diz o próprio Jesus no discurso
relatado por seu discípulo amado.
O mesmo evangelista escreve na sua
Carta: “Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a vida por nós. Ora, também nós
devemos dar a vida pelos irmãos” (1Jo 3,16). O amor de Cristo, que
se manifestou definitivamente no sacrifício da cruz - ou seja, no “dar a vida pelos
irmãos” -, é o modelo definitivo para todo amor humano autêntico. Se
em não poucos seguidores do Crucificado esse amor alcança a forma do sacrifício
heroico, como vimos muitas vezes na história da santidade cristã, essa medida da
“imitação” do Mestre se explica pela força do Espírito de Cristo, d’Ele “enviado”
desde o Pai também para os discípulos (cf. Jo 15,26).
6. O sacrifício de Cristo se tornou
o “preço” e a “compensação” para a libertação do homem: a libertação da “escravidão
do pecado” (cf. Rm 6,6-17), a passagem à “liberdade dos
filhos de Deus” (Rm 8,21). Com este sacrifício, consequência do seu
amor por nós, Jesus Cristo completou a sua missão salvífica. O anúncio de todo o
Novo Testamento encontra sua expressão mais concisa naquela passagem do Evangelho
de Marcos: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar
sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45).
A palavra “resgate” favoreceu a
formação do conceito e da expressão “redenção” - em grego: lytron (λύτρον),
resgate; lytrosis (λύτρωσις), redenção. Esta verdade central da nova
aliança constitui ao mesmo tempo o cumprimento do anúncio profético de
Isaías sobre o Servo do Senhor: “Ele foi ferido por causa de nossas iniquidades...
por suas chagas fomos curados” (Is 53 5); “Ele carregava os pecados
de muitos” (v. 12). Podemos afirmar que a redenção era a expectativa de toda a antiga
aliança.
7. Assim, pois, “tendo amado até o
fim” (cf. Jo 13,1) aqueles que o Pai lhe “confiou” (Jo 17,6),
Cristo ofereceu a sua vida na cruz como “sacrifício pelos pecados” (segundo as palavras
de Isaías). A consciência dessa tarefa, dessa missão suprema, esteve
sempre presente no pensamento e na vontade de Jesus, como afirmam suas palavras
sobre o “bom pastor” que “dá sua vida pelas ovelhas” (Jo 10,11). E
também sua misteriosa, mas transparente, aspiração: “Tenho um batismo no qual devo
ser batizado, e como me angustio até que se complete!” (Lc 12,50). E a
suprema declaração sobre o cálice de vinho durante a Última Ceia: “Este é o meu
sangue da nova aliança, que é derramado em favor de muitos, para o perdão dos
pecados” (Mt 26,28).
8. A pregação apostólica desde
o princípio incute a verdade de que “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo
as Escrituras” (1Cor 15,3). Paulo o dizia claramente aos coríntios:
“É isso que temos anunciado, é essa a fé que abraçastes” (v. 11). O mesmo pregava
aos anciãos de Éfeso: “O Espírito Santo vos estabeleceu como guardiães, para apascentar
a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com o seu sangue” (At 20,28).
E a pregação de Paulo está em perfeita consonância com a voz de Pedro: “Também
Cristo padeceu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo pelos
injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3,18). Paulo
destaca a mesma ideia, ou seja, que em Cristo, “e por seu sangue, obtemos a redenção
e recebemos o perdão de nossas faltas, segundo a riqueza da sua graça” (Ef 1,7).
Para sistematizar e dar
continuidade a esse ensinamento, o Apóstolo proclama com resolução: “Nós pregamos
Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios”
(1Cor 1,23); “Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens,
e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (v. 25). O Apóstolo é
consciente da “contradição” revelada na cruz de Cristo. Por que, pois,
esta cruz é a suprema potência e sabedoria de Deus? A resposta é
uma só: porque na cruz se manifestou o amor. “Deus prova o seu amor para
conosco pelo fato de que Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores”
(Rm 5,8); “Cristo nos amou e se entregou por nós” (Ef 5,2).
As palavras de Paulo ecoam aquelas do próprio Cristo: “Ninguém tem maior amor
do que aquele que dá a própria vida” pelos pecados do mundo (cf. Jo 15,13).
9. A verdade sobre o sacrifício
redentor de Cristo-Amor faz parte da doutrina contida na Carta aos
Hebreus. Nesta Cristo é apresentado como “sumo sacerdote dos bens futuros”,
que “entrou no santuário... com seu próprio sangue, uma vez por todas, obtendo
uma redenção eterna” (Hb 9,11-12). Com efeito, Ele não apresentou aquele
sacrifício ritual do sangue dos animais, que na antiga aliança era oferecido no
santuário “feito por mãos humanas”: Ele ofereceu a si mesmo, transformando a própria
morte violenta em meio de comunhão com Deus. Deste modo, por “aquilo que sofreu”
(Hb 5,8), Cristo se tornou “causa de salvação eterna para todos os
que lhe obedecem” (v. 9). Esse único sacrifício tem o poder de “purificar nossa
consciência das obras mortas” (Hb 9,14). Só ele “levou à perfeição definitiva
os que são por ele santificados” (Hb 10,14).
Nesse sacrifício, no qual Cristo, “em
virtude do Espírito eterno, ofereceu a si mesmo a Deus” (Hb 9,14), seu
amor encontrou expressão definitiva: o amor com que “amou até o fim”
(Jo 13,1); o amor que o levou a “fazer-se obediente até a morte - e
morte de cruz” (Fl 2,8).
65. O sacrifício de Cristo, cumprimento do desígnio de amor de Deus
João Paulo II - 07 de setembro de 1988
1. Na missão messiânica de Jesus há
um ponto culminante e central, ao qual fomos nos aproximando pouco a pouco nas Catequeses
anteriores: Cristo foi enviado por Deus ao mundo para realizar a redenção
do homem mediante o sacrifício da própria vida. Este sacrifício
devia tomar a forma de um “despojamento” de si na obediência até a morte na
cruz: uma morte que, na opinião dos seus contemporâneos, apresentava uma particular
dimensão de ignomínia.
Em toda a sua pregação, em todo o seu
comportamento, Jesus é guiado pela profunda consciência que possui dos desígnios
de Deus sobre sua vida e sua morte na economia da missão messiânica, com a
certeza de que esses desígnios brotam do amor eterno do Pai pelo
mundo e em particular pelo homem.
2. Se consideramos os anos da sua adolescência,
dão muito o que pensar aquelas palavras de Jesus aos doze anos, dirigidas a Maria
e a José no momento do seu “reencontro” no templo de Jerusalém: “Não sabíeis
que Eu devo estar naquilo que é de meu Pai?” (Lc 2,49). Que tinha na
mente e no coração? Podemos deduzi-lo de muitas outras expressões do seu pensamento
ao longo de toda a sua vida pública. Desde o início da sua atividade messiânica,
Jesus insiste em inculcar em seus discípulos a ideia de que “o Filho do Homem
deve sofrer muito” (Lc 9,22), isto é, que deve ser “rejeitado pelos
anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e,
ao terceiro dia, ressuscitar” (Mc 8,31). Mas tudo isso não procede
só dos homens, da sua hostilidade em relação à pessoa e ao ensinamento de Jesus,
mas constitui o cumprimento dos desígnios eternos de Deus, como anunciado pelas
Escrituras que continham a revelação divina: “Está escrito que o Filho do homem
deve sofrer muito e ser desprezado” (Mc 9,12).
3. Quando Pedro tenta
negar esta eventualidade - “Que isso nunca te aconteça!” (Mt 16,22)
-, Jesus lhe repreende com palavras particularmente severas: “Vai para longe de
mim, Satanás! Tu não pensas de acordo com Deus, mas de acordo com os homens!” (Mc 8,33).
É impressionante a eloquência dessas palavras, com as quais Jesus quer dar a entender
a Pedro que se opor ao caminho da cruz significa rejeitar os desígnios
do próprio Deus. “Satanás” é precisamente aquele que “desde o princípio”
se opõe ao “que é de Deus”.
4. Jesus, portanto, é
consciente da responsabilidade dos homens pela sua morte na
cruz, que deverá enfrentar devido a uma condenação pronunciada por tribunais terrenos;
mas também é consciente de que por meio dessa condenação humana se
cumprirá o desígnio eterno de Deus: aquilo “que é de Deus”, isto é, o sacrifício
oferecido sobre a cruz para a redenção do mundo. E ainda que Jesus (como o próprio
Deus) não queira o mal do “deicídio” cometido pelos homens, aceita este mal
para tirar dele o bem da salvação do mundo.
5. Após a Ressurreição, caminhando
até Emaús com dois dos seus discípulos sem ser reconhecido, lhes explica as “Escrituras”
do Antigo Testamento nesses termos: “Não era necessário que o Cristo sofresse
tudo isso, para entrar em sua glória?” (Lc 24,26). E no seu último
encontro com os Apóstolos, declara: “Era necessário que se cumprisse tudo o que
está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (v. 44).
6. À luz dos acontecimentos pascais,
os Apóstolos compreendem o que Jesus lhes havia dito anteriormente. Pedro, que
por amor ao Mestre, mas também pela falta de compreensão, parecera se opor de modo
particular ao seu destino cruel, dirá aos seus ouvintes de Jerusalém no dia de
Pentecostes, falando de Cristo: “Deus, em seu desígnio e previsão,
quis que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes,
pregando-o numa cruz” (At 2,23). E acrescentará: “Deus cumpriu
desse modo o que havia anunciado pela boca de todos os profetas: que o seu
Cristo haveria de sofrer” (At 3,18).
7. A Paixão e a Morte de Cristo foram
anunciadas no Antigo Testamento não como o final da sua missão,
mas como a “passagem” indispensável requerida para ser exaltado por
Deus. Afirma-o especialmente o cântico de Isaías, falando do Servo de Yahweh
como “homem das dores”: “Vede! O meu servo prosperará, será exaltado, elevado, e
muito sublime” (Is 52,13). E o próprio Jesus, quando adverte que “o
Filho do homem... será morto”, acrescenta que “ao terceiro dia, ressuscitará” (Mc 8,31).
8. Encontramo-nos, portanto, diante
de um desígnio divino que, embora pareça tão evidente, considerado no decurso
dos acontecimentos descritos pelos Evangelhos, permanece sempre um mistério que
não pode ser explicado de maneira exaustiva pela razão humana. É com este
espírito que o Apóstolo Paulo se expressa com aquele magnífico paradoxo: “Pois o
que é loucura de Deus é mais sábio que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais
forte que os homens” (1Cor 1,25). Estas palavras de Paulo
sobre a cruz de Cristo são insubstituíveis. Mas também é verdade que se é difícil
para o homem encontrar uma resposta racionalmente satisfatória à pergunta “Por
que a cruz de Cristo?”, a resposta nos é oferecida mais uma vez pela Palavra de
Deus.
9. O próprio Jesus formula a resposta:
“De tal modo Deus amou o mundo que deu o seu
Filho Unigênito, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha
a vida eterna” (Jo 3,16). Quando Jesus pronuncia essas palavras no
diálogo noturno com Nicodemos, seu interlocutor provavelmente não podia supor ainda
que a frase “dar o seu Filho” significava “entregá-lo à morte na cruz”. Mas
João, que a narra no seu Evangelho, conhecia bem seu significado. O desenrolar
dos acontecimentos demostrou que esse era precisamente o sentido da resposta a
Nicodemos: Deus “deu” o seu Filho Unigênito para a salvação do mundo entregando-o
à morte de cruz pelos pecados do mundo, entregando-o por amor: “De
tal modo Deus amou o mundo”, a criação, o homem! O amor permanece a
explicação definitiva da redenção mediante a cruz. É a única resposta
à pergunta “por quê?” a respeito da morte de Cristo compreendida no desígnio
eterno de Deus.
O autor do Quarto Evangelho,
onde encontramos o texto da resposta de Cristo a Nicodemos, retomará a mesma
ideia em uma de suas Cartas: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que
amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho
como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10).
10. Trata-se de um amor
que supera a própria justiça. A justiça pode dizer respeito e atingir aquele
que cometeu uma falta. Se o que sofre é um inocente, então não se trata de justiça.
Se um inocente que é santo, como Cristo, se entrega livremente ao sofrimento e à
morte de cruz para cumprir o desígnio eterno do Pai, significa que, no sacrifício
do seu Filho, Deus em certo sentido vai além da ordem da justiça, para
revelar-se neste Filho e por meio d’Ele com toda a riqueza da sua misericórdia -
“Dives in misericórdia” (Ef 2,4)
-, como para introduzir, junto a este Filho Crucificado e Ressuscitado, sua misericórdia,
seu amor misericordioso, na história das relações entre o homem e Deus.
Precisamente por meio desse amor misericordioso o
homem é chamado a vencer o mal e o pecado em si mesmo e em relação aos outros:
“Bem-aventurados os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).
“A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores”,
escreve São Paulo (cf. Rm 5,8).
11. O Apóstolo retoma esse tema em
diversos pontos das suas Cartas, nas quais aparece com frequência o trinômio
redenção - justiça - amor.
“Todos pecaram e estão privados da
glória de Deus. Esses são justificados gratuitamente pela graça de Deus, por
meio da redenção em Cristo Jesus... com o seu sangue” (Rm 3,23-25).
Deus demonstra assim que não deseja contentar-se com o rigor da justiça, que, vendo
o mal, o castiga, mas que deseja triunfar sobre o pecado de outro modo, isto é,
oferecendo ao homem a possibilidade de sair dele. Deus quis mostrar-se justo de
forma positiva, dando aos pecadores a possibilidade de se tornarem justos por
meio da sua adesão de fé a Cristo Redentor. Assim, Deus “é justo e torna justos”
(Rm 3,26). Isso se realiza de modo desconcertante, pois “Aquele
que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós,
para que n’Ele nos tornemos justiça de Deus” (2Cor 5,21).
12. Aquele que “não conheceu
pecado”, o Filho consubstancial ao Pai, carregou sobre si o terrível jugo do pecado
de toda a humanidade, para obter nossa justificação e santificação. Este é o
amor de Deus revelado no Filho. Por meio do Filho se manifestou o amor do
Pai, “que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós”
(Rm 8,32). Para compreender o alcance dessas palavras: “não poupou”,
pode nos ajudar a recordação do sacrifício de Abraão, que se mostrou disposto a
“não poupar seu filho amado” (cf. Gn 22,16); Deus, porém, o poupou
(v. 12). Ao contrário, a seu próprio Filho Deus “não poupou, mas o entregou” à morte
para nossa salvação.
13. Daqui brota a certeza
do Apóstolo de que nada nem ninguém, “nem a morte, nem a vida, nem os anjos...
nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus,
manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,38-39). Junto
com Paulo, a Igreja inteira está segura desse amor de Deus “que supera tudo”,
última palavra da autorrevelação de Deus na história do homem e do mundo,
suprema autocomunicação que ocorre mediante a cruz, no centro do Mistério Pascal
de Jesus Cristo.
Jesus em oração no Getsêmani (Vasily Perov) |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (31 de agosto e 07 de setembro de 1988).
Nenhum comentário:
Postar um comentário