A última seção das Catequeses do Papa São João Paulo II sobre Deus Pai é dedicada à queda do homem e ao pecado (nn. 48-59), servindo de “ponte” para as Catequeses sobre Jesus Cristo, Redentor do mundo.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI
1.2 DEUS CRIADOR E PROVIDENTE
IV. A
queda do homem e o pecado (nn.
48-59)
48.
O mal no homem e no mundo e o plano divino de salvação
João Paulo II - 27 de agosto de
1986
1. Depois das catequeses sobre Deus
Uno e Trino, Criador e Providente, Pai e Senhor do universo, começamos outra série
de catequeses sobre Deus Salvador.
O ponto fundamental de referência também
destas catequeses é constituído pelos Símbolos da fé, sobretudo aquele mais
antigo, que é chamado Símbolo Apostólico, e por aquele dito Niceno-Constantinopolitano.
Estes são os Símbolos mais conhecidos e mais usados na Igreja, especialmente nas
“orações do cristão” o primeiro e na Liturgia o segundo. Os dois textos possuem
uma análoga disposição de conteúdo, na qual é característica a passagem dos
artigos que falam de Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de
todas as coisas visíveis e invisíveis, aos que falam de Jesus Cristo.
O Símbolo Apostólico é conciso: Creio
“em Jesus Cristo, seu único Filho [de Deus], nosso
Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria...”.
O Símbolo
Niceno-Constantinopolitano, ao contrário, amplia notavelmente a profissão de fé
na divindade de Cristo, Filho de Deus, “nascido do Pai antes de todos os
séculos (...) gerado, não criado, consubstancial ao Pai”, o qual - e eis aqui a
passagem ao mistério da Encarnação do Verbo - “por nós, homens, e para nossa
salvação, desceu dos céus: e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem
Maria, e se fez homem”. Neste ponto ambos os Símbolos apresentam os elementos do
Mistério Pascal de Jesus Cristo e anunciam a sua nova vinda para o julgamento.
Sucessivamente os dois
Símbolos professam a fé no Espírito Santo. É necessário, portanto, destacar que
sua estrutura essencial é trinitária: Pai-Filho-Espírito Santo. Ao mesmo tempo,
neles estão inscritos os elementos salientes do que constitui a ação “para
fora” (ad extra) da Santíssima Trindade: por isso falam primeiro do mistério
da criação (do Pai Criador) e em seguida dos mistérios da redenção (do Filho
Redentor) e da santificação (do Espírito Santo e Santificador).
“Trono da Graça” (José de Ribera) |
2. Eis porque seguindo os
Símbolos, depois do ciclo de catequeses sobre o mistério da criação, ou melhor,
sobre Deus como criador de todas as coisas, passamos agora a um ciclo de
catequeses sobre o mistério da redenção, ou melhor, sobre Deus como
Redentor do homem e do mundo. E serão catequeses sobre Jesus Cristo (cristologia),
porque a obra da redenção, ainda que pertença (assim como a obra da criação) a Deus
Uno e Trino, foi realizada no tempo por Jesus Cristo, Filho de Deus que se fez
homem para nos salvar.
Observamos logo que neste âmbito do
mistério da redenção, a cristologia se situa no terreno da “antropologia” e
da história. Com efeito, o Filho consubstancial al Pai, que por obra do Espírito
Santo se faz homem nascendo da Virgem Maria, entra na história da humanidade no
contexto de todo o cosmos criado. Se faz homem “por nós, homens” (propter
nos homines) e “para nossa salvação” (et propter nostram salutem).
O mistério da Encarnação (et incarnatus est) é visto pelos Símbolos em função
da redenção. Segundo a Revelação e a fé da Igreja, ele possui, portanto, um sentido
salvífico (soteriologia).
3. Por esta razão os Símbolos, ao
colocarem o mistério da Encarnação salvífica no cenário da história, tocam a
realidade do mal, e em primeiro lugar a do pecado. Com efeito, salvação
significa sobretudo libertação do mal, e, em particular, libertação do pecado, ainda
que obviamente o alcance do termo não se reduza a isso, mas abranja a riqueza da
vida divina que Cristo trouxe ao homem. Segundo a Revelação, o pecado é o mal
principal e fundamental, porque contém a rejeição da vontade de Deus, da verdade
e da santidade de Deus, de sua bondade paterna, revelada já na obra da criação e
sobretudo na criação dos seres racionais e livres, feitos “à imagem e semelhança”
do Criador. Precisamente esta “imagem e semelhança” é usada contra Deus quando
o ser racional, com a própria livre vontade, rejeita a finalidade do ser e do
viver que Deus estabeleceu para a criatura. No pecado está contida, portanto, uma
deformação particularmente profunda do bem criado, especialmente em um ser que,
como o homem, é imagem e semelhança de Deus.
4. O mistério da redenção está,
na sua própria raiz, unido de fato com a realidade do pecado do homem. Por isso,
ao explicar com uma catequese sistemática os artigos dos Símbolos que falam de Jesus
Cristo, no qual e pelo qual Deus realizou a salvação, devemos tratar antes de tudo
o tema do pecado, essa realidade escura difusa no mundo criado por Deus, que
está na raiz de todo o mal que há no homem e, podemos dizer, na criação. Só por
este caminho é possível compreender plenamente o significado do fato de que,
segundo a Revelação, o Filho de Deus se fez homem “por nós, homens” e “para
nossa salvação”. A história da salvação pressupõe “de facto” a existência
do pecado na história da humanidade criada por Deus. A salvação da qual fala
a Divina Revelação é antes de tudo a libertação desse mal que é o
pecado. Esta é a verdade central na soteriologia cristã: “propter nos
homines et propter nostram salutem descendit de coelis”.
E aqui devemos observar que, em
consideração à centralidade da verdade sobre a salvação em toda a Revelação
Divina e, em outras palavras, em consideração à centralidade do mistério da
redenção, também a verdade sobre o pecado forma parte do núcleo
central da fé cristã. Sim, pecado e redenção são termos correlativos na história
da salvação. É preciso, portanto, refletir antes de tudo sobre a verdade do
pecado para poder dar justo sentido à verdade da redenção realizada por Jesus
Cristo que professamos no Credo. Podemos dizer que é a lógica interior da
Revelação e da fé, expressa nos Símbolos, que nos impõe ocuparmo-nos nestas
catequeses antes de tudo do pecado.
5. Em certo sentido nos preparamos
para este tema com o ciclo de catequeses sobre a Divina Providência. “Tudo
o que criou, Deus o conserva e governa com sua Providência”, como ensina o
Concílio Vaticano I, que cita o Livro da Sabedoria: “Alcançando com
força de uma extremidade a outra, e dispondo com suavidade todas as coisas” (cf. Sb 8,1;
Denzinger, n. 3003).
Ao afirmar este cuidado universal
das coisas, que Deus conserva e conduz com mão poderosa e com ternura de Pai, o
Concílio precisa que a Providência Divina abrange de modo particular tudo o que
os seres racionais e livres introduzem na obra da criação. Ora, sabe-se que isso
consiste em atos de suas faculdades, que podem ser conformes ou contrários à vontade
divina; portanto, também o pecado.
Como podemos ver, a verdade
sobre a Divina Providência nos permite ver também o pecado em uma perspectiva justa.
E é sob esta luz que os Símbolos nos ajudam a considerá-lo. Na realidade, digamo-lo
desde a primeira catequese sobre o pecado, os Símbolos da Fé apenas tocam este
tema. Mas precisamente por isso nos sugerem examinar o pecado do ponto de vista
do mistério da redenção, da soteriologia. E então podemos acrescentar que se a
verdade sobre a criação, e ainda mais aquela sobre a Divina Providência, nos
permite aproximarmo-nos ao problema do mal e especialmente do pecado com clareza
de visão e precisão de termos tendo por base a revelação da infinita bondade de
Deus, a verdade sobre a redenção nos fará confessar com o Apóstolo: “Ubi abundavit
delictum, superabundavit gratia”; “Onde abundou o pecado, superabundou a
graça” (Rm 5,20), porque nos fará descobrir melhor a misteriosa
conciliação em Deus da justiça e da misericórdia, que são as duas dimensões da
sua bondade. Podemos, portanto, dizer desde já que a realidade do pecado se torna,
à luz da redenção, ocasião para um conhecimento mais profundo do mistério de Deus:
de Deus que é amor (1Jo 4,16).
A fé nos põe assim em atento
diálogo com tantas vozes da filosofia, da literatura, das grandes religiões,
que tratam não pouco das raízes do mal e do pecado, e com frequência anseiam
por uma luz de redenção. É precisamente sobre este terreno comum que a fé cristã
busca levar, em favor de todos, a verdade e a graça da Divina Revelação.
Deus Pai em glória com Jesus Cristo, anjos e santos (Luca Giordano) |
Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (27 de agosto de 1986).
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