Nesta Solenidade de Todos os Santos recordamos a homilia proferida pelo Papa São João Paulo II (†2005) há 25 anos, durante o Grande Jubileu, no dia 01 de novembro do ano 2000, nos 50 anos do dogma da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria, proclamado pelo Papa Pio XII no dia 01 de novembro de 1950.
Solenidade de Todos os Santos
Celebração Eucarística no 50º aniversário da definição dogmática da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria
Homilia do Papa João Paulo II
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 01 de novembro de 2000
1. “O louvor, a glória e a sabedoria, a ação de
graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus para sempre” (Ap 7,12).
Em atitude de profunda adoração à Santíssima Trindade,
unimo-nos a todos os Santos que celebram perenemente a Liturgia celeste para
reiterarmos com eles a ação de graças ao nosso Deus pelas grandes obras por Ele
realizadas na história da salvação.
Louvor e ação de graças a Deus por ter suscitado
na Igreja uma imensa plêiade de Santos, que ninguém pode contar (cf. Ap 7,9). Uma
imensa plêiade: não só os Santos e os Beatos que festejamos durante o Ano
Litúrgico, mas também os Santos anônimos, que só Ele
conhece. Pais e mães de família que, na dedicação diária aos filhos,
contribuíram eficazmente para o crescimento da Igreja e a edificação da
sociedade; sacerdotes, religiosas e leigos que, como lâmpadas acesas diante do
altar do Senhor, se consumaram no serviço ao próximo necessitado de assistência
material e espiritual; missionários e missionárias que deixaram tudo para levar
o anúncio evangélico a todas as partes do mundo. E a lista poderia continuar.
2. Louvor e ação de graças a Deus, de maneira
particular, pela mais santa de todas as criaturas, Maria, amada
pelo Pai, abençoada por causa de Jesus, fruto do seu seio, santificada e
renovada como criatura pelo Espírito Santo. Modelo de santidade por ter
colocado a própria vida à disposição do Altíssimo, ela “brilha como sinal de
esperança segura e de conforto para o Povo de Deus que peregrina” (Lumen
gentium, n. 68).
Precisamente hoje celebramos o cinquentenário do solene ato
mediante o qual, nesta mesma Praça, o meu venerado predecessor, o Papa Pio XII,
definiu o dogma da Assunção de Maria ao céu em corpo e alma. Louvemos o Senhor
por ter glorificado a sua Mãe, associando-a à sua vitória sobre o pecado e a
morte.
Ao nosso louvor quiseram unir-se hoje, de maneira
especial, os fiéis de Pompeia, que em grande número vieram em
peregrinação, guiados pelo Arcebispo-Prelado do Santuário, Dom Francesco
Saverio Toppi, e acompanhados pelo Presidente da Câmara Municipal da Cidade. A
sua presença recorda que foi precisamente o Beato Bartolo Longo, fundador da
nova Pompeia, quem deu início em 1900 ao movimento promotor da definição do
dogma da Assunção [1].
3. A Liturgia hodierna fala unicamente de
santidade. Porém, para sabermos qual é o caminho da santidade, devemos
subir com os Apóstolos ao Monte das Bem-Aventuranças, aproximar-nos de Jesus e
colocar-nos à escuta das palavras de vida que saem dos seus lábios (cf. Mt
5,3-12). Também hoje Ele nos repete:
Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino
dos Céus! O Mestre divino proclama “beatos” e, poderíamos dizer, “canoniza”
em primeiro lugar os pobres em espírito, ou seja, aqueles
que têm o coração livre de preconceitos e condicionamentos e por isso são
totalmente disponíveis à vontade divina. A adesão integral e confiante a Deus
supõe o despojamento e o desapego coerente de si mesmo.
Bem-aventurados os aflitos! É a bem-aventurança
não só daqueles que sofrem pelas inumeráveis misérias inerentes à condição
humana mortal, mas também de quantos aceitam com coragem os sofrimentos que derivam
da profissão sincera da moral evangélica.
Bem-aventurados os puros de coração! São
proclamados ditosos aqueles que não se contentam com a pureza exterior ou
ritual, mas procuram a absoluta retidão interior que exclui qualquer mentira e
ambiguidade.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça! A
justiça humana já é uma meta excelsa, que enobrece o ânimo de quem a procura,
mas o pensamento de Jesus tem em vista a justiça mais elevada, que consiste na
busca da vontade salvífica de Deus: feliz é sobretudo quem tem fome e sede
desta justiça. Com efeito, Jesus diz que só entrará no Reino dos Céus aquele “que
põe em prática a vontade do meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21).
Bem-aventurados os misericordiosos! Ditosos são
aqueles que vencem a dureza de coração e a indiferença, para reconhecerem de
forma concreta a primazia do amor compassivo a exemplo do Bom Samaritano e, em
última análise, do Pai “rico em misericórdia” (Ef 2,4).
Bem-aventurados os que promovem a paz! A paz,
síntese dos bens messiânicos, constitui uma tarefa exigente. Em um mundo que
apresenta tremendos antagonismos e obstáculos, é necessário promover uma
convivência fraterna inspirada no amor e na partilha, superando inimizades e
contrastes. Felizes aqueles que se comprometem neste nobilíssimo
empreendimento.
4. Os Santos levaram a sério estas palavras de Jesus.
Acreditaram que a “felicidade” haveria de lhes advir se a traduzissem
concretamente na sua própria existência. E experimentaram a sua verdade no
confronto quotidiano com a experiência: não obstante as provações, as
obscuridades e as adversidades, saborearam já aqui na terra a profunda alegria
da comunhão com Cristo. N’Ele descobriram, presente no tempo, o gérmen inicial
da futura glória do Reino de Deus.
Foi o que descobriu, em particular, Maria Santíssima, que
viveu uma comunhão singular com o Verbo encarnado, confiando-se
incondicionalmente ao seu desígnio salvífico. Por isso, foi-lhe dado escutar,
antes do “Sermão da Montanha”, a bem-aventurança que resume todas as
outras: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será
cumprido o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,45).
5. A profundidade da fé da Virgem na Palavra de Deus
transparece com clarividência no cântico do Magnificat: “A
minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu
Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva” (vv.
46-48).
Com este cântico, Maria mostra o que constituiu o fundamento
da sua santidade: a profunda humildade. Podemos nos
perguntar em que consistia esta sua humildade. A este respeito, é muito
eloquente a “preocupação” que a saudação do anjo lhe suscitou: “Alegra-te,
cheia de graça, o Senhor está contigo!” (v. 28). Diante do mistério da graça,
da experiência de uma especial presença de Deus, que lhe dirigiu o seu olhar,
Maria sente um natural impulso de humildade (literalmente, de “submissão”). É a
reação da pessoa que tem plena consciência da própria pequenez diante da
grandeza de Deus. Na verdade, Maria contempla-se a si mesma, os outros e o
mundo.
Não foi por acaso sinal de humildade a pergunta: “Como
acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?” (v. 34)? Ela acabara de ouvir
que devia conceber e dar à luz um Menino, que haveria de reinar no trono de
Davi como Filho do Altíssimo. Sem dúvida, ela não compreendeu plenamente o
mistério daquela disposição divina, mas entendeu que significava uma
transformação total na realidade da sua vida. Todavia, não perguntou: será
verdadeiramente assim? Deve acontecer isto? Mas disse com simplicidade: Como
vai acontecer? Sem dúvidas e de forma incondicional, aceitou a intervenção
divina que mudava a sua existência. A sua pergunta exprimia a humildade
da fé, a disponibilidade para pôr a própria vida a serviço do mistério
divino, apesar da incapacidade de compreender o modo da sua
realização.
Esta humildade do espírito, esta completa submissão na fé,
expressou-se de maneira particular no seu “fiat”: “Eis
aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (v. 38). Graças
à humildade de Maria pôde realizar-se aquilo que em seguida ela entoaria
no Magnificat: “Doravante todas as gerações me chamarão
bem-aventurada, porque o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu
nome é santo” (vv. 48-49).
À profundidade da humildade corresponde a grandeza do
dom. O Todo-poderoso realizou “grandes coisas” em seu favor e ela
soube aceitá-las com gratidão e transmiti-las a todas as gerações dos fiéis.
Eis o caminho rumo ao céu percorrido por Maria, Mãe do Salvador, precedendo
neste caminho todos os Santos e Beatos da Igreja.
6. Bem-aventurada és tu, ó Maria, assunta ao céu em
alma e corpo! Pio XII definiu esta verdade “para a glória de Deus onipotente...
para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e vencedor do pecado e da
morte, para a maior glória da sua augusta Mãe e para alegria e exultação de
toda a Igreja” (Constituição Apostólica Munificentissimus Deus).
E nós exultamos, Maria Assunta, na contemplação da tua
pessoa glorificada e, em Cristo Ressuscitado, tornada colaboradora do Espírito
para a comunicação da vida divina aos homens. Em ti vemos a meta da santidade
para a qual Deus chama todos os membros da Igreja. Na tua vida de fé vemos a
clara indicação do caminho rumo à maturidade espiritual e à santidade cristã.
Contigo e com todos os Santos glorificamos o Deus
Trindade, que ampara a nossa peregrinação terrestre e vive e reina nos séculos
dos séculos! Amém!
Palavras antes do Ângelus no final da celebração:
Ao terminar esta solene Celebração em honra de Todos os
Santos, o nosso olhar volta-se para o Alto. A festa de hoje recorda-nos que
somos feitos para o Céu, onde Nossa Senhora já está e nos espera.
A vida cristã consiste em caminhar aqui em baixo, mas com o
coração voltado para o Alto, para a Casa do Pai do céu. Assim caminharam os Santos
e assim, em primeiro lugar, fez a Virgem Mãe do Senhor. O Jubileu chama-nos a
esta dimensão essencial da santidade: a condição de peregrinos, que procuram em
cada dia o Reino de Deus, confiando na Divina Providência. Esta é a autêntica
esperança cristã que não tem nada a ver com o fatalismo nem com a fuga da
história. Pelo contrário, é estímulo para um compromisso concreto, olhando para
Cristo, Deus feito homem, que nos abre o caminho do Céu.
Nesta perspectiva, disponhamo-nos a celebrar amanhã a
Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos. Vamos espiritualmente junto do túmulo
dos nossos entes queridos, que nos precederam com o sinal da fé e que esperam o
auxílio da nossa oração. Asseguro uma recordação por quantos perderam a vida no
decurso deste ano; penso especialmente nas vítimas da violência humana: possa
cada um encontrar no seio de Deus a paz desejada.
A esta luz, Maria aparece-nos ainda mais como Rainha dos
Santos e Mãe da nossa esperança. É para ela que nos dirigimos, porque nos guia
no caminho da santidade e nos assiste em cada momento da vida, agora e na hora
da nossa morte.
![]() |
| Glória de Todos os Santos (Giovanni Battista Ricci) |
Nota;
[1] Bartolo Longo, promotor da devoção a Nossa Senhora do Rosário de Pompeia foi canonizado pelo Papa Leão XIV no dia 19 de outubro de 2025.


Nenhum comentário:
Postar um comentário