Por ocasião da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi) recordamos a homilia proferida pelo Papa São João Paulo II (†2005) nesta Solenidade há 25 anos, durante o Grande Jubileu do Ano 2000 e o XLVII Congresso Eucarístico Internacional.
Como é possível deduzir a partir da homilia do Papa, foram proclamadas as leituras da Solenidade de Corpus Christi para o Ano C (Gn 14,18-20; Sl 109; 1Cor 11,23-26; Lc 9,11b-17) [1].
Santa Missa na Solenidade de Corpus Christi
Homilia do Papa João Paulo II
Adro da Basílica de São João do Latrão
Quinta-feira, 22 de junho de 2000
1. A instituição da Eucaristia, o sacrifício
de Melquisedec e a multiplicação dos pães: é este o
sugestivo tríptico que nos é apresentado pela Liturgia da Palavra da hodierna Solenidade
do Corpus Christi.
No centro, a instituição da Eucaristia. Na
Primeira Carta aos Coríntios, que há pouco escutamos, São Paulo evocou
com palavras específicas este evento, acrescentando: “Todas as vezes que
comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a Morte do
Senhor, até que Ele venha” (1Cor 11,26). “Todas as vezes”: portanto,
também nesta tarde, no coração do Congresso Eucarístico Internacional, nós, ao
celebrarmos a Eucaristia, anunciamos a Morte redentora de Cristo e reavivamos
no nosso coração a esperança do encontro definitivo com Ele.
Conscientes disto, após a consagração, como que respondendo
ao convite do Apóstolo, proclamamos: “Anunciamos, Senhor, a vossa Morte e proclamamos
a vossa Ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”.
2. O olhar se alarga aos outros elementos do tríptico
bíblico posto hoje diante da nossa meditação: o sacrifício de
Melquisedec e a multiplicação dos pães.
A primeira narração, brevíssima, mas de grande relevo, é
tirada do Livro do Gênesis e foi proclamada na 1ª leitura. Ela fala-nos
de Melquisedec, “rei de Salém” e “sacerdote do Deus Altíssimo”, o qual abençoou
Abrão e “ofereceu pão e vinho” (Gn 14,18). A esta passagem faz
referência o Salmo 109, que atribui ao Rei-Messias um singular caráter
sacerdotal por direta investidura de Deus: “Tu és sacerdote eternamente,
segundo a ordem do rei Melquisedec” (v. 4).
Na véspera da sua Morte na cruz, Cristo instituiu a
Eucaristia no Cenáculo. Também Ele ofereceu pão e vinho que, “em suas mãos
santas e veneráveis” (Cânon Romano), se tornaram o seu Corpo e o seu
Sangue, oferecidos em sacrifício. Deste modo, Ele cumpria a profecia da antiga
aliança, ligada à oferenda sacrifical de Melquisedec. Precisamente por isso,
recorda a Carta aos Hebreus, “Ele tornou-se causa de salvação eterna
para todos os que lhe obedecem. De fato, Ele foi por Deus proclamado sumo
sacerdote segundo a ordem de Melquisedec” (Hb 5,9-10).
No Cenáculo é antecipado o sacrifício do Gólgota: a Morte na
cruz do Verbo Encarnado, Cordeiro imolado por nós, Cordeiro que tira os pecados
do mundo. Na dor de Cristo é redimida a dor de todo o homem; no seu sofrimento
o sofrimento humano adquire um valor novo; na sua morte é vencida para sempre a
nossa morte.
3. Fixemos agora o olhar na narração evangélica da multiplicação
dos pães que completa o tríptico eucarístico, hoje proposto à nossa
atenção. No contexto litúrgico do Corpus Christi, esta perícope do
evangelista Lucas ajuda-nos a compreender melhor o dom e o mistério da
Eucaristia.
Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos
ao céu, abençoou-os, partiu-os e deu-os aos Apóstolos, para que os
distribuíssem ao povo (cf. Lc 9,16). “Todos - observa
Lucas - comeram e ficaram satisfeitos. E ainda foram recolhidos doze cestos dos
pedaços que sobraram” (v. 17).
Trata-se de um prodígio surpreendente, que constitui como
que o início de um longo processo histórico: o constante
multiplicar-se na Igreja do Pão da vida nova para os homens de toda a raça e
cultura. Este ministério sacramental foi confiado aos Apóstolos e aos seus
sucessores. E eles, fiéis à recomendação do Divino Mestre, não cessam de partir
e de distribuir o Pão eucarístico de geração em geração.
O Povo de Deus o recebe com devota participação. Deste Pão
de vida, remédio de imortalidade, nutriram-se inúmeros santos e mártires,
haurindo dele a força para resistir também a duras e prolongadas tribulações.
Eles acreditaram nas palavras que um dia Jesus pronunciou em Cafarnaum: “Eu sou
o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51).
4. “Eu sou o pão vivo descido do céu”.
Depois de termos contemplado o extraordinário “tríptico”
eucarístico constituído pelas leituras hodiernas, fixemos agora os olhos do
espírito diretamente no mistério. Jesus define-se “o Pão da vida” (Jo
6,48), e acrescenta: “O pão que Eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (v.
51).
Mistério da nossa salvação! Cristo - único Senhor
ontem, hoje e sempre - quis unir a sua presença salvífica no mundo e
na história ao sacramento da Eucaristia. Quis fazer-se pão partido,
para que todo o homem pudesse nutrir-se da sua própria vida, mediante a
participação no Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue.
Assim como os discípulos, que escutaram admirados o seu
discurso em Cafarnaum, também nós percebemos que esta linguagem não é fácil de
entender (cf. Jo 6,60). Podemos às vezes ser tentados a
dar-lhe uma interpretação relativa. Mas isto nos levaria para longe de Cristo,
como aconteceu para aqueles discípulos que a partir de então “não andavam mais
com Ele” (v. 66).
Nós queremos ficar com Cristo e, por isso, dizemos com
Pedro: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (v. 68). Com a
mesma convicção de Pedro, ajoelhamo-nos hoje diante do Sacramento do altar e
renovamos a nossa profissão de fé na presença real de Cristo.
Este é o significado da celebração hodierna, que o Congresso
Eucarístico Internacional, no ano do Grande Jubileu, evidencia com força
particular. É este também o sentido da solene procissão que, como todos os
anos, daqui a pouco se deslocará desta Praça até à Basílica de Santa Maria
Maior.
Com humilde ufania acompanharemos o Sacramento eucarístico
ao longo das ruas da cidade, ao lado dos edifícios onde o povo vive, se alegra,
sofre; no meio dos negócios e escritórios nos quais se desenvolve a atividade
quotidiana. Nós o levaremos ao encontro da nossa vida, insidiada por mil
perigos, oprimida por preocupações e sofrimentos, submetida ao lento, mas
inexorável, desgaste do tempo.
Nós o levaremos fazendo chegar-lhe a homenagem dos nossos
cânticos e súplicas: “Bone Pastor, panis vere...” - “Bom Pastor, pão de
verdade - nós lhe diremos com confiança -, piedade, ó Jesus, piedade, conservai-nos
na unidade, extingui nossa orfandade, transportai-nos para o Pai!”.
“Aos mortais dando comida, dais também o pão da vida; que
a família assim nutrida seja um dia reunida aos convivas lá do céu!” (Sequência Lauda Sion). Amém!
Fonte: Santa Sé.
[1] Em 2000 a Igreja de Rito Romano celebrava o Ano B. Porém, uma vez que as leituras desse ciclo foram proclamadas no domingo seguinte, na Missa de Encerramento do Congresso Eucarístico, na quinta-feira por alguma razão optou-se pelos textos do Ano C.
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