Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Pedro
Domingo, 16 de fevereiro de 2025
A homilia preparada pelo Papa Francisco foi lida pelo Cardeal José Tolentino de Mendonça, Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, que presidiu a celebração.
No Evangelho que
acabamos de escutar (Lc 6,17.20-26) Jesus proclama as Bem-aventuranças
diante dos seus discípulos e de uma multidão de pessoas. Já as ouvimos muitas
vezes e, no entanto, não deixam de nos maravilhar: «Bem-aventurados vós, os
pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Bem-aventurados, vós que agora tendes
fome, porque sereis
saciados! Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir!» (vv.
20-21). Estas palavras contradizem a lógica do mundo e convidam-nos a olhar a
realidade com olhos novos, com o olhar de Deus, que vê para além das aparências
e reconhece a beleza, até mesmo na fragilidade e no sofrimento.
A segunda parte
contém palavras duras e de repreensão: «Ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós, que
agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque
tereis luto e lágrimas!» (vv. 24-25). O contraste entre “bem-aventurados vós”
e “ai de vós” recorda-nos a importância de discernir onde colocamos a nossa
segurança.
Vós, artistas e
pessoas de cultura, sois chamados a ser testemunhas da visão revolucionária das
Bem-aventuranças. A vossa missão não se limita a criar beleza, mas a revelar a
verdade, a bondade e a beleza escondidas nos recantos da história, a dar voz a
quem não tem voz, a transformar a dor em esperança.
Vivemos em uma
época de crises complexas, que são econômicas e sociais, mas, antes de tudo,
são crises da alma, crises de sentido. Coloquemo-nos a questão do tempo e a
questão do rumo. Somos peregrinos ou errantes? Caminhamos com uma meta ou
andamos à deriva, perdidos? O artista é aquele que tem a função de ajudar a
humanidade a não se desnortear, a não perder o horizonte da esperança.
Mas atenção: não é
uma esperança fácil, superficial e desencarnada. Não! A verdadeira esperança
entrelaça-se com o drama da existência humana. Não é um refúgio confortável,
mas um fogo que arde e ilumina, como a Palavra de Deus. Por isso, a arte
autêntica é sempre um encontro com o mistério, com a beleza que nos supera, com
a dor que nos interpela, com a verdade que nos chama. Caso contrário, “ai de
nós!”. O Senhor é severo no seu apelo.
Como escreve o
poeta Gerard Manley Hopkins, «o mundo está pleno da grandeza de Deus. Seu
fulgor inflama, qual lâmina fulgurante». Eis a missão do artista: descobrir e
revelar essa grandeza escondida, torná-la acessível aos nossos olhos e aos
nossos corações. O mesmo poeta ouvia também no mundo um “eco de chumbo” e um
“eco de ouro”. O artista é sensível a essas ressonâncias e, com a sua obra,
realiza um discernimento e ajuda os outros a discernir no meio dos diferentes
ecos dos acontecimentos deste mundo. Os homens e as mulheres de cultura são
chamados a avaliar estes ecos, a explicá-los e a iluminar o caminho por onde
nos conduzem: se são cantos de sereia que seduzem ou apelos da nossa mais
verdadeira humanidade. Pede-se a vós a sabedoria para distinguir o que é como
«como a palha que o vento leva» do que é sólido «como a árvore plantada à beira
da água corrente» e capaz de dar fruto (cf. Sl 1,3-4).
Queridos artistas,
vejo em vós guardiães da beleza que sabe inclinar-se sobre as feridas do mundo,
que sabe escutar o grito dos pobres, dos sofredores, dos feridos, dos presos,
dos perseguidos, dos refugiados. Vejo em vós guardiães das Bem-aventuranças!
Vivemos em um tempo em que se erguem novos muros, em que as diferenças se
tornam um pretexto para a divisão em vez de serem uma oportunidade de
enriquecimento recíproco. Mas vós, homens e mulheres de cultura, sois chamados
a construir pontes, a criar espaços de encontro e diálogo, a iluminar as mentes
e a aquecer os corações.
Alguns poderão
dizer: “Mas para que serve a arte em um mundo ferido? Não há coisas mais
urgentes, mais concretas e mais necessárias?”. A arte não é um luxo, mas uma
necessidade do espírito. Não é uma fuga, mas uma responsabilidade, um convite à
ação, um apelo, um grito. Educar para a beleza significa educar para a
esperança. E a esperança nunca está separada do drama da existência: ela
atravessa a luta quotidiana, as fadigas da vida, os desafios deste nosso tempo.
No Evangelho que
escutamos hoje Jesus proclama bem-aventurados os pobres, os aflitos, os mansos,
os perseguidos. É uma lógica invertida, uma revolução da perspectiva. A arte é
chamada a participar nesta revolução. O mundo precisa de artistas proféticos,
de intelectuais corajosos, de criadores de cultura.
Deixai-vos guiar
pelo Evangelho das Bem-aventuranças e que a vossa arte seja anúncio de um mundo
novo. Que a vossa poesia no-lo mostre! Nunca deixeis de procurar, interrogar,
arriscar. Porque a verdadeira arte nunca é acomodada; ela oferece a paz da
inquietação. E lembrai-vos: a esperança não é uma ilusão; a beleza não é uma
utopia; o vosso dom não é um mero acaso, é um chamado. Respondei com
generosidade, com paixão, com amor.
Fonte: Santa Sé.
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