Páginas

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Catequeses do Papa Francisco: Vícios e virtudes 2

Dando continuidade à postagem das Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes em vista da Quaresma deste Ano Jubilar de 2025, trazemos aqui suas meditações sobre os vícios da gula e da luxúria:

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 10 de janeiro de 2024
Os vícios e as virtudes (3): A gula

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Neste caminho de Catequeses que percorremos sobre os vícios e as virtudes, hoje meditemos sobre o vício da gula.

O que nos diz o Evangelho a respeito? Olhemos para Jesus. O seu primeiro milagre, nas bodas de Caná, revela a sua simpatia pelas alegrias humanas: preocupa-se com que a festa acabe bem, oferecendo aos noivos uma grande quantidade de vinho excelente. Ao longo do seu ministério, Jesus manifesta-se como um profeta muito diferente do Batista: se João é recordado pela sua ascese - comia o que encontrava no deserto -, Jesus é, ao contrário, o Messias que vemos muitas vezes à mesa. O seu comportamento suscita o escândalo de alguns, pois não só é benevolente para com os pecadores, mas até mesmo come com eles; e este gesto demonstrava a sua vontade de comunhão e de proximidade em relação a todos.

Os sete pecados capitais
(Hieronymus Bosch)

Mas há algo mais. Se a atitude de Jesus em relação aos preceitos judaicos nos revela a sua total submissão à Lei, Ele se mostra, no entanto, compreensível com os seus discípulos: quando estes são apanhados em flagrante, porque têm fome e colhem espigas de trigo em dia de sábado, Ele os justifica, lembrando-lhes que até o rei Davi e os seus companheiros, quando estavam em necessidade, comeram os pães sagrados (cf. Mc 2,23-26). E Jesus afirma um novo princípio: os convidados para as bodas não podem jejuar quando o noivo está com eles; jejuarão quando o noivo lhes for tirado. Agora tudo está em relação com Jesus. Quando Ele está no meio de nós, não podemos estar de luto; mas na hora da sua Paixão, então sim, jejuamos (cf. Mc 2,18-20). Jesus quer que estejamos alegres na sua companhia - Ele é o Esposo da Igreja - mas quer igualmente que compartilhemos os seus sofrimentos, que são também os sofrimentos dos pequeninos e dos pobres.

Outro aspecto importante. Jesus põe fim à distinção entre alimentos puros e impuros, que era uma distinção feita pela lei judaica. Na realidade - ensina Jesus - não é o que entra no homem que o contamina, mas o que sai do seu coração. E dizendo isto, «tornava puros todos os alimentos» (Mc 7,19). Por isso o Cristianismo não contempla alimentos impuros. Mas a atenção que devemos ter é interior: portanto, não sobre o alimento em si, mas sobre a nossa relação com ele. E sobre isto Jesus diz claramente que o que faz a bondade ou a maldade de um alimento, digamos assim, não é o alimento em si, mas a relação que temos com ele. E vemos isto quando uma pessoa tem uma relação desordenada com a comida, olhamos para a forma como ela come, come às pressas, como se tivesse vontade de se saciar e nunca se sacia, não tem uma boa relação com o alimento, é escrava da comida.

Esta relação serena que Jesus estabeleceu com a alimentação deveria ser redescoberta e valorizada, especialmente nas sociedades do chamado bem-estar, onde se manifestam muitos desequilíbrios e patologias. Come-se demais ou muito pouco. Come-se muitas vezes em solidão. Os distúrbios alimentares se alastram: anorexia, bulimia, obesidade... E a medicina e a psicologia procuram abordar a má relação com a comida. A má relação com a comida produz todas estas enfermidades.

Trata-se de doenças, frequentemente muito dolorosas, ligadas sobretudo aos tormentos da psique e da alma. A alimentação é a manifestação de algo interior: a predisposição para o equilíbrio ou para o exagero; a capacidade de dar graças ou a arrogante pretensão de autonomia; a empatia de quem sabe partilhar a comida com os necessitados ou o egoísmo de quem acumula tudo para si. Esta questão é muito importante: diz-me como comes e te direi que alma tens. No modo de comer revela-se a nossa interioridade, os nossos hábitos, as nossas atitudes psíquicas.

Os antigos Padres designavam o vício da gula com o nome de “gastrimargia”, termo que se pode traduzir por “loucura do ventre”. A gula é uma “loucura do ventre”. E há também este provérbio: devemos comer para viver, não viver para comer. A gula é um vício que se insere precisamente em uma das nossas necessidades vitais, como é a alimentação. Tomemos cuidado com isto!

Se a virmos de um ponto de vista social, talvez a gula seja o vício mais perigoso, que mata o planeta. Pois o pecado de quem cede diante de uma fatia de bolo, considerando bem, não causa grandes danos, mas a voracidade com que, há alguns séculos, nos desencadeamos sobre os bens do planeta compromete o futuro de todos. Apoderamo-nos de tudo, para nos tornarmos donos de tudo, quando tudo estava entregue à nossa preservação, não à nossa exploração! Eis, pois, o grande pecado, a fúria do ventre: abjuramos o nome de “homens”, para assumir outro, o de “consumidores”. E hoje se diz assim na vida social: “consumidores”. Nem sequer nos damos conta de que alguém começou a chamar-nos assim. Fomos feitos para ser homens e mulheres “eucarísticos”, capazes de dar graças, discretos no uso da terra e, ao contrário, o perigo é de nos transformarmos em predadores, e agora nos damos conta de que esta forma de “gula” fez muito mal ao mundo. Peçamos ao Senhor que nos ajude no caminho da sobriedade e que os vários tipos de gula não se apoderem da nossa vida.

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
Os vícios e as virtudes (4): A luxúria

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Continuemos o nosso itinerário sobre os vícios e as virtudes. Os antigos Padres nos ensinam que, após a gula, o segundo “demônio” - ou seja, vício - que está sempre agachado à porta do coração é a luxúria. Enquanto a gula é a voracidade em relação à comida, este segundo vício é uma espécie de “voracidade” para com outra pessoa, isto é, a ligação envenenada que os seres humanos têm uns com os outros, especialmente na esfera da sexualidade.

Prestemos atenção: no Cristianismo não há condenação do instinto sexual. Um livro da Bíblia, o Cântico dos Cânticos, é um maravilhoso poema de amor entre dois noivos. No entanto, esta dimensão tão bonita da nossa humanidade, a dimensão sexual, a dimensão do amor, não está isenta de perigos, de tal modo que já São Paulo deve abordar esta questão na Primeira Carta aos Coríntios. Assim escreve: «De todas as partes ouvimos falar de imoralidade entre vós, de uma imoralidade que não se encontra nem sequer entre os gentios» (1Cor 5,1). A repreensão do Apóstolo diz respeito precisamente a uma má gestão da sexualidade por parte de certos cristãos.

Mas olhemos para a experiência humana, para a experiência do enamoramento. Aqui há tantos recém-casados, vós podeis falar disto! Porque este mistério acontece e porque é uma experiência tão devastadora na vida das pessoas, nenhum de nós sabe. Uma pessoa apaixona-se por outra, o enamoramento ocorre. É uma das realidades mais surpreendentes da existência. Boa parte das canções que ouvimos na rádio referem-se a isto: amores que se iluminam, amores sempre procurados e nunca alcançados, amores cheios de alegria ou que atormentam até às lágrimas.

Quando não é poluído pelo vício, o enamoramento é um dos sentimentos mais puros. Uma pessoa apaixonada torna-se generosa, gosta de dar presentes, escreve cartas e poesias. Deixa de pensar em si mesma, projetando-se completamente para o outro, e isto é bonito! E se perguntarmos a uma pessoa apaixonada “por que amas?”, ela não terá uma resposta: sob muitos aspectos, o seu amor é incondicional, sem qualquer razão. Paciência se aquele amor, tão poderoso, é também um pouco ingênuo: o apaixonado não conhece verdadeiramente o rosto do outro, tende a idealizá-lo, está pronto a fazer promessas cuja relevância não compreende imediatamente. No entanto, este “jardim” onde se multiplicam maravilhas não está a abrigo do mal. Ele é deturpado pelo demônio da luxúria e este vício é particularmente odioso, pelo menos por dois motivos.

Em primeiro lugar porque devasta as relações entre as pessoas. Para documentar uma realidade como esta, infelizmente bastam as notícias de todos os dias. Quantas relações iniciadas da melhor maneira se transformaram depois em relações tóxicas, de posse do outro, desprovidas de respeito e de sentido do limite? São amores nos quais faltou a castidade: virtude que não pode ser confundida com a abstinência sexual - a castidade é mais do que a abstinência sexual -, mas que está ligada à vontade de nunca possuir o outro. Amar é respeitar o outro, procurar a sua felicidade, cultivar a empatia pelos seus sentimentos, dispor-se ao conhecimento de um corpo, de uma psicologia e de uma alma que não são nossos e que devem ser contemplados pela beleza da qual são portadores. Amar é isso, e o amor é belo! A luxúria, pelo contrário, ridiculariza tudo isto: a luxúria saqueia, rouba, consome tudo apressadamente, não quer ouvir o outro, mas somente a própria necessidade e prazer; a luxúria considera tedioso qualquer namoro, não procura a síntese entre razão, impulso e sentimento, que nos ajudaria a conduzir a existência com sabedoria. O luxurioso só procura atalhos: não compreende que o caminho para o amor deve ser percorrido com lentidão, e esta paciência, longe de ser sinônimo de aborrecimento, permite tornar felizes as nossas relações amorosas.

Mas há uma segunda razão pela qual a luxúria é um vício perigoso. Entre todos os prazeres do homem, a sexualidade tem uma voz poderosa. Envolve todos os sentidos, habita tanto no corpo como na psique, e isso é muito bom, mas se não for disciplinada com paciência, se não estiver inscrita em uma relação e em uma história na qual dois indivíduos a transformam em dança amorosa, torna-se uma cadeia que priva o homem da liberdade. O prazer sexual, um dom de Deus, é minado pela pornografia: satisfação sem relação, que pode gerar formas de dependência. Devemos defender o amor, o amor do coração, da mente, do corpo, o amor puro na entrega de si mesmo ao outro. E esta é a beleza da relação sexual.

Vencer a batalha contra a luxúria, contra a “coisificação” do outro, pode ser um empreendimento para toda a vida. Mas a recompensa desta batalha é a mais importante de todas, pois se trata de preservar aquela beleza que Deus inscreveu na sua criação quando imaginou o amor entre o homem e a mulher, que não consiste em servir-se um do outro, mas em amar-se. Esta beleza, que nos faz acreditar que construir uma história juntos é melhor do que partir em busca de aventuras - há tantos “casanovas”! -, que cultivar a ternura é melhor do que curvar-se ao demônio da posse - o verdadeiro amor não possui, se entrega -, que servir é melhor do que conquistar. Pois quando não há amor, a vida é triste, é triste solidão.

A gula e a luxúria
(Alexander Daniloff)

Fonte: Santa Sé (10 de janeiro / 17 de janeiro). 

Confira também nossa postagem sobre os sete salmos penitenciais, relacionados aos sete pecados capitais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário