“Cada um deve afastar-se do mau caminho e de suas práticas perversas” (Jn 3,8).
Embora tradicionalmente seja contado dentro do grupo dos
“doze profetas menores”, o
Livro de Jonas
(
Jn) não é um escrito profético, e
sim uma narrativa ou “novela bíblica”, semelhante aos
Livros de Rute,
Ester, Judite e
Tobias.
No final da postagem, por sua vez, falaremos brevemente da leitura litúrgica do Livro de Abdias (Ab), completando assim o grupo dos “profetas menores”.
1. Breve introdução ao Livro de Jonas
“Jonas, filho de Amitai” (ou Amati) é citado como profeta em
2Rs 14,25, tendo vivido no tempo em que Jeroboão II era rei de Israel
(782-753 a. C.). O autor anônimo do Livro
de Jonas faz uma “homenagem” a este profeta, emprestando seu nome para o
personagem principal da sua narrativa, uma “parábola” de caráter didático.
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Profeta Jonas (Michelangelo - Capela Sistina) |
A linguagem de
Jonas,
com efeito, nos remete ao período pós-exílico, sendo datado entre o final do
período persa e o início da época helenista, ou seja, entre os séculos V e IV
a. C., próximo a
Joel e ao
Dêutero-Zacarias (
Zc 9–14).
Nesse sentido, a referência à cidade de Nínive é simbólica, dado que
esta cidade, antiga capital do Império Assírio, havia sido destruída em 612 a.
C., como anunciado pelo profeta
Naum.
Nínive aqui representa os povos estrangeiros, que Deus também chama a
conversão.
Cada um dos quatro capítulos da narrativa compõe uma cena:
a) Jn 1: Jonas no mar;
b) Jn 2: Jonas no ventre do monstro marinho;
c) Jn 3: Jonas dentro de Nínive;
d) Jn 4: Jonas fora de Nínive.
Na primeira cena, após Deus enviá-lo a Nínive para pregar (Jn
1,1-2), Jonas foge, atraindo a ira divina sobre o barco. Note-se que o profeta
é a causa do infortúnio, mas permanece dormindo, enquanto os marinheiros estrangeiros
tratam-no bem e são piedosos, rezando a Deus e até oferecendo-lhe um sacrifício
(Jn 1,16).
Jonas, lançado ao mar, é engolido por uma espécie de “monstro
marinho”, dentro do qual permanece por três dias (Jn 2,1), linguagem
simbólica que será interpretada como profecia da Ressurreição de Cristo (cf. Mt 12,40). No ventre do
monstro Jonas entoa uma súplica, inspirada nos salmos.
O início da terceira cena retoma o início do livro, repetindo
a ordem de Deus (Jn 3,1-2). Desta vez o profeta obedece e anuncia a
mensagem à cidade: “Ainda quarenta dias e
Nínive será destruída” (Jn 3,4). Mais uma vez o autor insiste na
retidão dos estrangeiros: precisariam “três dias para percorrer a cidade”, mas
bastou um dia para que o povo se arrependesse de seus pecados, fazendo jejum e penitência.
Assim, a terceira cena termina com o perdão de Deus (Jn 3,10).
Por fim, Jonas senta-se fora da cidade, esperando sua
destruição. Como esta não acontece, tem “um
grande desgosto” e “fica irado”,
a ponto de lamentar-se com Deus. Este conclui a obra proclamando seu amor por
todas as criaturas, como ironicamente o próprio Jonas admite, citando Ex
34,6-7: “És um Senhor benigno e
misericordioso, paciente e cheio de bondade, e que facilmente perdoas a punição”
(Jn 4,2).
A maioria dos estudiosos entende o
Livro de Jonas como uma crítica às reformas de
Esdras e Neemias,
que “fecharam” o Judaísmo às influências externas, proibindo casamentos com
estrangeiros e realizando a construção do “muro” de Jerusalém, literal e figurativamente.
Jonas é imagem do povo de Israel que precisa converter-se, abrindo-se à
salvação universal desejada por Deus.
Para saber mais, confira a bibliografia indicada no final da
postagem.
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Jonas escapa do monstro marinho (Pieter Lastman) |
2. Leitura litúrgica
de Jonas: Composição harmônica
A narrativa de Jonas
tem uma presença bastante “modesta” na Liturgia do Rito Romano, como veremos ao
analisar sua leitura seguindo os dois critérios de seleção dos textos indicados
no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa (ELM): a composição harmônica e a leitura
semicontínua [1].
Começamos, naturalmente, pela composição harmônica: a
escolha do texto por sua sintonia com o tempo ou festa litúrgica.