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segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Congresso Eucarístico 2024: Texto base (1)

De 08 a 15 de setembro de 2024 se celebra em Quito (Equador) o 53º Congresso Eucarístico Internacional, com o tema «Fraternidade para curar o mundo: “Todos vós sois irmãos” (Mt 23,8)».

Como fizemos com o Congresso Eucarístico de Budapeste (Hungria) em 2021, nos próximos dias publicaremos o texto base do Congresso, dividido em três partes. Nesta primeira postagem trazemos a Introdução (nn. 1-11) e o Capítulo I (nn. 12-21).

Para saber mais, confira nossa postagem sobre a história dos Congressos Eucarísticos Internacionais.

53° Congresso Eucarístico Internacional - Quito (Equador)
08-15 de setembro de 2024
Texto base: Fraternidade para curar o mundo
«Todos vós sois irmãos» (Mt 23,8)

Introdução: Um sonho de fraternidade
«Todos vós sois irmãos» (Mt 23,8)

1. Com estas palavras de Jesus no Evangelho de São Mateus, o Papa Francisco quis iluminar este 53º Congresso Eucarístico Internacional que vai se realizar na cidade de Quito, Equador [1]. É uma frase do Mestre exortando seus discípulos a tomar consciência da sua relação fraternal enquanto filhos de um mesmo Pai. A comunidade dos fiéis, por vocação divina, é chamada a fundamentar suas relações humanas no amor fraterno, relações de fraternidade que devem ser sinal de esperança para um mundo fragmentado, um bálsamo necessário para sarar as feridas. Através da sua Igreja, que peregrina entre tantos povos, o Mestre recorda à sociedade contemporânea: «Todos vós sois irmãos» (Mt 23,8).


2. O contexto deste Congresso Eucarístico expressa a urgência da fraternidade para curar o mundo. Vários países da América Latina e de outros continentes sofrem internamente com a instabilidade sociopolítica. Permanecem ainda resquícios de um colonialismo histórico, violento e silencioso, que responde a interesses transnacionais de características imperialistas [2]. Sucedem constantemente manifestações populares que rejeitam um sistema econômico cada vez mais injusto, onde crescem a pobreza e a injustiça. «A pobreza e a desigualdade na América Latina são uma chaga que se aprofunda em vez de diminuir. A pandemia e suas consequências, o agravamento do contexto mundial nas esferas política, econômica e militar, assim como a polarização ideológica, parecem fechar as portas aos esforços de desenvolvimento e aos anseios de libertação» [3]. A Europa encontra-se abalada por uma guerra às suas portas, recordando o horror vivido no século XX com as grandes guerras mundiais e a divisão do Ocidente em dois grandes blocos com visões distintas da sociedade. Do Oriente Médio chegam notícias de crescente tensão e constante violência. Da África, oprimida pela pobreza endêmica, continuam a zarpar barcos cheios de migrantes que buscam refúgio em um “mundo” melhor. “Mundo” que muitas vezes é inalcançável, porque não se chega a porto seguro, morrendo nas águas do Mediterrâneo.

3. Não se trata apenas de curar as relações entre os diversos povos que habitam a face da terra, mas também de curar as feridas do coração humano que dificultam a paz e a reconciliação. É preciso que «demo-nos conta que estamos no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas, ao mesmo tempo, importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos necessitados de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos» [4]. Este momento de graça, como é um Congresso Eucarístico, nos permite reavivar o dom de Deus e reconhecer que todos os povos, abraçados pelo amor eucarístico que brota do Coração de Cristo, são irmãos, filhos de um mesmo Pai, construtores de fraternidade. Fraternidade entre os homens e fraternidade com a criação.

4. A Igreja, por sua vez, caminha no meio destas divisões em um processo de discernimento sinodal, questionando-se a si mesma; buscando, a partir das Igrejas locais, continentais e universal, recuperar sua característica essencial de ser sinodal, esse caminhar juntos para a missão, em comunhão e participação, e assim realizar sua vocação de sempre: «alargar o espaço da sua tenda» (cf. Is 54,2) para ser um lugar fraterno de inclusão radical, de pertença partilhada e de profunda hospitalidade [5]. Damos graças a Deus porque este Congresso Eucarístico será celebrado entre as duas Assembleias Gerais do Sínodo dos Bispos no Vaticano (outubro de 2023 - outubro de 2024), sinal profético do banquete eucarístico como centro e máxima expressão da sinodalidade [6].

5. Por ocasião do 150º aniversário da Consagração do Equador ao Sagrado Coração de Jesus (25 de março de 1874), a Arquidiocese de Quito foi escolhida para ser a sede deste novo Congresso Eucarístico Internacional. Nesta cidade, já em 1886 se celebrou o 1º Congresso Eucarístico Nacional; agora, o povo de Deus do Equador, sob a proteção do Imaculado Coração de Maria, acolhe cristãos do mundo inteiro para refletir e viver a Eucaristia como lugar de fraternidade para curar o mundo.

6. Do lado transpassado de Cristo na cruz jorrou sangue e água, como narra o evangelista João (cf. Jo 19, 34), sinais do Batismo e da Eucaristia, fonte e ápice da Igreja [7]. Certamente a Eucaristia, celebrada com assombro perante o Mistério Pascal [8], é o principal lugar de devoção ao Coração de Cristo. Paulo VI afirmou: «Desejamos que, através de uma participação mais intensa no Sacramento do altar, se honre o Coração de Jesus, cujo maior dom é precisamente a Eucaristia» [9]. É nela que os filhos do Pai celeste, irmãos em Cristo, realizam a mais profunda comunhão com Deus e a fraternidade entre si [10]. Celebrar a Eucaristia é submergir-se na fornalha do amor de Deus, onde se acrisola a comunhão eclesial [11].

Imagem do Sagrado Coração de Jesus
(Basílica do Voto Nacional, Quito)

7. Há um mundo ferido que nos precede. Um mundo com feridas ainda abertas e purulentas. Desde os alvores da história da humanidade houveram encontros e caminhos manchados pelo derramamento de sangue. Até hoje os fragilizados, os pequenos, os vulneráveis, os descartáveis, são excluídos do bem comum, da justiça social, da liberdade e dos direitos humanos; são excluídos da tenda do pão partilhado, da casa comum que nos acolhe como filhos e irmãos. Atentar contra o irmão é sempre um atentado à casa comum que é a criação.

8. Ontem como hoje, Deus não é surdo nem indiferente ao sofrimento da humanidade. Na plenitude dos tempos, Deus Pai deu-nos o seu Filho, Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, que se ofereceu até à cruz pela nossa redenção, vencendo o pecado e a morte e tornando-se ao mesmo tempo pão e pastor das nossas vidas. Cristo é o pão de Deus que nos irmana e reconcilia para que todo aquele que caminha conosco deixe de ser um estranho no caminho, mas seja reconhecido como próximo e companheiro de viagem. E, de a tenda da Eucaristia, da oferta da vida para que outros tenham vida, do perdão aos verdugos no próprio lugar onde da sua violência, a presença do Senhor gera comunidades cristãs onde aprendemos sempre de novo a promover o diálogo, a reconciliação e a paz, o caminho para curar este mundo ferido pelo ódio, a inimizade e o egoísmo.

9. Em 03 de outubro de 2020, diante do túmulo de São Francisco em Assis, o Papa Francisco assinou sua Encíclica Fratelli tutti. Em pouco tempo, reavivou em muitos corações a aspiração à fraternidade universal, salientou as numerosas chagas que a afligem no mundo de hoje, indicou alguns caminhos para alcançar uma verdadeira e justa fraternidade humana, e exortou todos, pessoas e instituições, a trabalhar para isso.

10. Quito, cidade no “meio do mundo”, localizada na latitude zero, estende sua tenda para se tornar uma imensa tenda eucarística, onde todos somos convidados a nos unir a este grande sonho de uma fraternidade redimida e curada pelo amor total de Cristo. O Papa Francisco nos convida: «Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos acolhe a todos, cada um com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada um com sua própria voz, todos irmãos» [12].

11. Cremos que a fraternidade está enraizada no mais profundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e das limitações históricas em que vive. Fala-nos de uma sede, de uma aspiração, de um desejo de plenitude e de vida capaz de tornar a existência mais bela e digna.
De tudo isso nasce para os cristãos o compromisso de procurar caminhos que permitam uma busca comum e um diálogo renovado com todas os homens de boa vontade. Este é o simples e exigente dever que nasce da consciência da afirmação de Cristo: «Todos vós sois irmãos» (Mt 23,8).

1. Uma fraternidade ferida
«Onde está o teu irmão?» (Gn 4,9)

12. «Onde está o teu irmão Abel?» (Gn 4,9). Esta foi a pergunta que Deus dirigiu a Caim depois que este matou o seu irmão. Uma pergunta que desceu do céu depois que clamor do sangue de Abel subiu da terra. Uma pergunta que ressoa eternamente, recordando-nos a vocação original do homem e de toda a criação à fraternidade.

O desígnio criador de Deus: Filhos e irmãos
13. Desde toda a eternidade Deus teve o desígnio de criar por amor e de chamar os seres humanos à filiação adotiva para fazer deles uma fraternidade, para que, pelo seu dom mútuo, que é dom do Espírito Santo, se edifique na história a família do Pai (cf. Gn 1–2). Este ideal é, em primeiro lugar, um desígnio de salvação, dado que o ser humano não pode dar uma resposta a Deus, que tenha a qualidade de ser uma resposta “filial”, sem a própria ajuda de Deus, cujo amor é tão grande que alcança o ser humano, mesmo quando ele o rejeita com o pecado. Esta dupla vocação, à filiação e à fraternidade, nos define como seres humanos, pois a nossa identidade é a de sermos filhos de um mesmo Pai e irmãos entre nós.

Criação: Chamado à fraternidade

A fraternidade está enraizada na paternidade de Deus [13]. Não se trata de uma paternidade genérica, indiferenciada e historicamente ineficaz, mas de um amor pessoal, específico e extraordinariamente concreto de Deus por cada ser humano (cf. Mt 6,25-30). À iniciativa deste Deus que cria os seus filhos e os ama, corresponde a resposta do ser humano. «Por ter sido criado à imagem de Deus, o ser humano possui a dignidade de pessoa: não é somente “algo”, mas “alguém”. É capaz de conhecer-se, de possuir-se e de doar-se livremente e entrar em comunhão com outras pessoas; e é chamado, pela graça, a uma aliança com seu Criador, a dar-lhe uma resposta de fé e de amor que nenhum outro ser pode dar no seu lugar» [14].

Filhos de um mesmo Pai: Uma fraternidade cósmica
14. A criação inteira conserva uma unidade plena. Isto é, toda a comunidade cósmica vibra ao ritmo de uma mesma harmonia, porque toda a criação está envolvida em uma rede de relações tecida pela liberdade e pela bondade de cada criatura. Tudo o que o ser humano faz ou deixa de fazer repercutirá, positiva ou negativa, em toda a criação.
No relato do Gênesis é confiado ao ser humano o cuidado da criação. Portanto, todo homem e mulher deve acolher, contemplar, alegrar-se por este dom, e conservá-lo; também deve buscar e encontrar o Criador na criação, que é sua casa; e, por fim, deve conhecer-se e compreender-se a si mesmo nesta casa, tecendo relações fraternas, sadias, justas e duradouras com o próximo. A vocação de toda a criação é a fraternidade universal, porque nela se realiza o desígnio da salvação.

O pecado: Ruptura do vínculo paterno divino
15. No entanto, já na origem a suspeita sobre a bondade de Deus foi semeada no coração de Adão e Eva (cf. Gn 3,1). O diálogo filial com Deus se transformou em um silêncio de dúvida e de distanciamento. O Éden deixou de ser a terra do encontro e do diálogo para se tornar um lugar de esconderijo e de culpa (cf. v. 10).

Uma fraternidade fraturada
16. Este distanciamento inicial dos planos do Criador provocará a ruptura da fraternidade entre Caim e Abel. Em consequência disso, o outro é reduzido de pessoa a um simples indivíduo. Mais ainda, o irmão mais velho, ao perder sua identidade filial, passa a ver o seu irmão mais novo como um rival e uma ameaça. O pecado reduz a pessoa a um mero indivíduo e, em todos os sentidos, procura destruir a criação.
O pecado fraturou a comunhão com Deus, a comunhão fraterna e a comunhão com a criação. Apesar disso, essas fraturas não têm a última palavra na história da salvação. Pela redenção realizada em Cristo e em sua Igreja hoje, através dos sacramentos e da caridade, Deus continua guiando o caminho da humanidade rumo à plenitude da comunhão na responsabilidade, no cuidado do próximo e da casa comum [15].

17. A pergunta de Deus a Caim é uma interrogação que também hoje nos interpela com toda a sua força: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4,9). A humanidade traz inscrita em si uma vocação à fraternidade, mas também a dramática possibilidade da sua traição [16]. Dá testemunho disso o egoísmo quotidiano que está na base de tantas guerras e injustiças: quantos seres humanos morrem nas mãos de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais! No sinal do cuidado e da responsabilidade pelo outro, podemos dizer se somos ou não somos irmãos. A fraternidade é a verdadeira forma de nos entregarmos como filhos, a verdadeira forma de amar a Deus: «Se alguém disser: “Amo a Deus” e odiar o seu irmão, é mentiroso. Quem não ama o seu irmão, que vê, não pode amar a Deus, que não vê» (1Jo 4,20).

Fraternidade desfigurada: De irmãos a inimigos
18. O amor entre irmãos é tão necessário que, sem esse vínculo, não existiria sociedade. A fraternidade como família de Deus, portanto, fomenta a solidariedade original na diversidade dos seus membros e cria um equilíbrio entre eles. Assim, a exigência fundamental da fraternidade deveria ser a solidariedade original. O Papa Francisco nos recorda que o mundo perdeu sensibilidade e solidariedade, e que prefere o individualismo ou olhar para o lado [17].
A Igreja não pode desviar seu olhar da falta de fraternidade social. O fato de ser católica significa que ela é para todos, para que todos nela sejam família. O Povo de Deus, que transcende todo povo, se encarna nos povos da terra. Assim, fazendo suas as dores e feridas dos seus filhos, procura curá-las com o bálsamo da caridade.

Caim e Abel (Andrei Mironov):
Fraternidade ferida

Um povo ferido
19. Há um mundo ferido que nos precede. Constatamos que existem muitas feridas que permanecem abertas. E há novas feridas que dilaceram o mundo em que vivemos. Se estas forem cobertas, acabam infectadas [18]. Assim, o medo, a rejeição, o desprezo e a insensibilidade se traduzem em xenofobia, violência, exclusão, marginalização, eliminação do nascituro e do idoso; enfim, em destruição da casa comum. É preciso dizer também que esse distanciamento dos outros se manifesta em um crescente desprezo pela própria espécie humana. Esta é a ferida que está dilacerando o mundo. Uma ferida que supura a cultura do descarte e da morte [19].
A Igreja, no seu corpo, não está isenta dessas chagas. Também nela as relações entre seus membros muitas vezes se viram fraturadas. Hoje há uma consciência crescente dos terríveis abusos, muitos dos quais são crimes graves, entre aqueles que deveriam ser “pais” e não algozes dos mais vulneráveis. Em várias ocasiões o Papa Francisco se pronunciou com veemência contra a «praga» das ideologias eclesiais, as «pragas» do clericalismo em clérigos e leigos, do carreirismo e da insuficiente participação da mulher na tomada de decisões [20]. Todas essas feridas antigas ainda sangram nos membros da Igreja.

Chamados à reconciliação
20. Graças a Deus, nos momentos mais sombrios da história dos nossos povos, sempre surgiram vozes, gestos, dinâmicas e pessoas que, guiadas pelo Espírito, como um farol na noite, não deixam de nos indicar o caminho a percorrer.
Um exemplo disso foi São Óscar Arnulfo Romero (1917-1980), Arcebispo de San Salvador entre 1977 e 1980. A falta de liberdade no seu país levou a uma verdadeira guerra civil entre as Forças Armadas e vários grupos insurgentes. A distância entre ricos e pobres era cada vez maior e o acúmulo de riqueza nas mãos de uns poucos era escandaloso. O Arcebispo Romero, criando uma comissão para a defesa dos direitos humanos, tornou-se a voz dos sem voz. Com seu anúncio do Evangelho e sua denúncia das injustiças sofridas, rejeitou a violência revolucionária. Ele soube aproximar-se dos marginalizados, acolhendo Cristo nas mães dos desaparecidos, nos camponeses explorados e expropriados. Infelizmente, sua concreta opção preferencial pelos pobres teve como resposta assassinatos de fiéis, catequistas e sacerdotes. Sofreu o calvário da perseguição, a manipulação inescrupulosa das suas homilias e diversos atentados contra a sua vida.
Sua famosa homilia do V Domingo da Quaresma de 23 de março de 1980 foi chamada “a homilia do fogo”. Depois do massacre, com 43 assassinatos em uma semana, dirigindo-se aos homens do Exército, da Guarda Nacional e da Polícia, afirmou: «Irmãos, sois nosso mesmo povo, matais vossos próprios irmãos camponeses, mas, perante uma ordem para matar dada por um homem, deve prevalecer a Lei de Deus que diz: Não matar! Nenhum soldado é obrigado a obedecer a uma ordem contrária à Lei de Deus. (...) Já é hora de que recupereis sua consciência e obedeçais antes a sua consciência do que a ordem do pecado. (...) Em nome de Deus, portanto, e em nome deste povo sofredor, cujos lamentos sobem ao céu cada dia mais tumultuosos, vos suplico, vos rogo, vos ordeno em nome de Deus: Cessai a repressão!» [21].
No final da homilia do dia seguinte, na capela do Hospital da Divina Providência, do vidro traseiro de um carro estacionado no exterior surgiu um fuzil, imperceptível para os fiéis que olhavam para o altar. O santo Bispo da fraternidade concluiu dizendo: «Que este Corpo imolado e este Sangue sacrificado pelos homens também nos alimente, para que, como Cristo, ofereçamos nosso corpo e nosso sangue ao sofrimento e à dor, não por nós mesmos, mas para revelar ao nosso povo conceitos de justiça e de paz» [22]. Nesse momento soou o disparo. Romero caiu por terra. A bala lhe atravessou o coração.

O desafio do nosso século é a fraternidade
21. A fraternidade é um sonho que permeia toda a humanidade. Não é uma utopia, mas a oportunidade de realizar a vocação de cada pessoa: o chamado ao encontro com os outros. Por isso, aprofundar o tema da fraternidade no nosso momento histórico é dever de todos: o cristianismo, as religiões, a política, a filosofia e a ciência devem sondar suas profundezas. Sem fraternidade tudo pode estar perdido.
Exemplos não faltam na história da Igreja e do nosso mundo: Francisco de Assis, Josefina Bakhita, Charles de Foucauld, Teresa de Calcutá, Óscar Romero e outros. São testemunhas corajosas de que o coração humano é habitado por um desejo de fraternidade capaz de superar interesses particulares e nacionalistas, ditaduras e ideologias.
A fé cristã reaviva na pessoa a vocação humana à fraternidade. Isto o sabem muito bem os discípulos do Senhor Jesus que, quando celebram a Eucaristia, são chamados a acolher os outros, especialmente os mais necessitados e pobres, como pessoas a serem sustentadas e amadas, protegendo a criação. A história da salvação é um caminho com os outros, um caminho de perdão e de reencontros, um caminho não individual, mas fraternal.

Santo Óscar Romero
(Canonizado pelo Papa Francisco em 2018)

Notas:
[1] Sobre a índole do Congresso Eucarístico, cf. Ritual da Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa, nn. 109-112.
[2] cf. Dicastério para a Cultura e a Educação e Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Nota Conjunta sobre a «Doutrina da Descoberta», 30 de março de 2023.
[3] Centro de Investigación Social Avanzada, América Latina: Diagnósticos y desafíos (Dossier Estudios Latinoamericanos), CISAV, Querétaro, 2023, p. 23.
[4] Francisco, Momento extraordinário de oração em tempo de pandemia, 27 de março de 2020.
[5] cf. Secretaria Geral do Sínodo, «Alarga o espaço da tua tenda» (Is 54,2): Documento de trabalho para a Etapa Continental, 24 de outubro de 2022, n. 31.
[6] cf. Comissão Teológica Internacional, A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, 02 de março de 2018, n. 47.
[7] cf. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen gentium, nn. 3.11.
[8] cf. Francisco, Carta Apostólica Desiderio desideravi, nn. 24-26.
[9] Paulo VI, Carta Apostólica Investigabiles Divitias Christi.
[10] cf. Bento XVI, Encíclica Deus caritas est, n. 14.
[11] cf. Desiderio desideravi, n. 57.
[12] Francisco, Encíclica Fratelli tutti, n. 8.
[13] cf. ibid., n. 272.
[14] Catecismo da Igreja Católica, n. 357.
[15] cf. A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, n. 12.
[16] cf. Francisco, Mensagem para o XLVII Dia Mundial da Paz: Fraternidade, fundamento e caminho para a paz, 01 de janeiro de 2014, n. 2.
[17] cf. idem, Audiência Geral, 02 de setembro de 2020.
[18] cf. idem, Discurso aos participantes do Congresso promovido pela Organização de Universidades Católicas da América Latina e do Caribe, 04 de maio de 2023.
[19] cf. idem, Fratelli tutti, nn. 18-21.
[20] cf. idem, Discurso à Fundação Vaticana “Joseph Ratzinger - Bento XVI” por ocasião da entrega do “Prêmio Ratzinger”, 17 de novembro de 2018; Discurso aos participantes no Congresso promovido pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, 18 de fevereiro de 2023.
[21] Óscar Romero, Homilias, Tomo VI, UCA Editores, San Salvador, 2009, p. 453.
[22] ibid., p. 457.

Nas próximas postagens publicaremos o Capítulo II (nn. 22-39), o Capítulo III (nn. 40-53) e a Conclusão (nn. 54-58).


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