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quarta-feira, 29 de maio de 2024

Homilia do Papa Bento XVI: Corpus Christi - Ano B (2009)

Nesta Solenidade de Corpus Christi resgatamos a Homilia do Papa Bento XVI (†2022) na Missa dessa Solenidade em 2009 e sua reflexão durante a oração do Ângelus no domingo seguinte, a partir das leituras do Ano B: Ex 24,3-8; Sl 115; Hb 9,11-15; Mc 14,12-16.22-26.

Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
Santa Missa e Procissão Eucarística
Homilia do Papa Bento XVI
Átrio da Basílica de São João do Latrão
Quinta-feira, 11 de junho de 2009

“Isto é o meu Corpo... Isto é o meu Sangue”.
Queridos irmãos e irmãs!
Estas palavras que Jesus pronunciou na Última Ceia são repetidas todas as vezes que se renova o Sacrifício eucarístico. Ouvimo-las há pouco no Evangelho de Marcos (Mc 14,22.24) e ressoam com singular poder evocativo hoje, Solenidade do Corpus Christi. Elas conduzem-nos idealmente ao Cenáculo, fazem-nos reviver o clima espiritual daquela noite quando, celebrando a Páscoa com os seus, o Senhor antecipou no mistério o sacrifício que se consumaria no dia seguinte na cruz. A instituição da Eucaristia parece-nos assim como que a antecipação e a aceitação por parte de Jesus da sua morte. Escreve a respeito Santo Efrém, o Sírio: durante a ceia Jesus imolou-se a si mesmo; na cruz Ele foi imolado pelos outros (cf. Hino sobre a crucificação, 3, 1).


Isto é o meu Sangue”. É evidente aqui a referência à linguagem sacrifical de Israel. Jesus apresenta-se como o sacrifício verdadeiro e definitivo, no qual se realiza a expiação dos pecados que, nos ritos do Antigo Testamento, nunca tinha sido totalmente cumprido. A esta expressão seguem-se outras duas muito significativas. Antes de tudo, Jesus Cristo diz que o seu sangue é “derramado em favor de muitos”, com uma referência compreensível aos cânticos do Servo de Deus, que se encontram no Livro de Isaías (cf. Is 53). Com o acréscimo “sangue da aliança Jesus faz ainda sobressair que, graças à sua morte, se realiza a profecia da nova aliança fundada na fidelidade e no amor infinito do Filho que se fez homem, por isso uma aliança mais forte que todos os pecados da humanidade. A antiga aliança tinha sido sancionada no Sinai com um rito sacrifical de animais, como ouvimos na 1ª leitura, e o povo eleito, libertado da escravidão do Egito, tinha prometido cumprir todos os mandamentos dados pelo Senhor (cf. Ex 24,3).

Israel, na verdade, com a construção do bezerro de ouro, imediatamente mostrou-se incapaz de se manter fiel a esta promessa e assim, ao pacto estabelecido, que aliás em seguida transgrediu com muita frequência, adaptando ao seu coração de pedra a Lei que lhe deveria ter ensinado o caminho da vida. Mas o Senhor não faltou à sua promessa e, através dos profetas, preocupou-se por recordar a dimensão interior da aliança, e anunciou que escreveria uma nova nos corações dos seus fiéis (cf. Jr 31,33), transformando-os com o dom do Espírito (cf. Ez 36,25-27). E foi durante a Última Ceia que estabeleceu com os discípulos e com a humanidade esta nova aliança, confirmando-a não com sacrifícios de animais como acontecia no passado, mas com o seu Sangue, que se tornou sangue da nova aliança”. Portanto, fundou-a na própria obediência que, como eu disse, é mais forte que todos os nossos pecados.

Isto é bem evidenciado na 2ª leitura, tirada da Carta aos Hebreus, na qual o autor sagrado declara que Jesus é “mediador de uma nova aliança” (Hb 9,15). Tornou-se mediador graças ao seu sangue ou, mais exatamente, graças ao dom de si mesmo, que dá pleno valor ao derramamento do seu sangue. Na cruz, Jesus é ao mesmo tempo vítima e sacerdote: vítima digna de Deus porque é sem mancha, e sumo sacerdote que se oferece a si mesmo, sob o impulso do Espírito Santo, e intercede pela humanidade inteira. A Cruz é por conseguinte mistério de amor e de salvação, que nos purifica - como diz a Carta aos Hebreus - das “obras mortas”, isto é, dos pecados, e nos santifica esculpindo a aliança nova no nosso coração; a Eucaristia, renovando o sacrifício da Cruz, torna-nos capazes de viver fielmente a comunhão com Deus.

Queridos irmãos e irmãs que saúdo todos com afeto, começando pelo Cardeal Vigário e pelos outros Cardeais e Bispos presentes como o povo eleito reunido na assembleia do Sinai, também nós esta tarde queremos reafirmar a nossa fidelidade ao Senhor. Há alguns dias, na abertura do Congresso Diocesano anual, ressaltei a importância de permanecer, como Igreja, à escuta da Palavra de Deus na oração e perscrutar as Escrituras, sobretudo com a prática da lectio divina, da leitura meditada e adorante da Bíblia. Sei que muitas iniciativas foram promovidas a este respeito nas paróquias, nos seminários, nas comunidades religiosas, no âmbito das confrarias, das associações e dos movimentos apostólicos, que enriquecem a nossa comunidade diocesana. Aos membros destes numerosos organismos eclesiais dirijo a minha saudação fraterna. A vossa numerosa presença nesta celebração, queridos amigos, ressalta que a nossa comunidade, caracterizada por uma pluralidade de culturas e de experiências diversas, é plasmada por Deus como “seu” povo, como o único Corpo de Cristo, graças à nossa sincera participação na dupla mesa da Palavra e da Eucaristia. Alimentados de Cristo, nós, seus discípulos, recebemos a missão de ser “a alma” desta nossa cidade (cf. Carta a Diogneto, 6; cf. também Lumen gentium, n. 38) fermento de renovação, pão “partido” para todos, sobretudo para quantos se encontram em situações de mal-estar, de pobreza e de sofrimento físico e espiritual. Tornemo-nos testemunhas do seu amor.

Dirijo-me particularmente a vós, queridos sacerdotes, que Cristo escolheu para que juntamente com Ele possais viver a vossa vida como sacrifício de louvor para a salvação do mundo. Só da união com Jesus podeis tirar aquela fecundidade espiritual que é geradora de esperança no vosso ministério pastoral. São Leão Magno recorda que “a nossa participação no Corpo e no Sangue de Cristo não tende para se tornar senão o que recebemos” (Sermo 12, De Passione 3, 7, PL 54). Se isto é verdadeiro para cada cristão, com mais razão o é para nós sacerdotes. Tornar-se Eucaristia! Seja precisamente este o nosso constante desejo e compromisso, para que a oferta do Corpo e do Sangue do Senhor que fazemos no altar seja acompanhada pelo sacrifício da nossa existência. Todos os dias, haurimos do Corpo e Sangue do Senhor aquele amor livre e puro que nos torna ministros dignos de Cristo e testemunhas da sua alegria. É quanto os fiéis esperam do sacerdote: isto é, o exemplo de uma autêntica devoção à Eucaristia; gostam de vê-lo transcorrer longas pausas de silêncio e de adoração diante de Jesus, como fazia o santo Cura d’Ars, que recordaremos de modo particular durante o já iminente Ano Sacerdotal.

São João Maria Vianney gostava de dizer aos seus paroquianos: “Vinde à Comunhão... É verdade que não sois dignos dela, mas dela tendes necessidade” (Bernard Nodet, Le curé d'Ars: Sa pensée - Son coeur, ed. Xavier Mappus, Paris, 1995, p. 119). Conscientes de sermos inadequados por causa dos pecados, mas com a necessidade de nos alimentarmos do amor que o Senhor nos oferece no sacramento eucarístico, renovemos esta tarde a nossa fé na presença real de Cristo na Eucaristia. Não se deve dar por certa esta fé! Hoje corre-se o risco de uma secularização rastejante também no interior da Igreja, que se pode traduzir em um culto eucarístico formal e vazio, em celebrações sem aquela participação do coração que se expressa em veneração e respeito pela Liturgia. É sempre forte a tentação de reduzir a oração a momentos superficiais e apressados, deixando-se subjugar pelas atividades e preocupações terrenas. Quando daqui a pouco repetirmos o Pai-nosso, a oração por excelência, diremos: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”, pensando naturalmente no pão de todos os dias. Mas este pedido contém algo mais profundo. A palavra grega epioúsios, que traduzimos com “quotidiano”, poderia aludir também ao pão “supra-substancial”, ao pão “do mundo futuro”. Alguns Padres da Igreja viram aqui uma referência à Eucaristia, o pão da vida eterna do mundo novo, que nos é dado já hoje na Santa Missa, para que desde agora o mundo futuro tenha início em nós. Portanto, com a Eucaristia o céu vem à terra, o amanhã de Deus desce ao presente e o tempo é como que abraçado pela eternidade divina.

Amados irmãos e irmãs, como todos os anos, no final da Santa Missa, terá lugar a tradicional procissão eucarística e elevaremos, com as orações e os cânticos, uma súplica coral ao Senhor presente na hóstia consagrada. Nós lhe diremos em nome de toda a Cidade: permanece conosco, Jesus, doa-te a nós e dá-nos o pão que nos alimenta para a vida eterna! Liberta este mundo do veneno do mal, da violência e do ódio que polui as consciências, purifica-o com o poder do teu amor misericordioso. E tu, Maria, que foste mulher “eucarística” durante toda a tua vida, ajuda-nos a caminhar unidos rumo à meta celeste, alimentados pelo Corpo e Sangue de Cristo, pão de vida eterna e medicina da imortalidade divina. Amém!

Papa Bento XVI
Ângelus
Domingo, 14 de junho de 2009

Queridos irmãos e irmãs!
Celebra-se hoje em diversos países, entre os quais a Itália, o Corpus Christi, a festa da Eucaristia, na qual o Sacramento do Corpo do Senhor é levado solenemente em procissão. Que significa para nós esta festa? Ela não faz pensar só no aspecto litúrgico; na realidade, o Corpus Christi é um dia que inclui a dimensão cósmica, o céu e a terra. Evoca antes de tudo - pelo menos no nosso hemisfério - esta estação tão bonita e perfumada na qual a primavera começa a deixar lugar ao verão, o sol é forte no céu e nos campos amadurece o trigo. As festas da Igreja, assim como as festas judaicasestão relacionadas com o ritmo do ano solar, da sementeira e das colheitas. Em particular, isto sobressai na Solenidade de hoje, em cujo centro está o sinal do pão, fruto da terra e do céu. Por isso o pão eucarístico é o sinal visível d’Aquele no qual céu e terra, Deus e homem se tornaram um só. E isto mostra que a relação com as estações não é para o Ano Litúrgico só um aspecto exterior.

A Solenidade do Corpus Christi está intimamente ligada à Páscoa e ao Pentecostes: a Morte e Ressurreição de Jesus e a efusão do Espírito Santo são os seus pressupostos. Além disso, está imediatamente relacionada com a festa da Trindade, celebrada no domingo passado. Unicamente porque o próprio Deus é relação, pode haver relacionamento com Ele; e só porque é amor, pode amar e ser amado. Assim o Corpus Christi é uma manifestação de Deus, uma confirmação de que Deus é amor. De uma forma única e peculiar, esta festa fala-nos do amor divino, daquilo que é e do que faz. Diz-nos, por exemplo, que Ele se regenera ao doar-se, se recebe ao entregar-se, nunca falta e não se consuma - como canta um hino de Santo Tomás de Aquino: “nec sumptus consumitur” (Sequência Lauda Sion). O amor transforma todas as coisas e, portanto, compreende-se que no centro da hodierna festa do Corpus Christi esteja o mistério da transubstanciação, sinal de Jesus Cristo que transforma o mundo. Olhando para Ele e adorando-o, nós dizemos: sim, o amor existe, e dado que existe, as coisas podem melhorar e nós podemos ter esperança. É a esperança que provém do amor de Cristo que nos dá a força para viver e enfrentar as dificuldades. Por isso cantamos, enquanto levamos em procissão o Santíssimo Sacramento; cantamos e louvamos a Deus que se revelou ao esconder-se no sinal do pão repartido. Todos precisamos deste Pão, porque o caminho rumo à liberdade, à justiça e à paz é longo e cansativo.

Podemos imaginar com quanta fé e amor a Virgem Maria recebeu e adorou no seu coração a sagrada Eucaristia! Cada vez era para ela como reviver todo o mistério do seu Filho Jesus: desde a Concepção até à Ressurreição. O meu venerado e amado predecessor João Paulo II chamou-lhe “mulher eucarística”. Aprendamos dela a renovar continuamente a nossa comunhão com o Corpo de Cristo, para nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou.


Fonte: Santa Sé (Homilia / Ângelus).

Confira também a homilia do Papa Bento XVI no Corpus Christi de 2012 clicando aqui.

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