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quarta-feira, 5 de abril de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: Tríduo Pascal (2011)

Complementando as Catequeses sobre a oração do Papa Bento XVI que estamos publicando aqui em nosso blog, trazemos nesta postagem sua Catequese sobre o Tríduo Pascal em 2011, centrada na oração de Jesus na noite da Quinta-feira Santa:

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 20 de abril de 2011
Tríduo Pascal

Queridos irmãos e irmãs,
Já chegamos ao coração da Semana Santa, cumprimento do caminho quaresmal. Amanhã entraremos no Tríduo Pascal, os três dias santos em que a Igreja faz memória do mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. O Filho de Deus, depois de se ter feito homem em obediência ao Pai, tornando-se em tudo semelhante a nós, exceto no pecado (Hb 4,15), aceitou cumprir até ao fim a sua vontade, enfrentando por amor a nós a Paixão e a Cruz, para nos tornar participantes da sua Ressurreição, para que possamos viver n’Ele para sempre, na consolação e na paz. Por conseguinte, exorto-vos a acolher este mistério de salvação, a participar intensamente no Tríduo Pascal, centro de todo o Ano Litúrgico e momento de graça especial para cada cristão; convido-vos a procurar nestes dias o recolhimento e a oração, de modo a haurir mais profundamente desta nascente de graça. A este propósito, em vista das iminentes festas, cada cristão está convidado a celebrar o Sacramento da Reconciliação, momento de adesão especial à Morte e Ressurreição de Cristo, para poder participar com mais proveito na Santa Páscoa.

O Papa em oração no início da Celebração da Paixão (2011)

A Quinta-Feira Santa é o dia no qual se faz memória da instituição da Eucaristia e do Sacerdócio ministerial. Durante a manhã, cada comunidade diocesana, reunida na Igreja Catedral em volta do Bispo, celebra a Missa Crismal, na qual são abençoados o sagrado Crisma, o Óleo dos Catecúmenos e o Óleo dos Enfermos. A partir do Tríduo Pascal e durante todo o Ano Litúrgico, estes Óleos serão usados para os Sacramentos do Batismo, da Confirmação, das Ordenações sacerdotais e episcopais e da Unção dos Enfermos; nisto evidencia-se como a salvação, transmitida pelos sinais sacramentais, brota precisamente do Mistério Pascal de Cristo; com efeito, nós somos remidos com a sua Morte e Ressurreição e, mediante os Sacramentos, bebemos daquela mesma fonte salvífica. Durante a Missa Crismal realiza-se também a renovação das promessas sacerdotais. Em todo o mundo, cada sacerdote renova os compromissos que assumiu no dia da Ordenação, para ser totalmente consagrado a Cristo na prática do sagrado ministério ao serviço dos irmãos. Acompanhemos os nossos sacerdotes com a nossa oração.

Na tarde da Quinta-Feira Santa começa efetivamente o Tríduo Pascal, com a memória da Última Ceia, durante a qual Jesus instituiu o Memorial da sua Páscoa, cumprindo o rito pascal judaico. Segundo a tradição, cada família judaica, reunida à mesa na festa de Páscoa, come o cordeiro assado, fazendo memória da libertação dos israelitas da escravidão do Egito; assim, no Cenáculo, consciente da sua morte iminente, Jesus, verdadeiro Cordeiro pascal, oferece-se a si mesmo pela nossa salvação (1Cor 5,7). Pronunciando a bênção sobre o pão e o vinho, Ele antecipa o sacrifício da cruz e manifesta a intenção de perpetuar a sua presença no meio dos discípulos: sob as espécies do pão e do vinho, Ele torna-se presente de modo real com o seu corpo oferecido e com o seu sangue derramado. Durante a Última Ceia, os Apóstolos são constituídos ministros deste Sacramento de salvação; Jesus lava os seus pés (Jo 13,1-25), convidando-os a amarem-se uns aos outros como Ele os amou, dando a vida por eles. Repetindo este gesto na Liturgia, também nós somos chamados a testemunhar com os fatos o amor do nosso Redentor.

Por fim, a Quinta-Feira Santa é encerrada com a adoração eucarística, na recordação da agonia do Senhor no jardim do Getsêmani. Tendo deixado o Cenáculo, Ele retirou-se para rezar, sozinho, diante do Pai. Naquele momento de comunhão profunda, os Evangelhos narram que Jesus sentiu uma grande angústia, um sofrimento tal que o fez suar sangue (Mt 26,38). Consciente da sua iminente morte de cruz, Ele sente uma grande angústia e a proximidade da morte. Nesta situação, sobressai também um elemento de grande importância para toda a Igreja. Jesus diz aos seus: permanecei aqui e vigiai; e este apelo à vigilância diz respeito precisamente a este momento de angústia, de ameaça, na qual chegará o momento da traição, mas diz respeito a toda a história da Igreja. É uma mensagem permanente para todos os tempos, porque a sonolência dos discípulos não era só um problema daquele momento, mas é o problema de toda a história. A questão reside no que consiste esta sonolência, em que consistiria a vigilância à qual o Senhor nos convida. Diria que a sonolência dos discípulos ao longo da história é uma certa insensibilidade da alma ao poder do mal, uma insensibilidade a todo o mal do mundo. Não queremos nos deixar perturbar demasiado por estas coisas, queremos esquecê-las: pensamos que talvez não é tão grave, e esquecemos. E não se trata apenas de insensibilidade ao mal, quando deveríamos vigiar por fazer o bem, para lutar pela força do bem. É insensibilidade a Deus: eis a nossa verdadeira sonolência; esta insensibilidade pela presença de Deus que nos torna insensíveis também ao mal. Não ouvimos Deus - nos incomodaria - e assim, naturalmente, também não ouvimos a força do mal e permanecemos no caminho do nosso bem-estar. A adoração noturna da Quinta-Feira Santa, o estar vigilantes com o Senhor, deveria ser precisamente o momento para nos fazer refletir acerca da sonolência dos discípulos, dos defensores de Jesus, dos Apóstolos, da nossa, que não vemos, não queremos ver toda a força do mal, e que não queremos entrar na sua Paixão pelo bem, pela presença de Deus no mundo, por amor ao próximo e a Deus.

Cristo em oração no Getsêmani (Nikolay Koshelev)

Depois, o Senhor começa a rezar. Os três Apóstolos - Pedro, Tiago, João - dormem, mas de vez em quando acordam e ouvem o refrão desta oração do Senhor: «Não seja feita a minha vontade, mas a Tua». O que é esta minha vontade, o que é esta tua vontade, de que o Senhor fala? A minha vontade é «que não deveria morrer», que lhe seja poupado este cálice do sofrimento: é a vontade humana, da natureza humana, e Cristo sente, com toda a consciência do seu ser, a vida, o abismo da morte, o terror do nada, esta ameaça do sofrimento. E Ele mais do que nós, que sentimos esta natural repulsa à morte, este medo natural da morte, ainda mais do que nós, Ele sente o abismo do mal. Sente, com a morte, também todo o sofrimento da humanidade. Sente que tudo isto é o cálice que deve beber, que deve dar a si mesmo, aceitar o mal do mundo, tudo o que é terrível, a repulsa de Deus, todo o pecado. E podemos compreender como Jesus, com a sua alma humana, se sente aterrorizado perante esta realidade, que sente em toda a sua crueldade: a minha vontade seria não beber o cálice, mas a minha vontade está subordinada à tua vontade, à vontade de Deus, à vontade do Pai, que é também a verdadeira vontade do Filho. E assim Jesus transforma, nesta oração, a repulsa natural, a repulsa do cálice, da sua missão de morrer por nós; transforma esta sua vontade natural em vontade de Deus, num «sim» à vontade de Deus. O homem em si é tentado a opor-se à vontade de Deus, a ter a intenção de seguir a própria vontade, de se sentir livre unicamente se é autônomo; opõe a própria autonomia contra a heteronomia de seguir a vontade de Deus. Eis o drama da humanidade. Mas na verdade esta autonomia é errada e este entrar na vontade de Deus não é uma oposição a si, não é uma escravidão que violenta a minha vontade, mas é entrar na verdade e no amor, no bem. E Jesus puxa a nossa vontade, que se opõe à vontade de Deus, que procura a autonomia, puxa esta nossa vontade para o alto, rumo à vontade de Deus. Este é o drama da nossa redenção, que Jesus puxa para o alto a nossa vontade, toda a nossa repulsa à vontade de Deus e a nossa repulsa à morte e ao pecado, e une-a à vontade do Pai: «Não seja feita a minha vontade, mas a Tua». Nesta transformação do «não» em «sim», nesta inserção da vontade criatural na vontade do Pai, Ele transforma a humanidade e redime-nos. E convida-nos a entrar neste seu movimento: sair do nosso «não» e entrar no «sim» do Filho. A minha vontade existe, mas é decisiva a vontade do Pai, porque esta é a verdade e o amor.

Mais um elemento desta oração que me parece importante. As três testemunhas conservaram - como se lê na Sagrada Escritura - a palavra judaica ou aramaica com a qual o Senhor falou ao Pai, chamou-o: «Abbá». Esta fórmula, «Abbá», é uma forma familiar da palavra “pai”, uma forma que se usa só em família, que nunca se usou em relação a Deus. Aqui vemos no íntimo de Jesus como fala em família, fala verdadeiramente como Filho com o Pai. Vemos o mistério trinitário: o Filho que fala com o Pai e redime a humanidade.

Mais uma observação. A Carta aos Hebreus deu-nos uma profunda interpretação desta oração do Senhor, deste drama do Getsêmani. Diz: estas lágrimas de Jesus, esta oração, este grito de Jesus, esta angústia, tudo isto não é simplesmente uma concessão à debilidade da carne, como se poderia dizer. Precisamente assim realiza o cargo do Sumo Sacerdote, porque o Sumo Sacerdote deve levar o ser humano, com todos os seus problemas e sofrimentos, à altura de Deus. E a Carta aos Hebreus diz: com todos estes gritos, lágrimas, sofrimentos, orações, o Senhor levou a nossa realidade a Deus (Hb 5,7ss). E usa esta palavra grega «prospherein», que é o termo técnico para o que o Sumo Sacerdote deve fazer para oferecer, para elevar as suas mãos.

Precisamente neste drama do Getsêmani, onde parece que a força de Deus já não está presente, Jesus desempenha a função do Sumo Sacerdote. Além disso diz que neste ato de obediência, isto é, de conformação da vontade humana natural à vontade de Deus, é aperfeiçoado como sacerdote. E usa de novo a palavra técnica para ordenar sacerdote. Precisamente assim se torna realmente o Sumo Sacerdote da humanidade e abre desta forma o céu e a porta da Ressurreição.

Se refletirmos sobre este drama do Getsêmani, podemos ver também o grande contraste entre Jesus com a sua angústia, com o seu sofrimento, em confronto com o importante filósofo Sócrates, que permanece pacífico, sem se perturbar diante da morte. E este parece ser o ideal. Podemos admirar este filósofo, mas a missão de Jesus era outra. A sua missão não era esta total indiferença e liberdade; a sua missão consistia em carregar sobre si os nossos sofrimentos, todo o drama humano. E por isso precisamente esta humilhação do Getsêmani é essencial para a missão do Homem-Deus. Ele carrega o nosso sofrimento, a nossa pobreza, e transforma-a segundo a vontade de Deus. E assim abre as portas do céu, abre o céu: esta tenda do Santíssimo, que até agora o homem fechou a Deus, está aberta a este sofrimento e obediência. Estas são algumas observações para a Quinta-Feira Santa, para a nossa celebração da noite da Quinta-Feira Santa.

Na Sexta-feira Santa fazemos memória da Paixão e da Morte do Senhor; adoraremos Cristo Crucificado, participaremos dos seus sofrimentos com a penitência e com o jejum. Dirigindo «o olhar para Aquele a quem transpassaram» (Jo 19,37), poderemos haurir do seu Coração dilacerado que efunde sangue e água como de uma nascente; daquele Coração, do qual brota o amor de Deus por todos os homens, recebemos o seu Espírito. Por conseguinte, acompanhemos também nós na Sexta-feira Santa Jesus que sobe ao Calvário, deixemo-nos guiar por Ele até à cruz, recebamos a oferenda do seu corpo imolado.

Por fim, na noite do Sábado Santo, celebraremos a solene Vigília Pascal, na qual nos é anunciada a Ressurreição de Cristo, a sua vitória definitiva sobre a morte que nos interpela a ser n’Ele homens novos. Participando nesta santa Vigília, a Noite central de todo o Ano Litúrgico, faremos memória do nosso Batismo, no qual também nós fomos sepultados com Cristo, para poder ressuscitar com Ele e participar no banquete do céu (Ap 19,7-9).

Queridos amigos, procuramos compreender o estado de ânimo com que Jesus viveu o momento da prova extrema, para compreender o que orientava o seu agir. O critério que guiou cada opção de Jesus durante toda a sua vida foi a firme vontade de amar o Pai, de ser um com o Pai, de ser-lhe fiel; esta decisão de corresponder ao seu amor levou-o a abraçar, em todas as circunstâncias, o projeto do Pai, a fazer seu o desígnio de amor que lhe foi confiado de recapitular n’Ele todas as coisas, para reconduzir tudo a Ele. Ao reviver o Tríduo Santo, disponhamo-nos a aceitar também na nossa vida a vontade de Deus, conscientes que na vontade de Deus, mesmo se parece difícil, em contraste com as nossas intenções, encontra-se o nosso verdadeiro bem, o caminho da vida. A Virgem Mãe nos guie neste itinerário, e nos obtenha do seu Filho divino a graça de poder empregar a nossa vida por amor a Jesus, ao serviço dos irmãos.

O Papa durante a Celebração da Paixão (2011)

Fonte: Santa Sé.

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