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sábado, 25 de março de 2023

Cardeal Cantalamessa: IV Pregação de Quaresma 2023

Cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap
IV pregação de Quaresma
24 de março de 2023

“Mysterium fidei!”: Reflexões sobre a Liturgia

Após as meditações sobre a evangelização e sobre a teologia, gostaria de propor hoje algumas reflexões sobre a Liturgia e sobre o culto da Igreja, sempre com o intuito de dar uma contribuição, ainda que modesta e indireta, aos trabalhos do Sínodo. A Liturgia é o ponto de chegada, aquilo a que tende a evangelização. Na parábola evangélica, os servidores são enviados pelas estradas e encruzilhadas para convidar todos ao banquete. A Igreja é a sala do banquete e a Eucaristia, “a Ceia do Senhor” (1Cor 11,20) nela preparada.

Iniciemos nossas reflexões com uma palavra da Carta aos Hebreus: Quem se aproxima de Deus - diz ela - deve crer que Ele existe” (Hb 11,6). Antes ainda, contudo, de crer que Ele existe (que é já um aproximar-se), é necessário sentir ao menos o “aroma” da sua existência. Isto é o que chamamos de senso do sagrado e que um famoso autor chama “o numinoso”, qualificando-o como “mistério tremendo e fascinante” [1]. Santo Agostinho antecipou surpreendentemente esta descoberta da moderna fenomenologia religiosa. Dirigindo-se a Deus, nas Confissões, diz: “Quando te conheci pela primeira vez..., tremi de amor e de assombro (contremui amore et orrore)” [2]. E ainda: “Estremeço e inflamo” (et inhorresco et inardesco): estremeço pela distância, inflamo pela semelhança” [3].


Se viesse a faltar completamente o senso do sagrado, viria a faltar o próprio terreno, ou o clima, em que desabrocha o ato de fé. Charles Péguy escreveu que “a assustadora penúria e indigência do sagrado é a marca profunda do mundo moderno”. Se caiu o senso do sagrado, dele permaneceu, contudo, o lamento que alguém definiu, de forma laica, “saudade do Totalmente Outro” (Max Horkheimer).

Os jovens, mais do que todos, percebem esta necessidade de serem transportados para fora da banalidade do cotidiano, de escapar, e inventaram seus próprios modos de satisfazer esta necessidade. Foi observado por estudiosos da psicologia de massa que os jovens que participaram há um tempo de famosos shows de rock, como os de Elvis Presley ou o Festival de Woodstock de 1969, eram transportados para fora do seu mundo cotidiano e projetados em uma dimensão que lhes dava a impressão de algo transcendente e sagrado.

Não diversamente acontece para aqueles que participam hoje dos megashows de cantores e grupos musicais. O fato de estarem em muitos e vibrarem em uníssono com uma massa, amplifica infinitamente a própria emoção. Tem-se o sentimento de fazer parte de uma realidade diversa, superior, que dá lugar a uma espécie de “devoção”. O termo “fã” (abreviação, como sabemos de fanatic, isto é, fanático) é o correspondente secularizado de “devoto”. A qualificação de “ídolos” dada aos seus queridos tem uma profunda correspondência com a realidade.

Essas reuniões de massa podem ter o seu valor artístico e por vezes veicular mensagens nobres e positivas, como a paz e o amor. São “liturgias” no sentido originário e profano do termo, isto é, espetáculos oferecidos ao público, por dever, ou para obter o seu favor. Não têm, contudo, nada a ver com a autêntica experiência do sagrado. No título “Divina Liturgia”, o adjetivo “divina” foi acrescentado justamente para distingui-la das liturgias humanas. Há uma diferença qualitativa entre as duas coisas.

Tentemos ver por quais meios a Igreja pode ser, para os homens de hoje, o lugar privilegiado de uma verdadeira experiência de Deus e do transcendente. A primeira ocasião a que se pensa, também pela semelhança externa, são a grandes reuniões promovidas pelas várias Igrejas cristãs. Pensemos, por exemplo, nas Jornadas Mundiais da Juventude, e nos inúmeros eventos - congressos, convenções e convocações - dos quais tomam parte dezenas (às vezes centenas) de milhares de pessoas em todo o mundo. É incontável o número de pessoas pelas quais tais eventos foram ocasião de uma forte experiência de Deus e o início de uma relação nova e pessoal com Cristo.

O que faz a diferença entre este tipo de encontros de massa e aqueles acima descritos é que aqui o protagonista não é uma personalidade humana, mas Deus. O senso do sagrado que se experimenta neles é o único verdadeiramente genuíno, e não uma substituição, pois é suscitado pelo Santo dos Santos e não por um “ídolo”.

Todavia, são eventos extraordinários, dos quais nem sempre e nem todos podem participar. A ocasião por excelência e mais comum para uma experiência do sagrado na Igreja é a Liturgia. A Liturgia católica se transformou, em pouco tempo, de ação com forte traço sacral e sacerdotal a ação mais comunitária e participada, onde todo o povo de Deus tem a sua parte, cada um com o próprio ministério.

Gostaria de tentar dizer como eu vejo e explico a mim mesmo esta mudança. Não é absolutamente para me colocar como juiz do passado, mas para compreender melhor o presente. O presente, na Igreja, jamais é negação do passado, mas seu enriquecimento; ou ainda, como neste caso, superação do passado recente para recuperar o mais antigo e originário.

Na evolução da Igreja entendida como povo, acontece algo parecido ao que acontece à Igreja entendida como edifício. Pensemos em algumas célebres basílicas e catedrais: quantas transformações arquitetônicas no curso dos séculos para responder às necessidades e aos gostos de cada época! Mas é sempre a mesma igreja, dedicada ao mesmo santo. Se há uma tendência geral em ato em época moderna, é aquela de reportar tais edifícios - quando isso é possível e vale a pena - à sua estrutura e estilo originários. A mesma tendência está em ato para a Igreja como povo de Deus e, particularmente, para a sua Liturgia. O Concílio Vaticano II foi um seu momento decisivo, mas não o início absoluto. Ele colheu os frutos de muito trabalho precedente.

Certamente não é o caso de adentrarmos aqui na história secular da Liturgia - outros o fizeram e, justamente do ponto de vista que nos interessa [4]. Gostaria apenas de evidenciar a evolução que se refere ao senso do sagrado. No início da Igreja e para os três primeiros séculos, a Liturgia é realmente uma “liturgia”, isto é, ação do povo (laos, povo, está entre as componentes etimológicas de leitourgia). De São Justino, da Traditio Apostolica de Santo Hipólito e outras fontes do tempo, obtemos uma visão da Missa certamente mais próxima àquela reformada de hoje do que aquela dos séculos que temos às costas. O que aconteceu depois de então? A resposta é, em uma palavra que não podemos evitar, mesmo se exposta a abuso: clericalização! Em nenhum outro âmbito ela agiu mais vistosamente do que na Liturgia.

O culto cristão e, particularmente, o sacrifício eucarístico, transformou-se rapidamente, no Oriente e no Ocidente, de ação do povo em ação do clero. Por séculos e séculos a parte central da Missa, o Cânon, era pronunciado em latim pelo sacerdote a voz baixa, atrás de uma cortina o um muro (um templo no templo!), fora da vista e da escuta do povo. O celebrante aumentava a voz apenas nas palavras finais do Cânon: “Per omnia saecula saeculorum”, e o povo respondia “Amen!” ao que não tinha ouvido e muito menos entendido. O único contato com a Eucaristia, anunciado pelo som dos sinos ou da campainha, era o momento da elevação da hóstia. Há um evidente retorno ao que acontecia no culto do Antigo Testamento, quando o Sumo Sacerdote entrava no Sancta Sanctorum, com incensos e sangue das vítimas, e o povo permanecia fora, trêmulo, extenuado pelo senso da majestade e inacessibilidade de Deus.

O senso do sagrado é fortíssimo aqui, mas, após Cristo, é aquele o justo e genuíno? Esta é a pergunta crucial. Lemos na Carta aos Hebreus: “De fato, não vos aproximastes... de um fogo palpável e ardente, de escuridão, treva e tempestade, da trombeta retumbante e do clamor das palavras... O espetáculo era tão medonho, que Moisés disse: ‘Estou apavorado e tremendo’ (Ex 19,16-18; Dt 9,19). Vós, ao contrário, vos aproximastes... de Jesus, o mediador da nova aliança e da aspersão com um sangue mais eloquente que o de Abel” (Hb 12,18-24). Cristo penetrou além do véu e não fechou o limite atrás de si (Hb 10,20).

O sagrado mudou o modo de se manifestar: não mais como mistério de majestade e poder, como infinita capacidade de ficar à parte, de se esconder. Após a consagração, o celebrante diz ou canta: “Eis o mistério da fé!”. Alguns de nós, mais idosos, recordarão que outrora esta exclamação era inserida até mesmo no meio da fórmula de consagração do vinho: “Hic est enim calix sanguinis mei, novi et aeterni testamenti - Mysterium fidei! - qui pro vobis et pro multis effundetur in remissionem peccatorum”. Como se a Igreja se detivesse, à metade da narrativa, estupefata com o que estava dizendo!

A reforma fez bem, naturalmente, em deslocar tal exclamação para o final da consagração, mas não deveríamos perder o senso de estupor encerrado naquela exclamação e, sobretudo, entender qual deve ser o verdadeiro motivo do nosso estupor. Ele deve ser do mesmo gênero daquele que se lê nos versos do Servo de Yahweh:
Assim também espantará a muitas nações;
por causa dele, reis levarão a mão à boca,
pois estarão vendo coisas que ninguém jamais lhes tinha contado
e contemplarão o que não tinham ouvido (Is 52,15–53,1).

Estupor e maravilha, sim, mas diante do quê? Não à majestade, mas à humilhação do Servo! Alguém que tinha muito afinado este sentimento era Francisco de Assis: “Pasme o homem inteiro - escrevia em sua Carta a toda a Ordem -, estremeça todo o mundo e exulte o céu quando, sobre o altar, na mão do sacerdote, está Cristo, Filho do Deus vivo”. Mas “pasmar e estremecer” pelo quê? Escutemos o que segue: “Ó admirável alteza e estupenda condescendência! Ó humildade sublime! Ó sublimidade humilde, pois o Senhor do Universo, Deus e Filho de Deus, de tal maneira se humilha que, por nossa salvação, se esconde sob uma pequena forma de pão! Vede, irmãos, a humildade de Deus!” [5].


Trata-se apenas de não arruinar esta possibilidade oferecida pela Liturgia renovada com improvisações arbitrárias e bizarras, e manter a necessária sobriedade e compostura também quando a Missa é celebrada em situações e ambientes particulares.

Em todas as Orações Eucarísticas, passadas e presentes, o convite que segue imediatamente a Consagração é sempre aquele a recordar: “Unde et memores”, “Celebrando, pois, a memória”. É a resposta ao mandamento de Jesus: “Fazei isto em memória de mim!”. Mas, dele, o que devemos sobretudo recordar? “Todas as vezes que comerdes desse pão e beberdes desse cálice, proclamais a morte do Senhor” (1Cor 11,26).

Tentemos ir uma vez além das palavras, ou melhor, dar às palavras um conteúdo existencial e não apenas ritual. Voltemos ao momento em que Jesus as pronunciou; busquemos - pelo que as narrativas evangélicas nos permitam - captar em que condições interiores aquela palavra - “Fazei isto em memória de mim!” - saiu da boca do Redentor. Ele vê com clareza ao encontro do que está indo. Várias vezes falou disso, mas como ao longe. Agora, o momento chegou; não há nem mesmo o intervalo de tempo para atenuar a angústia. As palavras: “Este é o cálice do meu sangue” não deixam dúvidas. É alguém que está indo ao encontro da morte, e uma morte horrível. “Qui pridie quam pateretur...” - “Na véspera de sua Paixão...”.

E o que acontece ao seu redor? Os Apóstolos encontram o modo de discutir ainda uma vez sobre quem é o maior (Lc 22,24-27), como irmãos que brigam por dividir entre si a herança ao redor do leito de morte do próprio pai. Um deles, em poucas horas, irá vendê-lo por 30 moedas de prata: “In qua nocte tradebatur” - “Na noite em que ia ser entregue...”. Nestas condições, institui o sacramento com o qual se compromete em permanecer com os seus até o fim do mundo. Onde achar um mistério mais “tremendo e fascinante” do que este? O dia que o Senhor nos concedesse, apenas por um momento, lançar um olhar até o fim deste abismo de amor e de dor, creio que não poderíamos mais viver como antes. Isso explica porque São Pio de Pietrelcina parecia lutar na Missa e não conseguir levar a termo a Consagração.

Mas agora devemos completar a nossa releitura da Missa. Ela não é somente o Cânon com a Consagração; há também a Liturgia da Palavra e a Comunhão. Temos à disposição alguns meios que não havia no passado para valorizar a Liturgia da Palavra e fazer também dela ocasião para uma experiência do sagrado. Graças ao caminho que a Igreja tem feito nesse meio tempo em muitos campos, nós temos um acesso novo, mais direto, à Palavra de Deus. Ela pode ressoar com uma riqueza e inteligência maiores do que no passado.

A atual Liturgia é riquíssima de Palavra de Deus, disposta sabiamente, segundo a ordem da história da salvação, em um quadro de ritos frequentemente relacionados com a linearidade e simplicidade das origens. Devemos valorizar estes meios. Nada pode romper o coração do homem e lhe fazer sentir a transcendente realidade de Deus, melhor do que uma viva palavra de Deus, proclamada com fé e aderência à vida, durante a Liturgia. “A fé - afirma São Paulo - vem pelo ouvir; e o ouvir, pela palavra de Cristo”: Fides ex auditu (Rm 10,17).

Tantas palavras de Jesus, possivelmente escutadas pouco antes no Evangelho do dia, no momento da Consagração, voltam a ressoar no coração, como se pronunciadas de novo pelo seu autor vivo e realmente presente sobre o altar. Recordarei sempre o dia que, após ter comentado no Evangelho a palavra de Jesus: “Aqui está quem é mais do que Jonas; aqui está quem é mais do que Salomão” (Mt 12,41-42), ao me levantar da genuflexão após a Consagração, veio-me exclamar, dentro de mim, envolvido e cheio de estupor: “Aqui está quem é mais do que Salomão!”.

Também a leitura do Antigo Testamento, a partir da relação com o trecho evangélico, desencadeia significados novos e iluminadores. Na passagem da figura à realidade, a mente - dizia Santo Agostinho - se acende como “uma tocha em movimento” [6]. Como aos dois discípulos de Emaús, Jesus continua a nos explicar “o que, em todas as Escrituras, se referia a Ele” (Lc 24,27).

E depois, eu dizia, a Comunhão. Como a Liturgia pode fazer, também deste momento, a ocasião para uma experiência do sagrado, não apenas a nível individual, mas também comunitário? Eu diria, com o silêncio. Existem duas espécies de silêncio: um silêncio que podemos chamar ascético e um silêncio místico. Um silêncio com o qual a criatura busca se elevar até Deus e um silêncio provocado por Deus que se aproxima da criatura. O silêncio que segue a Comunhão é um silêncio místico, como aquele que se observa nas teofanias do Antigo Testamento. Após a comunhão, deveríamos repetir a nós mesmos a palavra do profeta Sofonias: “Silêncio, diante do Senhor Deus!” (Sf 1,7). Jamais deveria faltar algum momento, ainda que breve, de absoluto silêncio após a Comunhão.

A tradição católica sentiu a necessidade de prolongar e dar mais espaço a este momento de contato pessoal com o Cristo eucarístico e desenvolveu, nos séculos, sobretudo partir do séc. XIII, o culto da Eucaristia fora da Missa. Não é um culto à parte, separado e independente do sacramento; é um continuar a “fazer memória” de Cristo: dos seus mistérios e das suas palavras, um modo de “receber” Jesus sempre em maior profundidade em nossa vida. Um modo de interiorizar o mistério recebido. A adoração eucarística é o sinal mais claro de que a humildade e o esconderijo de Cristo na Eucaristia não nos fazem esquecer que estamos na presença do “Santíssimo”, daquele que, com o Pai e o Espírito Santo, criou o céu e a terra.

Onde é praticado - por paróquia, indivíduos e comunidades -, os seus frutos são visíveis, também como momento de evangelização. Uma igreja cheia de fiéis em perfeito silêncio, durante uma hora de adoração diante do Santíssimo exposto, diria a quem entrasse, por acaso, naquele momento: “Aqui está Deus!”. Recordo o comentário de um não católico, ao término de uma hora de adoração eucarística silenciosa, em uma grande igreja paroquial dos Estados Unidos, lotada de fiéis: “Agora entendo - disse ele a um amigo - o que vocês, católicos, querem dizer quando falam de presença real!”.

Se há um motivo pelo qual eu lamento o latim, é que, com o seu desaparecimento, está desaparecendo o uso de alguns cantos nascidos para estes momentos e que têm servido a gerações de fiéis de todas as línguas para expressar a sua fervorosa devoção ao Jesus da Eucaristia: o Adoro te devote, o Ave verum, o Panis angelicus. Sobrevivem quase que apenas pela música que célebres artistas escreveram para eles.

Nós, “ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4,1), e, de modos diversos, todo fiel empenhado com o culto da Igreja, poderíamos nos sentir pressionados e impotentes diante de uma tarefa tão sublime. Teríamos toda razão para isso. Como ajudar os homens de hoje a fazer, na Liturgia, uma experiência do sagrado e do sobrenatural, nós que experimentamos em nós mesmos todo o peso da carne e a sua refratariedade ao espírito? Também aqui, a resposta é sempre a mesma: “Tereis a força do Espírito Santo!”. Ele, que é definido “a alma da Igreja”, é também a alma da sua Liturgia, a luz e a força dos ritos.

É um dom que a reforma litúrgica do Vaticano II tenha posto no coração da Missa a epiclese, isto é, a invocação do Espírito Santo: primeiro sobre o pão e o vinho e depois sobre todo o corpo místico da Igreja. Tenho um grande respeito pela veneranda Oração Eucarística I, o Cânon Romano, e amo utilizá-la ainda, algumas vezes, sendo aquela com que fui ordenado sacerdote. Não posso, contudo, não notar, com pesar, a total ausência do Espírito Santo nela. No lugar da atual epiclese consecratória sobre o pão e o vinho, encontramos, aí, a fórmula genérica: “Dignai-vos, ó Pai, aceitar e santificar estas oferendas...”.

Isso também foi uma triste consequência da polêmica entre Oriente e Ocidente. No passado, levou a nós latinos a colocar o papel do Espírito Santo entre parênteses para atribuir toda a eficácia às palavras de instituição, e levou os gregos a colocar as palavras de instituição entre parênteses para atribuir toda a eficácia à ação do Espírito Santo. Como se o mistério fosse realizado por uma espécie de reação química cujo momento exato pode ser determinado.

Há, entretanto, uma pérola que o Cânon Romano transmitiu de geração em geração, e que a reforma litúrgica conservou justamente e inseriu em todas as novas orações eucarísticas: justamente a doxologia final: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória, agora e para sempre”: “Per ipsum, cum ipso et in ipso est tibi, Deo Patri omnipotenti, in unitate Spiritus Sancti, omnis honor et gloria per omnia saecula saeculorum”. Esta fórmula expressa uma verdade fundamental que São Basílio formulou no primeiro tratado escrito sobre o Espírito Santo. No plano do ser, ou da saída das criaturas de Deus, escreve que tudo parte do Pai, passa pelo Filho e chega a nós no Espírito; na ordem do conhecimento, ou do retorno das criaturas a Deus, tudo começa com o Espírito Santo, passa pelo Filho Jesus Cristo e retorna ao Pai [7]. Sendo a Liturgia o momento por excelência do retorno das criaturas a Deus, tudo nela deve partir e tomar ímpeto do Espírito Santo.

O Missal antigo continha toda uma série de orações que o sacerdote devia recitar em preparação à Missa. Hoje não poderíamos nos preparar melhor à celebração com uma breve, mas intensa, oração ao Espírito Santo, para que renove em nós a unção sacerdotal e ponha em nosso coração o mesmo impulso que pôs no coração de Cristo, para nos oferecermos ao Pai em sacrifício de suave odor? A Carta aos Hebreus diz que “em virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14). Oremos para que o que aconteceu na Cabeça aconteça também em nós, membros de seu Corpo.


Notas:
[1] cf. Rudolf Otto, O Sagrado (Das Heilige, 1917).
[2] cf. Agostinho, Confissões, VII, 10.
[3] ibid., XI, 9.
[4] cf. Mario Righetti, Storia Liturgica, vol. III (La Messa), Milano, 1966.
[5] Francisco de Assis, Carta a toda a Ordem, 26-28.
[6] cf. Agostinho, Epistula 55, 11, 21.
[7] cf. Basílio de Cesareia, Tratado sobre o Espírito Santo XVIII, 47 (PG 32, 153).

Fonte: Vatican News.

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