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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (4)

Dando continuidade ao percurso bíblico sobre a oração no Antigo Testamento, em sua 4ª Catequese o Papa Bento XVI reflete sobre a luta de Jacó. Para acessar o índice com os links para as demais Catequeses, clique aqui.

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 25 de maio de 2011
A oração (4):
Luta noturna e encontro com Deus (Gn 32,23-33)

Queridos irmãos e irmãs,
Hoje gostaria de meditar convosco sobre um texto do Livro do Gênesis que narra um episódio bastante particular da história do Patriarca Jacó. É um trecho de não fácil interpretação, mas importante para a nossa vida de fé e de oração; trata-se da narração da luta com Deus no vau do Jaboc, da qual ouvimos um trecho.

Como recordareis, Jacó tinha subtraído a primogenitura ao seu irmão gêmeo, Esaú, em troca de um prato de lentilhas, e depois obtivera com o engano a bênção do pai Isaac, já muito idoso, aproveitando-se da sua cegueira. Tendo fugido à ira de Esaú, refugiou-se na casa de um parente, Labão; casou, enriqueceu e agora voltava para a sua terra natal, pronto a enfrentar o irmão, depois de ter tomado algumas prudentes precauções. Mas quando tudo está pronto para este encontro, após levar aqueles que estavam com ele a atravessar o vau da torrente que delimitava o território de Esaú, Jacó, permanecendo só, é agredido repentinamente por um desconhecido, com o qual luta durante uma noite inteira. É precisamente este combate corpo a corpo - que encontramos no capítulo 32 do Livro do Gênesis - que se torna para ele uma experiência singular de Deus.

A luta de Jacó com o Anjo do Senhor (Rembrandt)

A noite é o tempo favorável para agir no escondimento, portanto, o melhor tempo para Jacó, para entrar no território do irmão sem ser visto e talvez com a ilusão de surpreender Esaú. Porém, é ele que é surpreendido por um ataque imprevisto, para o qual não estava preparado. Tinha usado a sua astúcia para procurar subtrair-se a uma situação perigosa e pensava que conseguiria ter tudo sob controle, e, no entanto, agora encontra-se a enfrentar uma luta misteriosa, que o surpreende na solidão e sem lhe dar a possibilidade de organizar uma defesa adequada. Inerme, no meio da noite, o Patriarca Jacó combate com alguém. O texto não especifica a identidade do agressor; utiliza um termo hebraico que indica «um homem» de modo genérico: «um, alguém»; portanto, trata-se de uma definição incerta, indeterminada, que mantém o assaltante voluntariamente no mistério. Está escuro e Jacó não consegue ver de modo distinto o seu adversário, e também para o leitor, para nós, ele permanece desconhecido; alguém se opõe ao Patriarca: este é o único dado certo oferecido pelo narrador. Só no final, quando a luta tiver terminado e aquele «alguém» tiver desaparecido, só então Jacó o mencionará e poderá dizer que lutou com Deus.

Portanto, este episódio tem lugar na obscuridade e é difícil reconhecer não apenas a identidade do agressor de Jacó, mas também qual é o andamento da luta. Lendo este trecho, é difícil estabelecer qual dos dois adversários consegue prevalecer; os verbos utilizados são muitas vezes sem um sujeito explícito, e os gestos realizam-se de modo quase contraditório, de tal forma que quando se pensa que prevalece um dos dois, a ação sucessiva desmente imediatamente e apresenta o outro como vencedor. Com efeito, no início Jacó parece ser o mais forte, e o adversário - reza o texto - «não podia vencê-lo» (v. 26); e, no entanto, atinge Jacó na articulação do fêmur, provocando-lhe uma luxação. Poderíamos pensar então que Jacó deve sucumbir, mas, ao contrário, é o outro que lhe pede para deixá-lo partir; e o Patriarca rejeita, impondo uma condição: «Não te deixarei partir, enquanto não me abençoares» (v. 27). Aquele que, com o engano, tinha defraudado o irmão da bênção do primogênito, agora pretende-a do desconhecido, cujos vestígios divinos começa a entrever, mas sem poder ainda reconhecê-lo verdadeiramente.

O rival, que parece detido e, portanto, derrotado por Jacó, em vez de se submeter ao pedido do Patriarca, pergunta-lhe o nome: «Qual é o teu nome?». E o Patriarca responde: «Jacó» (v. 28). Aqui, a luta passa por uma mudança importante. Com efeito, conhecer o nome de alguém implica uma espécie de poder sobre a pessoa, porque o nome, na mentalidade bíblica, contém em si a realidade mais profunda do indivíduo, revela o seu segredo e o seu destino. Então, conhecer o nome quer dizer conhecer a verdade acerca do outro e isto permite poder dominá-lo. Portanto, quando à pergunta do desconhecido, Jacó revela o próprio nome, coloca-se nas mãos do seu opositor, é uma forma de rendição, de entrega total de si ao outro.

Mas neste gesto de se render, paradoxalmente também Jacó é vencedor, porque recebe um nome novo, juntamente com o reconhecimento de vitória da parte do adversário, que lhe diz: «O teu nome não será mais Jacó, mas Israel, porque lutaste com Deus e com os homens, e venceste» (v. 29). «Jacó» era um nome que evocava a origem problemática do Patriarca; com efeito, em hebraico recorda o termo «calcanhar», e remete o leitor para o momento do nascimento de Jacó quando, saindo do ventre materno, segurava com a mão o calcanhar do irmão (cf. Gn 25,26), quase prefigurando a sua superação em detrimento do irmão, que realizaria quando fosse adulto; mas o nome Jacó evoca também o verbo «enganar, suplantar». Agora, na luta, o Patriarca revela ao seu opositor, em um gesto de entrega e de rendição, a própria realidade de enganador, de suplantador; mas o outro, que é Deus, transforma esta realidade negativa em positiva: Jacó, o enganador, torna-se Israel, pois recebe um nome novo que assinala uma nova identidade. Mas também aqui, a narração conserva a sua duplicidade voluntária, porque o significado mais provável do nome Israel é: «Deus é forte, Deus vence».

Portanto, Jacó prevaleceu, venceu - é o próprio adversário que o afirma - mas a sua nova identidade, recebida do próprio adversário, afirma e testemunha a vitória de Deus. E quando Jacó perguntar por sua vez o nome do seu contendente, ele rejeitará dizê-lo, mas se revelará em um gesto inequívoco, concedendo-lhe a bênção. Aquela bênção que o Patriarca tinha pedido no início da luta agora lhe é concedida. E não se trata de uma bênção obtida com o engano, mas aquela concedida gratuitamente por Deus, que Jacó pode receber porque estando sozinho, sem proteção, sem astúcias nem vigarices, se entrega inerme, aceita render-se e confessa a verdade sobre si mesmo. Assim, no final da luta, após ter recebido a bênção, o Patriarca pode finalmente reconhecer o outro, o Deus da bênção: «Porque - disse - eu vi a Deus face a face, e conservei a vida» (v. 31), e agora pode atravessar o vau, portador de um nome novo, mas «vencido» por Deus e marcado para sempre, coxeando pela ferida recebida.

As explicações que a exegese bíblica pode oferecer a propósito deste trecho são múltiplas; de modo particular, os estudiosos reconhecem nele intenções e componentes literários de vários tipos, assim como referências a certas narrações populares. Mas quando estes elementos são assumidos pelos autores sagrados e inseridos na narração bíblica, eles mudam de significado e o texto abre-se a dimensões mais amplas. Portanto, no episódio da luta de Jaboc oferece-se ao fiel um texto paradigmático em que o povo de Israel fala da própria origem e delineia as características de uma relação especial entre Deus e o homem. Por isso, como é afirmado também no Catecismo da Igreja Católica, «a tradição espiritual da Igreja viu nesta narrativa o símbolo da oração como combate da fé e vitória da perseverança» (n. 2.573). O texto bíblico fala-nos da longa noite da busca de Deus, da luta para conhecer o seu nome e para ver o seu rosto; trata-se da noite da oração que, com tenacidade e perseverança, pede a Deus a bênção e um nome novo, uma renovada realidade, fruto de conversão e perdão.

Assim, a noite de Jacó no vau do Jaboc torna-se para o fiel um ponto de referência para compreender a relação com Deus que, na oração, encontra a sua máxima expressão. A oração exige confiança, proximidade, quase em um corpo a corpo simbólico não com um Deus adversário, inimigo, mas com o Senhor que abençoa, que permanece sempre misterioso, que parece inalcançável. Por isso o autor sagrado utiliza o símbolo da luta, que implica força de espírito, perseverança e tenacidade para alcançar aquilo que se deseja. E se o objeto do desejo é a relação com Deus, a sua bênção e o seu amor, então a luta não poderá deixar de culminar no dom pessoal a Deus, no reconhecimento da própria debilidade, que vence precisamente quando consegue entregar-se nas mãos misericordiosas de Deus.

Caros irmãos e irmãs, toda a nossa vida é como esta longa noite de luta e de oração, que deve ser consumida no desejo e na busca de uma bênção de Deus, a qual não pode ser arrebatada nem vencida contando com as nossas forças, mas deve ser recebida d’Ele com humildade, como dom gratuito que enfim permite reconhecer o rosto do Senhor. E quando isto acontece, toda a nossa realidade muda, recebemos um nome novo e a bênção de Deus. E ainda mais: Jacó, que recebe um nome novo, torna-se Israel, dá um nome novo também ao lugar onde lutou com Deus, onde o interpelou; o renomeia Penuel, que significa «Face de Deus». Com este nome, reconhece aquele lugar repleto da presença do Senhor e torna sagrada aquela terra, imprimindo-lhe quase a memória daquele encontro misterioso com Deus. Aquele que se deixa abençoar por Deus abandona-se a Ele, deixa-se transformar por Ele e torna o mundo abençoado. Que o Senhor nos ajude a combater o bom combate da fé (cf. 1Tm 6,12; 2Tm 4,7) e a pedir, na nossa oração, a sua bênção para que nos renove na expectativa de ver a sua Face.

Jacó recebe um novo nome: Israel
(Mosaico da Catedral de Monreale, Itália)

Fonte: Santa Sé.

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