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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (2)

A segunda Catequese do Papa Bento XVI sobre a oração foi dedicada aos fundamentos antropológicos da oração. Para acessar a postagem com o índice de todas as Catequeses, clique aqui.

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 11 de maio de 2011
A oração (2):
O homem em oração II

Queridos irmãos e irmãs,
Hoje gostaria de continuar a meditar sobre o modo como a oração e o sentido religioso fazem parte do homem ao longo de toda a sua história.

Vivemos em uma época em que são evidentes os sinais do secularismo. Deus parece ter desaparecido do horizonte de várias pessoas ou ter se tornado uma realidade diante da qual o homem permanece indiferente. Mas vemos ao mesmo tempo muitos sinais que nos indicam um despertar do sentido religioso, uma redescoberta da importância de Deus para a vida do homem, uma exigência de espiritualidade, de superar uma visão puramente horizontal, material da vida humana. Olhando para a história recente, malogrou a previsão de quem, desde a época do Iluminismo, preanunciava o desaparecimento das religiões e exaltava uma razão absoluta, separada da fé, uma razão que teria esmagado as trevas dos dogmatismos religiosos e dissolvido o «mundo do sagrado», restituindo ao homem a sua liberdade, a sua dignidade e a sua autonomia de Deus. A experiência do século passado, com as duas trágicas guerras mundiais, pôs em crise aquele progresso que a razão autônoma, o homem sem Deus parecia poder garantir.

O homem de joelhos diante do Mistério
(Adoração Eucarística na Basílica de São Pedro)

O Catecismo da Igreja Católica afirma: «Pela criação, Deus chama todos os seres do nada à existência... Mesmo depois de, pelo pecado, ter perdido a semelhança com Deus, o homem continua a ser à imagem do seu Criador. Conserva o desejo d’Aquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham esta busca essencial do homem» (n. 2566). Poderíamos dizer - como demonstrei na última Catequese - que não houve qualquer grande civilização, desde os tempos mais longínquos até aos nossos dias, que não tenha sido religiosa.

O homem é religioso por sua natureza, é homo religiosus como é homo sapiens e homo faber: «O desejo de Deus - afirma ainda o Catecismo - está inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus» (n. 27). A imagem do Criador está impressa no seu ser, e ele sente a necessidade de encontrar uma luz para dar uma resposta às interrogações que dizem respeito ao sentido profundo da realidade; resposta que ele não pode encontrar em si mesmo, no progresso, na ciência empírica. O homo religiosus não emerge só dos mundos antigos, mas atravessa toda a história da humanidade. A este propósito, o rico terreno da experiência humana viu surgir diversificadas formas de religiosidade, na tentativa de responder ao desejo de plenitude e de felicidade, à necessidade de salvação, à busca de sentido. O homem «digital», como o das cavernas, procura na experiência religiosa os caminhos para superar a sua finitude e para assegurar a sua precária aventura terrena. De resto, a vida sem um horizonte transcendente não teria um sentido completo, e a felicidade, para a qual todos nós tendemos, está projetada espontaneamente para o futuro, para um amanhã que ainda se deve realizar.

O Concílio Vaticano II, na Declaração Nostra aetate, sublinhou-o sinteticamente: «Os homens esperam das diversas religiões uma resposta aos mais árduos problemas da condição humana que, hoje como outrora, continuam a perturbar profundamente os seus corações: o que é o homem [quem sou eu?]; qual o sentido e o fim da nossa vida; o que é o bem e o que é o pecado; qual é a origem e a finalidade do sofrimento; qual é o caminho para se obter a verdadeira felicidade; o que é a morte, o julgamento e a recompensa que hão de segui-la; e qual é, finalmente, aquele derradeiro e inefável mistério que envolve a nossa existência: de onde partimos e para onde vamos?» (n. 1). O homem sabe que não pode responder sozinho à sua necessidade fundamental de compreender. Por mais que tenha se iludido e que ainda se iluda que é autossuficiente, ele faz a experiência de que não é suficiente a si mesmo. Tem necessidade de se abrir ao outro, a algo ou a alguém que possa doar-lhe quanto lhe falta, deve sair de si mesmo rumo Àquele que é capaz de satisfazer a amplidão e a profundidade do seu desejo.

O homem tem em si uma sede de infinito, uma saudade de eternidade, uma busca de beleza, um desejo de amor, uma necessidade de luz e de verdade, que o impelem rumo ao Absoluto; o homem tem em si o desejo de Deus. E o homem sabe, de qualquer modo, que pode dirigir-se a Deus, sabe que lhe pode rezar. Santo Tomás de Aquino, um dos maiores teólogos da história, define a oração «expressão do desejo que o homem tem de Deus». Esta atração por Deus, que Ele mesmo colocou no homem, é a alma da oração, que depois se reveste de muitas formas e modalidades, segundo a história, o tempo, o momento, a graça e até o pecado de cada orante. Com efeito, a história do homem conheceu várias formas de oração, porque ele desenvolveu diversas modalidades de abertura ao Outro e ao Além, a tal ponto que podemos reconhecer a oração como uma experiência presente em cada religião e cultura.

Com efeito, estimados irmãos e irmãs, como vimos na quarta-feira passada, a oração não está ligada a um contexto particular, mas encontra-se inscrita no coração de cada pessoa e de cada civilização. Naturalmente, quando falamos da oração como experiência do homem enquanto tal, do homo orans, é necessário ter presente que ela é uma atitude interior e não só uma série de práticas e fórmulas; um modo de ser diante de Deus e não só o cumprir gestos de culto ou o pronunciar palavras. A oração tem o seu centro e afunda as suas raízes no mais profundo da pessoa; por isso não é facilmente decifrável e, pelo mesmo motivo, pode estar sujeita a mal-entendidos e a mistificações. Também neste sentido podemos entender a expressão: rezar é difícil. Com efeito, a oração é o lugar por excelência da gratuidade, da tensão para o Invisível, o Inesperado e o Inefável. Por isso, a experiência da oração é para todos um desafio, uma «graça» a invocar, um dom d’Aquele ao qual nos dirigimos.

Na oração, em cada época da história, o homem considera a si mesmo e a sua situação diante de Deus, a partir de Deus e em vista de Deus, e experimenta que é criatura carente de ajuda, incapaz de alcançar sozinho o cumprimento da própria existência e da própria esperança. O filósofo Ludwig Wittgenstein recordava que «rezar significa sentir que o sentido do mundo está fora do mundo». Na dinâmica desta relação com quem dá sentido à existência, com Deus, a oração tem uma das suas expressões típicas no gesto de se pôr de joelhos. É um gesto que contém em si uma ambivalência radical: com efeito, posso ser obrigado a pôr-me de joelhos - condição de indigência e de escravidão - mas posso também inclinar-me espontaneamente, declarando o meu limite e, portanto, o fato de que tenho necessidade de Outro. A Ele declaro que sou frágil, necessitado, «pecador». Na experiência da oração, a criatura humana exprime toda a consciência de si, tudo o que consegue captar da própria existência e, ao mesmo tempo, dirige-se inteiramente para o Ser diante do qual se encontra, orienta a própria alma para aquele Mistério do qual espera o cumprimento dos desejos mais profundos e a ajuda para superar a indigência da própria vida. Neste olhar para o Outro, neste dirigir-se «para além», está a essência da oração, como experiência de uma realidade que supera o sensível e o contingente.

Todavia, só no Deus que se revela a busca do homem encontra pleno cumprimento. A oração, que é a abertura e elevação do coração a Deus, torna-se assim relação pessoal com Ele. E mesmo que o homem se esqueça do seu Criador, o Deus vivo e verdadeiro não cessa de chamar primeiro o homem ao misterioso encontro da oração. Como afirma o Catecismo: «Na oração, é sempre o amor do Deus fiel a dar o primeiro passo; o passo do homem é sempre uma resposta. À medida que Deus se revela e revela o homem a si mesmo, a oração surge como um apelo recíproco, um drama de aliança. Através das palavras e dos atos, este drama compromete o coração e manifesta-se ao longo de toda a história da salvação» (n. 2567).

Caros irmãos e irmãs, aprendamos a deter-nos em maior medida diante de Deus, de Deus que se revelou em Jesus Cristo, aprendamos a reconhecer no silêncio, no íntimo de nós mesmos, a sua voz que nos chama e nos reconduz à profundidade da nossa existência, à fonte da vida, à nascente da salvação, para nos fazer ir além do limite da nossa vida e abrir-nos à medida de Deus, à relação com Ele, que é Amor infinito.

O Papa durante a procissão de Corpus Christi (2011)

Fonte: Santa Sé.

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