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sábado, 4 de dezembro de 2021

Homilia do Papa: Missa no Chipre

Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Chipre e à Grécia
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
“GSP Stadium”, Nicósia (Chipre)
Sexta-feira, 03 de dezembro de 2021

Observação: Foram proclamadas as leituras do dia, sexta-feira da I semana do Advento: Is 29,17-24; Sl 26 (27); Mt 9,27-31.

Quando Jesus passava, dois cegos clamam por Ele referindo a sua miséria e esperança: «Filho de Davi, tem misericórdia de nós» (Mt 9,27). «Filho de Davi» era um título atribuído ao Messias, que as profecias anunciavam ser da linhagem de Davi. Assim, os dois protagonistas do Evangelho de hoje são cegos e, contudo, veem o que mais conta: reconhecem Jesus como o Messias que veio ao mundo. Detenhamo-nos nos três passos deste encontro, que nos podem ajudar, neste caminho de Advento, a acolher por nossa vez o Senhor que vem, o Senhor que passa.

O primeiro passo: ir ter com Jesus para ser curado. O texto afirma que os dois cegos clamavam pelo Senhor, enquanto O seguiam (cf. Mt 9,27). Não O veem, mas ouvem a sua voz e seguem os seus passos. Procuram em Cristo aquilo que predisseram os profetas, ou seja, os sinais de cura e compaixão de Deus no meio do seu povo. A este respeito, escrevera Isaías: «Abrir-se-ão os olhos do cego» (Is 35,5). E noutra profecia, contida aliás na 1ª Leitura de hoje: «Livres da escuridão e das trevas, os olhos dos cegos verão» (Is 29,18). Os dois do Evangelho confiam em Jesus e seguem-No à procura de luz para os seus olhos.
E por que motivo, irmãos e irmãs, confiam em Jesus estas duas pessoas? Porque percebem que Ele, na escuridão da história, é a luz que ilumina as noites do coração e do mundo, derrota as trevas e vence toda a cegueira. Como sabemos, também nós trazemos a cegueira no coração. Também nós, como os dois cegos, somos caminhantes muitas vezes imersos nas trevas da vida. A primeira coisa a fazer é ir ter com Jesus, como Ele próprio nos pede: «Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11,28). E quem dentre nós não está de alguma forma cansado e oprimido? Todos. Todavia sentimos relutância a encaminhar-nos para Jesus; muitas vezes preferimos ficar fechados em nós mesmos, ficar sozinhos com as nossas trevas, lamentar-nos um pouco da nossa sorte, aceitando a má companhia da tristeza. Jesus é o médico: só Ele - a luz verdadeira que a todo o homem ilumina (cf. Jo 1,9) - nos dá em abundância luz, calor, amor. Só Ele liberta o coração do mal. Podemos interrogar-nos: fecho-me na escuridão da melancolia, que seca as fontes da alegria, ou vou ter com Jesus apresentando-Lhe a minha vida? Sigo Jesus, vou atrás d’Ele, clamo para Ele as minhas necessidades, entrego-Lhe as minhas amarguras? Façamo-lo; demos a Jesus a possibilidade de nos curar o coração. Este é o primeiro passo; a cura interior requer mais dois.

O segundo é suportar, juntos, as feridas. Nesta narração evangélica, não temos a cura só de um cego, como por exemplo nos casos de Bartimeu (cf. Mc 10,46-52) ou do cego de nascença (cf. Jo 9,1-41). Aqui, os cegos são dois. Vão juntos pela estrada. Juntos, partilham a pena da sua condição, juntos desejam uma luz que possa acender um clarão no coração das suas noites. O texto que ouvimos está sempre no plural, porque os dois fazem tudo juntos: ambos seguem Jesus, ambos clamam para Ele e pedem a cura; não cada um para si mesmo, mas juntos. É significativo ouvi-los dizer a Cristo: Tem misericórdia de nós. Usam «nós»; não dizem «de mim». Não pensa cada qual na própria cegueira, mas pedem ajuda juntos. Eis o sinal eloquente da vida cristã, eis o traço distintivo do espírito eclesial: pensar, falar, agir como um «nós», saindo do individualismo e da pretensão de autossuficiência que fazem adoecer o coração.
Os dois cegos ensinam-nos tanto com a partilha das suas tribulações e a sua amizade fraterna. Cada um de nós está de algum modo cego por causa do pecado, que nos impede de «ver» Deus como Pai e os outros como irmãos. O que faz o pecado é desvirtuar a realidade: faz-nos ver Deus como patrão e os outros como problemas. É a obra do tentador, que falsifica as coisas e tende a mostrá-las a nós sob uma luz negativa, para nos lançar no desconforto e na amargura. E a má tristeza, que é perigosa e não vem de Deus, aninha-se bem na solidão. Por isso não se pode enfrentar a escuridão sozinho. Se levarmos sozinhos as nossas cegueiras interiores, somos sufocados. Precisamos colocar-nos um ao lado do outro, partilhar as feridas, enfrentar juntos a estrada.
Queridos irmãos e irmãs, perante toda a escuridão pessoal e os desafios que enfrentamos na Igreja e na sociedade, somos chamados a renovar a fraternidade. Se permanecermos divididos entre nós, se cada um pensar apenas em si mesmo ou no seu grupo, se não nos relacionarmos, não dialogarmos, não caminharmos unidos, não poderemos curar-nos plenamente da cegueira. A cura verifica-se quando carregamos juntos as feridas, quando enfrentamos juntos os problemas, quando nos ouvimos e conversamos. E esta é a graça de viver em comunidade, de compreender o valor de estar juntos, de estar em comunidade. Peço, para vós, que possais estar sempre juntos, viver sempre unidos e prosseguir jubilosamente assim: irmãos cristãos, filhos do único Pai. E peço-o também para mim.

E eis o terceiro passo: anunciar o Evangelho com alegria. Depois de terem sido curados juntos por Jesus, os dois anônimos protagonistas do Evangelho, em quem nos podemos espelhar, começam a propagar a notícia por toda a região, a falar disso por todo o lado. Há um pouco de ironia no caso: Jesus recomendara-lhes que não dissessem nada a ninguém, mas eles fazem exatamente o contrário (cf. Mt 9,30-31). No entanto, compreende-se da narração que não é intenção deles desobedecer ao Senhor; simplesmente não conseguem conter o entusiasmo de terem sido curados, a alegria pelo que viveram no encontro com Ele. E aqui está outro sinal distintivo do cristão: a alegria do Evangelho, que é irreprimível, «enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus» (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 1); a alegria do Evangelho livra do risco de uma fé intimista, sisuda e lamurienta, e introduz no dinamismo do testemunho.
Caríssimos, é bom ver-vos e verificar que viveis com alegria o anúncio libertador do Evangelho. Agradeço-vos por isso. Não se trata de proselitismo (por favor, nunca façamos proselitismo), mas de testemunho; nem de um moralismo que condena (não, não façamos isto), mas de misericórdia que abraça; nem de culto exterior, mas de amor vivido. Encorajo-vos a prosseguir por este caminho: como os dois cegos do Evangelho, renovemos também nós o encontro com Jesus e saiamos de nós mesmos sem medo para O testemunhar a quantos encontramos. Saiamos levando a luz que recebemos, saiamos iluminando a noite que frequentemente nos rodeia. Irmãos e irmãs, há necessidade de cristãos iluminados, mas sobretudo luminosos, que toquem com ternura a cegueira dos irmãos; que acendam, com gestos e palavras de consolação, luzes de esperança na escuridão. Cristãos que plantem rebentos de Evangelho nos campos áridos da vida quotidiana, levem carícias às solidões do sofrimento e da pobreza.

Irmãos, irmãs, o Senhor Jesus passa... passa também pelas nossas estradas de Chipre, escuta o clamor das nossas cegueiras, quer tocar os nossos olhos, quer tocar o nosso coração, fazer-nos abrir à luz, renascer, levantar-nos interiormente: isto é o que Jesus quer fazer. E dirige também a nós a pergunta que fez àqueles cegos: «Credes que tenho poder para fazer isso?» (Mt 9,28). Cremos que Jesus possa fazer isso? Renovemos a nossa confiança n’Ele. Digamos-Lhe: Jesus, acreditamos que a vossa luz é maior do que qualquer uma das nossas trevas; cremos que Vós podeis curar-nos, que Vós podeis renovar a nossa fraternidade, que podeis multiplicar a nossa alegria; e, com toda a Igreja, Vos invocamos todos juntos: Vinde, Senhor Jesus! [Todos repetem: «Vinde, Senhor Jesus!»] Vinde, Senhor Jesus! [Todos: «Vinde, Senhor Jesus!»] Vinde, Senhor Jesus!


Fonte: Santa Sé.

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