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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Homilia do Papa: Missa na Universidade do Sagrado Coração

Santa Missa no 60° aniversário de inauguração da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade Católica do Sagrado Coração
Homilia do Papa Francisco
Hospital Universitário Agostino Gemelli
Sexta-feira, 05 de novembro de 2021

Enquanto comemoramos com gratidão o dom desta sede da Universidade Católica, gostaria de partilhar alguns pensamentos a respeito do seu nome. Ela é intitulada ao Sagrado Coração de Jesus, ao qual é dedicado este dia, a primeira sexta-feira do mês. Contemplando o Coração de Cristo, podemos deixar-nos guiar por três palavras: recordação, paixão e conforto.

Recordação. “Re-cordar” significa “retornar ao coração, retornar com o coração”. “Re-cordar”. A que o Coração de Jesus nos faz retornar? Ao que Ele fez por nós: o Coração de Cristo nos mostra Jesus que se oferece: é o compêndio da sua misericórdia. Olhando para Ele - como faz João no Evangelho (Jo 19,31-37) -, é natural fazer memória da sua bondade, que é gratuita, não se compra nem vende, e incondicional, não depende de nossas obras, é soberana. E isso nos comove. Na pressa de hoje, entre mil corridas e contínuas preocupações, estamos perdendo a capacidade de nos comover e de sentir compaixão, porque estamos perdendo este retorno ao coração, isto é, à recordação, à memória, o retorno ao coração. Sem memória se perde as raízes e sem raízes não se cresce. Faz-nos bem alimentar a memória daqueles que nos amaram, que cuidaram de nós, nos confortaram. Eu gostaria de renovar hoje meu “obrigado” pelos cuidados e pelo afeto que recebi aqui. Creio que neste tempo de pandemia nos faz bem fazer memória também dos períodos mais sofridos: não para entristecer-nos, mas para não esquecer, e para orientar-nos nas escolhas à luz de um passado muito recente.
Eu me pergunto: como funciona a nossa memória? Simplificando, poderíamos dizer que nós recordamos alguém ou alguma coisa quando nos toca o coração, quando nos remete do a um determinado afeto ou a uma falta de afeto. Pois bem, o Coração de Jesus cura a nossa memória porque reconduz ao afeto fundante. Ele a enraíza sobre a base mais sólida. Recorda-nos que, aconteça o que acontecer conosco na vida, somos amados. Sim, somos seres amados, filhos que o Pai ama sempre e em todo caso, irmãos pelos quais o Coração de Cristo bate. Cada vez que perscrutamos esse Coração nos descobrimos “enraizados e fundamentados na caridade”, como disse o Apóstolo Paulo na 1ª leitura de hoje (cf. Ef 3,17).
Cultivemos esta memória, que se reforça quando estamos frente a frente com o Senhor, sobretudo quando nos deixamos contemplar e amar por Ele na adoração. Mas podemos cultivar também entre nós a arte da recordação, valorizando [fazendo tesouro] os rostos que encontramos. Penso nos dias cansativos no hospital, na universidade, no trabalho. Corremos o risco de que tudo passe sem deixar uma marca ou que permaneçam apenas as fadigas e o cansaço. Fará bem a nós, à noite, recordar os rostos que encontramos, os sorrisos recebidos, as palavras boas. São recordações de amor e ajudam a nossa memória a reencontrar a si mesma: que a nossa memória reencontre a si mesma. Como são importantes essas recordações nos hospitais! Podem dar sentido ao dia de um enfermo. Uma palavra fraterna, um sorriso, uma carícia no rosto: são recordações que curam por dentro, fazem bem ao coração. Não esqueçamos a terapia da recordação: faz tão bem!

Paixão é a segunda palavra. Paixão. A primeira é a memória, recordar; a segunda é paixão. O Coração de Cristo não é uma devoção piedosa para sentir um pouco de calor interior, não é uma “imagenzinha” terna que suscita afeto, não, não é isso. É um Coração apaixonado - basta ler o Evangelho -, um Coração ferido de amor, dilacerado por nós na cruz. Ouvimos como o Evangelho nos fala: “Um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (Jo 19,34). Transpassado, doa; morto, nos dá vida. O Sagrado Coração é o ícone da paixão: nos mostra a ternura visceral de Deus, a sua paixão amorosa por nós e, ao mesmo tempo, sob o peso da cruz e circundado de espinhos, nos mostra quanto sofrimento custou a nossa salvação. Na ternura e na dor, esse Coração revela, em suma, qual é a paixão de Deus. Qual é? É o homem, somos nós. E qual é o estilo de Deus? Proximidade, compaixão e ternura. Este é o estilo de Deus: proximidade, compaixão e ternura.
O que sugere nos sugere isso? Que, se queremos amar realmente a Deus, devemos ser apaixonados pelo homem, por todo ser humano, sobretudo por aqueles que vivem a condição na qual o Coração de Jesus se manifestou, isto é, na dor, no abandono, no descarte, sobretudo nesta cultura do descarte na qual vivemos hoje. Quando servimos a quem sofre consolamos e alegramos o Coração de Cristo. Há uma passagem do Evangelho notável: o evangelista João, justamente no momento em que conta sobre o lado transpassado, do qual saem sangue e água, dá testemunho para que nós acreditemos (cf. Jo 19,35). Ou seja, São João escreve que naquele momento ocorre o testemunho. Porque o Coração de Deus dilacerado é eloquente. Fala sem palavras, porque é misericórdia em estado puro, amor que é ferido e dá vida. É Deus, com a proximidade, a compaixão e a ternura. Quantas palavras dizemos sobre Deus sem fazer transparecer amor! Mas o amor fala por si, não fala de si. Peçamos a graça de nos apaixonarmos pelo ser humano que sofre, de nos apaixonarmos pelo serviço, para que a Igreja, antes de ter palavras a dizer, conserve um coração que pulsa de amor. Antes de falar, que aprenda a conservar o coração no amor.

A terceira palavra é conforto. A primeira era recordação; a segunda, paixão; a terceira é conforto. Essa palavra indica uma força que não vem de nós, mas daqueles que estão conosco: dali vem a força. Jesus, o Deus conosco, nos dá esta força, o seu Coração nos dá coragem nas adversidades. Tantas incertezas nos assustam: neste tempo de pandemia nos descobrimos menores, mais frágeis. Apesar de tantos maravilhosos progressos, o que se vê também no campo médico: quantas doenças raras e desconhecidas! Quanto encontro, nas audiências, pessoas - sobretudo crianças - e pergunto: “Estás doente?” - [Respondem] “Uma doença rara”. Quantas são, hoje! Como é difícil acompanhar as patologias, as estruturas de saúde, uma saúde que seja verdadeiramente como deve ser: para todos. Podemos nos desencorajar. Por isso precisamos de conforto - a terceira palavra. O Coração de Jesus bate por nós, repetindo sempre estas palavras: “Coragem, coragem, não tenhas medo, Eu estou aqui!”. Coragem irmã, coragem irmão, não te deixes abater, o Senhor teu Deus é maior que os teus males, te toma pela mão e te acaricia, está próximo de ti, é compassivo, é terno. Ele é o teu conforto.
Se olharmos a realidade a partir da grandeza do seu Coração, a perspectiva muda, muda nosso conhecimento da vida porque, como nos recordou São Paulo, conhecemos “o amor de Cristo que supera todo conhecimento” (Ef 3,19). Encorajemo-nos com esta certeza, com o conforto de Deus. E peçamos ao Sagrado Coração a graça de sermos capazes, de nossa parte, de consolar. É uma graça que deve ser pedida, enquanto nos empenhamos com coragem a abrirmo-nos, a ajudarmo-nos, a carregar os fardos uns dos outros. Isso vale também para o futuro da saúde, particularmente da saúde “católica”: compartilhar, apoiar-se, caminhar juntos.
Jesus abra o coração dos que cuidam os enfermos à colaboração e à coesão. Ao teu coração, Senhor, confiamos a vocação ao cuidado: faz-nos sentir querida cada pessoa que se aproxima a nós na necessidade. Amém.



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