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sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Homilia do Papa: Missa com as Conferências Episcopais da Europa

Concelebração Eucarística com os participantes na Assembleia Plenária do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (C.C.E.E.)
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Pedro
Quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Temos três verbos que, hoje, nos oferece a Palavra de Deus e que nos interpelam como cristãos e pastores na Europa: refletir, reconstruir, ver.

Refletir é a primeira coisa que o Senhor convida a fazer por meio do profeta Ageu: «Refleti, no vosso coração, sobre o caminho que tomastes». Di-lo duas vezes ao povo (Ag 1,5.7). E sobre que aspectos do seu caminho devia refletir o povo de Deus? Ouçamos o que diz o Senhor: «É então tempo para vós habitardes em casas confortáveis, enquanto esta casa está em ruínas?» (v. 4). Regressado do exílio, o povo preocupara-se por arranjar as suas casas; agora se contenta com viver cômodo e tranquilo em casa, enquanto o templo de Deus está em ruínas e ninguém o reconstrói. Este convite a refletir interpela-nos: de fato, também hoje na Europa nós, cristãos, somos tentados a acomodar-nos nas nossas estruturas, nas nossas casas e nas nossas igrejas, nas nossas seguranças proporcionadas pelas tradições, na satisfação por um certo consenso, enquanto em redor os templos se esvaziam e Jesus fica cada vez mais esquecido.
Reflitamos! Quantas pessoas deixaram de ter fome e sede de Deus! Não porque sejam más, mas porque falta quem lhes abra o apetite da fé e reacenda a sede que há no coração do homem: aquela «concriada e já perpétua sede» de que fala Dante (Paraíso, II, 19) e que a ditadura do consumismo - ditadura leve, mas sufocante - tenta extinguir. Muitos são levados a sentir apenas necessidades materiais, não a falta de Deus. E com certeza preocupamo-nos com isso, mas verdadeiramente quanto nos importamos? É fácil julgar quem não crê, é cômodo elencar os motivos da secularização, do relativismo e de tantos outros ismos, mas no fundo é estéril. A Palavra de Deus leva-nos a refletir sobre nós mesmos: sentimos amizade e compaixão por quem não teve a alegria de encontrar Jesus ou a perdeu? Estamos tranquilos porque no fundo não nos falta nada para viver, ou inquietos ao ver tantos irmãos e irmãs longe da alegria de Jesus?
E o Senhor, por meio do profeta Ageu, pede ao povo para refletir sobre outra coisa. Diz assim: «Comestes mas não vos saciastes; bebestes, mas não apagastes a vossa sede; vestistes-vos, mas não vos aquecestes» (v. 6). Enfim, o povo tinha tudo o que queria, e não era feliz. Que lhe faltava? No-lo sugere Jesus com palavras que parecem recalcar as de Ageu: «Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, (…) estava nu e não me vestistes» (Mt 25,42-43). A falta de caridade causa infelicidade, porque só o amor sacia o coração. Só o amor sacia o coração. Fechados no interesse pelas próprias coisas, os habitantes de Jerusalém perderam o sabor da gratuidade. Também este pode ser o nosso problema: concentrar-se sobre as várias posições da Igreja, os debates, as agendas e estratégias, e perder de vista o verdadeiro programa que é o do Evangelho: o zelo da caridade, o ardor da gratuidade. O caminho de saída dos problemas e fechamentos é sempre o do dom gratuito; não há outro. Reflitamos nisto.

E depois de ter refletido, temos o segundo passo: reconstruir. «Reedificai a [minha] casa»: pede Deus através do profeta (Ag 1,8). E o povo reconstrói o templo. Cessa de contentar-se com um presente tranquilo, e trabalha para o futuro. E como havia gente que era contrária, diz-nos o Livro das Crónicas que trabalhavam com uma mão nas pedras, para construir, e a outra na espada, para defender este processo de reconstrução. Não foi fácil reconstruir o templo. Disto precisa a construção da casa comum europeia: deixar as conveniências do imediato para voltar à visão clarividente dos pais fundadores, uma visão - atrever-me-ia a dizer - profética e de conjunto, porque não procuravam os consensos do momento, mas sonhavam o futuro de todos. Assim foram construídas as paredes da casa europeia e só as, é verdade sim se poderão robustecer. O mesmo vale também para a Igreja, casa de Deus. Para torná-la bela e acolhedora, é necessário olhar juntos para o futuro, não restaurar o passado. Infelizmente está na moda aquele “restauracionismo” do passado que nos mata, que nos mata a todos. Sem dúvida, devemos partir dos alicerces, das raízes - isto sim, é verdade -, porque dali se reconstrói: a partir da tradição viva da Igreja, que nos alicerça sobre o essencial, ou seja, o anúncio feliz, a proximidade e o testemunho. Daqui se reconstrói: a partir dos alicerces da Igreja dos primórdios e de sempre, da adoração de Deus e do amor ao próximo, não a partir dos próprios gostos de cada um, nem dos pactos e negociações que se possam fazer agora - digamos - para defender a Igreja e defender a cristandade.
Amados Irmãos, quero agradecer-vos por este trabalho não fácil de reconstrução, que realizais com a graça de Deus. Obrigado por estes primeiros 50 anos ao serviço da Igreja e da Europa. Encorajemo-nos, sem nunca ceder ao desânimo e à resignação: somos chamados pelo Senhor a uma obra esplêndida, a trabalhar para que a sua casa seja cada vez mais acolhedora, para que cada um possa entrar e viver nela, para que a Igreja tenha as portas abertas a todos e ninguém se sinta tentado a concentrar-se apenas em olhar e trocar as fechaduras. As pequenas coisas que nos deliciam… E somos tentados. Mas não! A mudança tem de vir doutra parte, vem das raízes. A reconstrução vem doutra parte.
O povo de Israel reconstruiu o templo com as suas próprias mãos. Os grandes reconstrutores da fé do continente fizeram o mesmo - pensemos nos Padroeiros. Puseram em jogo a sua pequenez, confiando em Deus. Penso nos Santos, como Martinho, Francisco, Domingos, Pio [de Pietrelcina] que hoje comemoramos; penso nos Patronos como Bento, Cirilo e Metódio, Brígida, Catarina de Sena, Teresa Benedita da Cruz. Começaram por si mesmos, por mudar a própria vida, acolhendo a graça de Deus. Não se preocuparam com os tempos sombrios, as adversidades e qualquer divisão, que sempre existiu. Não perderam tempo a criticar e culpabilizar. Viveram o Evangelho, sem se importar com a relevância e a política. Assim, com a força suave do amor de Deus, encarnaram o seu estilo de proximidade, de compaixão e de ternura - o estilo de Deus: proximidade, compaixão e ternura - e construíram mosteiros, bonificaram terras, deram alma a pessoas e países: nenhum programa “social” (entre aspas), só o Evangelho. E com o Evangelho progrediram.
Reedificai a minha casa. O verbo está conjugado no plural. Toda a reconstrução se realiza em conjunto, sob o signo da unidade, ou seja, com os outros. Pode haver diferentes visões, mas deve-se sempre guardar a unidade. Porque, se guardarmos a graça do todo, o Senhor edifica mesmo lá onde nós não conseguimos. A graça do conjunto. Esta é a nossa chamada: ser Igreja, formar um só Corpo entre nós. É a nossa vocação, como Pastores: reunir o rebanho, não o dispersar nem mesmo preservar em belos recintos fechados. Isto é matá-lo. Reconstruir significa fazer-se artesãos de comunhão, tecedores de unidade a todos os níveis: não por estratégia, mas pelo Evangelho.

Se edificarmos desta forma, daremos aos nossos irmãos e irmãs a chance de ver: é o terceiro verbo. Aparece na conclusão do Evangelho de hoje, onde se diz que Herodes procurava «ver Jesus» (cf. Lc 9,9). Hoje, como então, fala-se muito de Jesus. Então dizia-se que «João ressuscitara dos mortos, (...) Elias aparecera, (...) um dos profetas antigos ressuscitara» (Lc 9,7-8). Todos eles mostravam apreço por Jesus, mas não compreendiam a sua novidade e encerravam-No em esquemas já vistos: João, Elias, os profetas... Jesus, porém, não pode ser classificado nos esquemas do «ouvi dizer» ou do «já visto»... Jesus sempre é novidade, sempre. O encontro com Jesus gera em ti maravilha, e se, no encontro com Jesus, não sentes esta maravilha, não encontraste Jesus
Muitos na Europa pensam que a fé seja algo já visto, que pertence ao passado. Por quê? Porque não viram Jesus em ação nas suas vidas. E muitas vezes não O viram, porque nós não O mostramos suficientemente com as nossas vidas. Pois Deus vê-Se nos rostos e nos gestos de homens e mulheres transformados pela sua presença. E se os cristãos, em vez de irradiarem a alegria contagiante do Evangelho, repropuseram esquemas religiosos gastos, intelectualistas e moralistas, as pessoas não veem o Bom Pastor. Não reconhecem Aquele que, apaixonado por cada uma das suas ovelhas, a chama pelo nome, procura-a e trá-la de volta colocando-a aos ombros. Não veem Aquele de Quem pregamos a incrível Paixão, precisamente porque Ele tem uma única paixão: o homem. Este amor divino, misericordioso e impressionante é a novidade perene do Evangelho. E pede-nos a nós, amados Irmãos, opções sábias e ousadas, feitas em nome daquela ternura louca com que Cristo nos salvou. Não nos pede para demonstrar, pede-nos para mostrar Deus, como fizeram os Santos: não por palavras, mas com a vida. Pede oração e pobreza, pede criatividade e gratuidade. Ajudemos a Europa de hoje, doente de cansaço (esta é a doença da Europa atual) a reencontrar o rosto sempre jovem de Jesus e da sua esposa. Não podemos fazer outra coisa senão dar-nos completamente a nós mesmos para que se veja esta beleza sem ocaso. 


Fonte: Santa Sé.

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