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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Os Anjos da Ponte Sant’Angelo em Roma

Os instrumentos da Paixão de Cristo - a cruz, a coroa de espinhos, os cravos... - são símbolos recorrentes na arte cristã.

No final da Idade Média, quando cresce a devoção à Paixão, estes símbolos se tornaram muito populares, sendo conhecidos como “Arma Christi”, as armas de Cristo. Com efeito, nos combates medievais o cavaleiro vencedor podia tomar para si as armas do derrotado. Assim, após sua Ressurreição, Cristo “reivindica” os instrumentos da Paixão como sinais de sua vitória sobre a morte.

É neste sentido que esses objetos aparecem em várias representações do juízo final, sustentados por anjos: estes são como que os “escudeiros” do Ressuscitado, carregando os sinais da sua vitória.

Um dos exemplos mais famosos dessa composição é a série de dez anjos que ladeiam a célebre Ponte Sant’Angelo, que conduz ao Castelo de mesmo nome em Roma.


A Ponte Sant’Angelo

O Castelo Sant’Angelo foi construído entre 130 e 139, originalmente como mausoléu para o Imperador Adriano e sua família. A ponte, que liga a construção à margem esquerda do rio Tibre, foi construída em 134.

Ainda durante o Império Romano o edifício foi convertido em fortificação militar para a defesa da cidade contra as invasões bárbaras, sendo atualmente um museu.

A Ponte e o Castelo receberam o nome de Sant’Angelo (Santo Anjo) em 590: durante uma procissão pedindo o fim de uma peste em Roma, o Papa Gregório Magno teria tido uma visão de São Miguel Arcanjo sobre o castelo guardando sua espada na bainha, indicando o final da peste.

Em 1535, no pontificado de Clemente VII, foram colocadas na entrada da ponte as estátuas de São Pedro e São Paulo, obras, respectivamente, de Lorenzetto e de Paolo Romano. Ao longo da ponte foram acrescentadas outras oito estátuas: os quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João) e quatro patriarcas do Antigo Testamento (Adão, Noé, Abraão e Moisés).

São Pedro (Lorenzetto)
São Paulo (Paolo Romano)

Em 1669, no pontificado de Clemente IX, foi realizada uma reforma na ponte, coordenada pelo célebre escultor e arquiteto Gian Lorenzo Bernini. Nesta ocasião, conservando-se as estátuas dos Apóstolos Pedro e Paulo, as oito estátuas dos Evangelistas e Patriarcas foram substituídas pelas representações de dez anjos com os instrumentos da Paixão.

As estátuas dos anjos foram elaboradas pelos alunos de Bernini. O próprio mestre, ajudado por seu filho Paolo, esculpiu os anjos com a coroa de espinhos e com a placa de Pilatos. Porém, estes foram considerados muito belos para serem colocados na ponte, expostos ao tempo. Foram então realizadas cópias e os originais foram doados à Basílica de Sant’Andrea delle Fratte, onde se conservam até hoje.

Sob cada uma das estátuas, agrupadas em cinco pares, há uma inscrição tomada da Vulgata, a tradução da Bíblia para o latim (exceto um dos anjos, cuja inscrição é tomada de um hino em honra à Paixão), como podemos ver a seguir:


Primeiro par de anjos

O primeiro anjo, à esquerda, segura os flagelos, enquanto o segundo anjo, à direita, sustenta a coluna onde Jesus foi amarrado para a flagelação (cf. Mt 27,26 e paralelos).

1. Anjo com os flagelos
Escultor: Lazzaro Morelli
Inscrição: “In flagella paratus sum” (Sl 37,18) - “Estou pronto para o flagelo”.


2. Anjo com a coluna da flagelação
Escultor: Antonio Raggi
Inscrição: “Tronus meus in coluna” (Eclo 24,4) - “Meu trono é uma coluna”.


Segundo par de anjos

O terceiro anjo (segundo à esquerda) traz a coroa de espinhos colocada na cabeça de Jesus pelos soldados após a flagelação para zombar do “rei dos judeus” (cf. Mt 27,27-31 e paral.). O quarto anjo (segundo à direita), por sua vez, traz um elemento que não aparece nos relatos evangélicos: o véu com o qual uma mulher (geralmente chamada Verônica) teria enxugado o rosto de Jesus no caminho para o Calvário.

3. Anjo com a coroa de espinhos
Escultor: Cópia de Paolo Naldini a partir do original de Bernini
Inscrição: “In aerumna mea dum configitur spina” (Sl 31,4) - “Na minha tribulação apertava-me um espinho”.


4. Anjo com o véu da Verônica
Escultor: Cosimo Fancelli
Inscrição: “Respice faciem Christi tui” (Sl 83,10) - “Vê a face do teu Cristo”.


Terceiro par de anjos

O quinto anjo (terceiro à esquerda) segura as vestes de Cristo, repartidas pelos soldados, sobre as quais repousam os dados com os quais estes jogaram, apostando a túnica (cf. Mt 27,35 e paral.). O sexto anjo (terceiro à direita), por sua vez, traz na mão os cravos com os quais Jesus foi pregado na cruz.

5. Anjo com as vestes de Cristo e os dados
Escultor: Paolo Naldini
Inscrição “Super vestem meam miserunt sortem” (Sl 21,19) - “Lançaram a sorte sobre as minhas vestes”.


6. Anjo com os cravos
Escultor: Girolamo Lucenti
Inscrição “Aspiciant ad me quem confixerunt” (Zc 12,10) - “Olharão para aquele a quem transpassaram”.


Quarto par de anjos

O sétimo anjo (quarto à esquerda) mostra-nos o “titulus crucis”, isto é, a placa encomendada por Pilatos, com a inscrição abreviada INRI: Iesus Nazarenus, Rex Iudaeorum - Jesus Nazareno, Rei dos Judeus (cf. Mt 27,37 e paral.). O oitavo anjo (quarto à direita) traz em suas mãos o principal dos instrumentos da Paixão: a própria cruz.

7. Anjo com a placa de Pilatos (INRI)
Escultor: Cópia de Bernini, com a ajuda de Giulio Cartari, a partir do seu original
Inscrição “Regnavit a ligno Deus” (Hino Vexilla regis) - “Deus reinou do madeiro”.


8. Anjo com a cruz
Escultor: Ercole Ferrata
Inscrição: “Cuius principatus super humerum eius” (Is 9,5) - “Ele recebeu o poder sobre seus ombros”.


Quinto par de anjos

O nono anjo (quinto à esquerda) porta uma vara com uma esponja na ponta, com a qual os soldados ofereceram vinagre a Jesus (cf. Mt 27,46-48 e paral.). O décimo anjo (quinto à direita), por fim, porta a lança com a qual o soldado perfurou o lado de Cristo para comprovar sua morte (cf. Jo 19,33-34).

9. Anjo com a esponja
Escultor: Antonio Giorgetti
Inscrição: “Potaverunt me aceto” (Sl 68,22) - “Deram-me vinagre para beber”.


10. Anjo com a lança
Escultor: Domenico Guidi
Inscrição: “Vulnerasti cor meum” (Ct 4,9) - “Feriste meu coração”.


Com informações da página italiana da Wikipedia. Imagens: Wikimedia Commons.

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