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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Jubileu dos Governantes no ano 2000

No dia 05 de novembro do ano 2000, durante o Grande Jubileu, o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa na Praça de São Pedro por ocasião do Jubileu dos Governantes e Parlamentares no Ano Santo.

Foi celebrada a Missa do XXXI Domingo do Tempo Comum (ano B).

Jubileu dos Governantes e Parlamentares
Homilia do Papa João Paulo II
05 de novembro de 2000

1. «Escuta, Israel!» (Dt 6,3-4).
Foi assim, de forma solene e simultaneamente amável que a palavra de Deus nos fez, há pouco, o convite para «escutar»... escutar «hoje», «agora». E convidou a fazê-lo, não singular nem privadamente, mas em conjunto: «Escuta, Israel».
Nesta manhã, tal apelo é feito de modo particular a vós, Governantes, Parlamentares, Políticos, Administradores, reunidos em Roma para celebrar o vosso Jubileu. A todos saúdo cordialmente, com menção especial aos Chefes de Estado aqui presentes.


Por meio da celebração litúrgica, atualiza-se, aqui e agora, o evento da Aliança com Deus. Que resposta espera Deus de nós? A indicação que acabamos de receber do texto bíblico proclamado é decisiva: antes de tudo, é preciso colocar-se à escuta. Não uma escuta passiva e apática. Os israelitas compreenderam, justamente, que Deus esperava deles uma resposta ativa e responsável. Por isso, prometeram a Moisés: «Tu nos contarás tudo o que te tiver dito o Senhor, nosso Deus, e nós, ouvindo-O, obedeceremos» (Dt 5,24).
Ao assumirem este compromisso, eles sabiam que estavam a tratar com um Deus de quem podiam fiar-se. Deus amava o seu povo e queria a sua felicidade. Em troca, Ele pedia amor. No «Shemá Israel», que ouvimos na 1ª leitura, ao lado do requisito da fé no único Deus, aparece o mandamento fundamental, que é o do amor a Ele: «Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças» (Dt 6,5).

2. A relação do homem com Deus não é uma relação de medo, de escravidão ou opressão; pelo contrário, é uma relação de doação serena, que nasce duma livre opção ditada pelo amor. O amor que Deus espera do seu povo é resposta ao amor fiel e carinhoso que Ele, antecipando-Se, lhes manifestou através das sucessivas etapas da história da salvação.
Por isso mesmo, os Mandamentos, mais do que um código legal e um regulamento jurídico, foram vistos pelo povo eleito como um evento de graça, como um sinal da sua pertença privilegiada ao Senhor. É significativo que Israel nunca fale da Lei como um fardo ou uma imposição, mas como um dom e um favor: «Felizes somos nós, ó Israel, porque nos foi revelado o que agrada a Deus» (Br 4,4).
O povo sabe que o Decálogo é um compromisso vinculativo, mas sabe também que é a condição para possuir a vida: “Vê - diz o Senhor -, coloco diante de ti a vida e a morte, isto é, o bem e o mal; ordeno-te que observes os meus mandamentos, para teres a vida” (cf. Dt 30,15-16.19). Pela sua Lei, Deus não pretende coagir a liberdade do homem, mas antes libertá-lo de tudo o que pode comprometer a sua autêntica dignidade e plena realização.

3. Detive-me, ilustres Governantes, Parlamentares e Políticos, a refletir sobre o sentido e o valor da Lei divina, porque é um assunto que vos diz intimamente respeito. Não é, porventura, a vossa canseira diária elaborar leis justas e fazê-las aceitar e aplicar? Fazeis isto, convencidos de prestar um importante serviço ao homem, à sociedade, à própria liberdade... e justamente. De fato, a lei humana, quando é justa, nunca é contra a liberdade, mas ao serviço dela. Tinha-o já intuído aquele sábio pagão que sentenciara: «Legum servi sumus, ut liberi esse possimus», «somos servos das leis, para podermos ser livres» (Cícero, De legibus, II, 13).
Mas, a liberdade, a que alude Cícero, situa-se principalmente ao nível das relações externas entre cidadãos. Como tal, corre o risco de ficar reduzida a um côngruo equilíbrio dos interesses de cada um, ou mesmo dos egoísmos contrapostos. Mas, a liberdade, de que fala a Palavra de Deus, afunda as próprias raízes no coração do homem, um coração que Deus pode libertar do egoísmo, tornando-o capaz de se abrir ao amor desinteressado.
Não é por acaso que, na página do Evangelho há pouco ouvida, Jesus, respondendo ao escriba que lhe pergunta qual é o primeiro de todos os mandamentos, cita o «Shemá»: «Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e de todas as tuas forças » (Mc 12,30). Ressalta o termo «todo»: o amor de Deus não pode deixar de ser «totalizante». Mas, só Deus é capaz de purificar o coração humano do egoísmo e «libertá-lo» para a plena capacidade de amar.
Um homem, com o coração assim «bonificado», pode abrir-se ao irmão e tomar cuidado dele com a mesma solicitude com que trata de si mesmo. Por isso Jesus acrescenta: «O segundo [mandamento] é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Mc 12,31). Quem ama a Deus com todo o coração e O reconhece como «único Deus» e, por conseguinte, Pai de todos, não pode deixar de ver irmãos em quantos encontra no seu caminho.

4. Amar o próximo como a si mesmo. Estou certo que esta frase encontra um eco favorável no mais íntimo de vós, amados Governantes, Parlamentares, Políticos e Administradores. Ela coloca hoje a cada um de vós, por ocasião do vosso Jubileu, uma questão central: como é possível cumprir este mandamento no vosso delicado e exigente serviço ao Estado e aos cidadãos? A resposta é clara: vivendo o compromisso político como um serviço. Perspectiva gloriosa, mas exigente! Com efeito, não pode reduzir-se a uma genérica afirmação de princípios ou à declaração de boas intenções. O serviço político requer um empenho concreto e diário, que exige uma grande competência no cumprimento do próprio dever e uma moralidade a toda a prova na gestão magnânima e transparente do poder.
Por outro lado, a coerência pessoal do político necessita de exprimir-se também numa concepção correta da vida social e política, que é chamado a servir. Sob este aspecto, um político cristão não pode deixar de fazer constantemente referência aos princípios que a doutrina social da Igreja desenvolveu ao longo do tempo. Tais princípios, como se sabe, não constituem uma «ideologia» nem um «programa político», mas oferecem as linhas fundamentais para uma compreensão do homem e da sociedade à luz da lei ética universal presente no coração de cada homem e aprofundada pela revelação evangélica (cf. Sollicitudo rei socialis, n. 41). Compete a vós, caríssimos irmãos e irmãs empenhados na política, serdes os seus intérpretes convictos e diligentes.
É certo que, na aplicação destes princípios à complexa realidade política, será frequentemente inevitável encontrar âmbitos, problemas e circunstâncias que podem legitimamente dar lugar a avaliações concretas diversas. Mas, em caso algum, se pode justificar um pragmatismo que leve, mesmo nos valores essenciais e basilares da vida social, a reduzir a política à mera mediação de interesses ou, pior ainda, a uma questão demagógica ou de cálculos eleitorais. Se é verdade que o direito não pode nem deve cobrir todo o âmbito da lei moral, há que recordar também que aquele não pode «ir» contra esta.

5. Isto assume um relevo particular nesta fase de intensas transformações, que vê surgir uma nova dimensão da política. O declínio das ideologias é acompanhado por uma crise dos partidos, o que impele a entender de outro modo a representação política e o papel das instituições. É preciso descobrir novamente o sentido da participação, envolvendo mais os cidadãos na busca dos caminhos adequados que permitam avançar para uma realização cada vez mais satisfatória do bem comum.
Neste empenho, o cristão terá cuidado em não ceder à tentação da contraposição violenta, fonte frequente de grandes sofrimentos para a comunidade. O diálogo permanece o instrumento insubstituível para todo o confronto construtivo, tanto no âmbito dos Estados como nas relações internacionais. E quem poderia assumir esta «canseira» do diálogo melhor do que o político cristão, que cada dia deve confrontar-se com aquilo que Cristo qualificou como «o primeiro» dos mandamentos, isto é, o mandamento do amor?

6. Ilustres Governantes, Parlamentares, Políticos, Administradores, numerosas e exigentes são as obrigações que, ao início do novo século e do novo milênio, esperam os responsáveis da vida pública. Foi precisamente a pensar nisto que, no contexto do Grande Jubileu, quis - como sabeis - oferecer-vos o apoio dum especial Patrono: o Santo mártir Thomas More.
A sua figura é verdadeiramente exemplar para todo o que é chamado a servir o homem e a sociedade no âmbito civil e político. O testemunho eloquente dado por ele é muito atual num momento histórico que apresenta desafios cruciais para a consciência de quem tem responsabilidades diretas na gestão da vida pública. Como estadista, ele colocou-se sempre ao serviço da pessoa, especialmente quando débil e pobre; as honras e as riquezas não o fascinaram, guiado como era por um elevado sentido da equidade. Sobretudo, ele nunca desceu a compromissos com a própria consciência, preferindo o sacrifício supremo a desobedecer à sua voz. Invocai-o, segui-o, imitai-o! A sua intercessão não deixará de obter-vos, mesmo nas situações mais árduas, fortaleza, bom humor, paciência e perseverança.
São os votos que queremos corroborar com a força do Sacrifício Eucarístico, no qual uma vez mais Cristo Se torna alimento e guia da nossa vida. O Senhor vos conceda ser políticos segundo o seu Coração, êmulos de São Thomas More, que foi testemunha corajosa de Cristo e servidor integérrimo do Estado.

Note-se a imagem de São Thomas More no balcão central da Basílica

Fonte: Santa Sé.

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