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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Jubileu do Mundo Agrícola no ano 2000

No dia 12 de novembro do ano 2000 o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa do XXXII Domingo do Tempo Comum (ano B) na Praça de São Pedro por ocasião do Jubileu do Mundo Agrícola no Ano Santo.

Jubileu do Mundo Agrícola
Homilia do Papa João Paulo II
12 de novembro de 2000

1. O Senhor mantém a sua fidelidade para sempre (Sl 145,6).
Caríssimos irmãos e irmãs, é precisamente para decantar esta fidelidade do Senhor, que acabou de ser evocada pelo salmo responsorial, que hoje vos encontrais aqui para o vosso Jubileu.
Rejubilo-me por este vosso bonito testemunho, há pouco interpretado e expresso por Dom Fernando Charrier, a quem agradeço de coração. Dirijo uma deferente saudação também às personalidades que quiseram manifestar a sua adesão, em representação de vários Estados e sobretudo das Organizações e dos Organismos das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.
Depois, o meu pensamento dirige-se aos representantes e membros da “Coldiretti” e das outras organizações de agricultores aqui presentes, assim como aos membros das federações de panificadores, das cooperativas agrícola-alimentares e da União Florestal da Itália. Diletos irmãos e irmãs, a vossa presença tão numerosa faz-nos sentir vivamente a unidade da família humana e a dimensão universal da nossa oração, oferecida ao único Deus, Criador do universo e fiel ao homem.


2. A fidelidade de Deus! Para vós, homens do mundo agrícola, esta é uma experiência quotidiana, constantemente reiterada na observação da natureza. Conheceis a linguagem do solo e das sementes, das ervas e das árvores, dos frutos e das flores. Nas paisagens mais diversificadas, das asperezas das montanhas às planícies irrigadas, debaixo dos céus mais variados, esta linguagem tem o seu fascínio, que vos é muito familiar. Nesta linguagem, divisais a fidelidade de Deus às palavras que Ele mesmo pronunciou no terceiro dia da criação: “A terra produza relva, ervas que produzam semente, e árvores que deem frutos” (Gn 1,11). No movimento da natureza, sereno e silencioso mas rico de vida, continua a palpitar a delícia originária do Criador: “E Deus viu que era bom!” (v. 12).

Sim, o Senhor é fiel para sempre. E vós, peritos nesta linguagem de fidelidade, linguagem antiga e sempre nova, sois naturalmente os homens do “obrigado”. O vosso prolongado contato com a maravilha dos produtos da terra faz com que compreendais que estes são um dom inexaurível da Providência Divina. Por isso a vossa jornada anual é, por excelência, o “dia do agradecimento”. De resto, neste ano ela adquire um valor espiritual mais elevado, inserindo-se no Jubileu que celebra os dois mil anos do nascimento de Cristo. Viestes aqui para dar graças pelos frutos da terra mas, em primeiro lugar, para reconhecer n'Ele o Criador e também o fruto mais belo desta nossa terra, “fruto” do seio de Maria, o Salvador da humanidade e, num certo sentido, do próprio “cosmos”. Com efeito, como diz São Paulo, a criação “tem gemido e sofrido dores de parto” e nutre a esperança de ser liberta “da escravidão da corrupção” (Rm 8,21-22).

3. Caríssimos homens e mulheres que trabalhais na agricultura, o “gemido” da terra leva-nos com o pensamento ao vosso trabalho, tão importante e contudo não desprovido de dificuldades e transtornos. No trecho que escutamos, tirado do Livro dos Reis, recorda-se uma típica situação de sofrimento devido à seca. Provado pela fome e pela sede, o profeta Elias é o protagonista e ao mesmo tempo o beneficiador de um milagre da generosidade. Cabe a uma pobre viúva socorrê-lo, dividindo com ele o último punhado de farinha e as últimas gotas do seu óleo; a sua generosidade abre o coração de Deus, a tal ponto que o profeta pode anunciar: “A farinha do receptáculo não se esgotará e o cântaro do óleo não se esvaziará, enquanto o Senhor não fizer chover sobre a terra”.
A cultura do mundo agrícola caracteriza-se desde sempre pelo sentido do risco que incumbe sobre as colheitas em virtude das imprevisíveis adversidades atmosféricas. Mas hoje, às dificuldades tradicionais acrescentam-se com frequência ainda outras, devidas à negligência do homem. A atividade agrícola dos nossos tempos teve de assumir as consequências da industrialização e do desenvolvimento nem sempre ordenado das áreas urbanas, do fenômeno da poluição atmosférica e da degradação ecológica, do descarte de resíduos tóxicos e do desmatamento. Não obstante confie sempre na ajuda da Providência, o cristão não pode deixar de assumir iniciativas responsáveis para fazer com que se respeite e se promova o valor da terra. É necessário que o trabalho agrícola seja cada vez melhor organizado e sustentado por previdências sociais que o recompensem plenamente do cansaço que comporta e da utilidade verdadeiramente notável que o distingue. Se o mundo da técnica mais requintada não se reconcilia com a linguagem simples da natureza num equilíbrio salutar, a vida do homem correrá riscos sempre maiores, dos quais desde agora vemos sintomas preocupantes.

4. Portanto, caríssimos irmãos e irmãs, agradecei ao Senhor mas ao mesmo tempo sede orgulhosos da tarefa que a vossa atividade vos confia. Trabalhai de maneira a resistir às tentações da produtividade e do lucro que não têm em conta o respeito da natureza. Deus confiou a terra ao homem, “para que a cultive e a guarde” (cf. Gn 2,15). Se o homem se esquecer deste princípio e se fizer, em vez de guardião, tirano da natureza, mais cedo ou mais tarde ela se revoltará.
Mas compreendeis bem, caríssimos, que este princípio de ordem, que vale tanto para o trabalho agrícola como para qualquer outro setor da atividade humana, se arraiga no coração do homem. Então, precisamente o coração” é o primeiro terreno a cultivar. E não é por acaso que quando Jesus quer explicar a obra da Palavra de Deus, se serve, mediante a parábola do semeador, de um exemplo iluminador tirado do mundo agrícola. A Palavra de Deus é uma semente destinada a produzir fruto abundante, mas infelizmente cai com frequência em terreno pouco adequado, onde os pedregulhos ou as ervas daninhas e os espinhos - múltiplas expressões do nosso pecado - a impedem de radicar-se e desenvolver-se (cf. Mt 13,3-23 e paralelos). Por conseguinte, dirigindo-se precisamente a um agricultor, um Padre da Igreja admoesta: “Então, quando estás no campo e contemplas a tua fazenda, considera que inclusive tu mesmo és campo de Cristo e presta atenção tanto a ti como ao teu campo. A mesma beleza que tu exiges que o teu lavrador ofereça ao teu campo, realiza-a também tu ao Senhor Deus no cultivo do teu coração...” (São Paulino de Nola, Carta 39, 3 ad Apro et Amanda).
É em virtude deste “cultivo do espírito” que hoje vos encontrais aqui para celebrar o Jubileu. Antes ainda do vosso compromisso profissional, apresentais ao Senhor o trabalho quotidiano da purificação do vosso coração: obra exigente, que jamais conseguiremos levar a cabo sozinhos. A nossa força é Cristo, de quem a Carta aos Hebreus há pouco nos recordou que “se manifestou uma vez por todas no fim dos tempos, para abolir o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb 9,26).

5. Este sacrifício, realizado no Gólgota uma vez para sempre, atualiza-se para nós cada vez que celebramos a Eucaristia. Nela Cristo torna-se presente com o seu Corpo e o seu Sangue, para se fazer nosso alimento.
Como deve ser significativo para vós, homens do mundo agrícola, contemplar no altar este milagre, que coroa e sublima as próprias maravilhas da natureza! Não é porventura um milagre diário o que se realiza quando uma semente se transforma em espiga, da qual amadurecem muitos grãos para serem moídos e depois se tornarem pão? Não é acaso um milagre da natureza o cacho de uvas suspenso nos ramos da videira? Já tudo isto traz consigo misteriosamente o sinal de Cristo, uma vez que “tudo isto foi feito por meio d'Ele e, de tudo o que existe, nada foi feito sem Ele” (Jo 1,3). Porém, ainda maior é o evento da graça, com que a Palavra e o Espírito de Deus transformam o pão e o vinho, “fruto da terra e do trabalho do homem”, em Corpo e Sangue do Redentor. A graça jubilar que viestes implorar não é senão a superabundância da graça eucarística, força esta que nos subleva e nos purifica profundamente, inserindo-nos em Cristo.

6. Diante desta graça, a atitude a assumir é-nos sugerida pelo Evangelho com o exemplo da viúva pobre, que ao tesouro acrescenta apenas algumas moedas, mas na realidade dá mais porque não oferece do que lhe é supérfluo, mas dá “tudo o que possuía para viver” (Mc 12,44). Assim, esta mulher desconhecida coloca-se nas pegadas da viúva de Sarepta, que abrira a sua casa e oferecera a sua mesa a Elias. Ambas são sustentadas pela confiança no Senhor. Ambas haurem da fé a força de uma caridade heroica.
Elas convidam-nos a abrir de par em par a nossa celebração jubilar para os horizontes da caridade, olhando para todos os pobres e necessitados do mundo. Aquilo que fizermos ao mais pequenino destes, tê-lo-emos feito a Cristo (cf. Mt 25,40).
E como se pode esquecer que precisamente o âmbito do trabalho agrícola conhece situações que nos interpelam profundamente? Povos inteiros, que vivem sobretudo do trabalho agrícola nas regiões economicamente menos desenvolvidas, encontram-se em situações de indigência. Vastas regiões são devastadas pelas frequentes calamidades naturais. E por vezes a estas desgraças acrescentam-se as consequências das guerras que, além de provocarem vítimas, ceifam destruição, despovoam territórios férteis e até mesmo os abandonam semeados de engenhos bélicos e de substâncias nocivas.

7. O Jubileu nasceu em Israel como tempo de reconciliação e de redistribuição dos bens. Sem dúvida, acolher hoje esta mensagem não pode significar limitar-se a um pequeno óbolo. É necessário contribuir para uma cultura da solidariedade que, também a níveis da política e da economia, tanto nacionais como internacionais, faça promover iniciativas generosas e eficazes, em vantagem dos povos menos afortunados.
Hoje, na nossa oração queremos recordar-nos de todos estes irmãos, comprometendo-nos em traduzir de novo o nosso amor por eles em solidariedade operosa, a fim de que todos sem exceção possam gozar os frutos da “terra-mãe” e levar uma vida digna dos filhos de Deus.


Fonte: Santa Sé.

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