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quinta-feira, 16 de julho de 2020

VI Catequese do Papa João Paulo II sobre a Eucaristia

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 08 de novembro de 2000
A Eucaristia, sacramento de unidade

 Caríssimos irmãos e irmãs:
1. “Sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade!”. A exclamação de Santo Agostinho no seu comentário ao Evangelho de João (In Johannis Evangelium 26, 13) reúne idealmente e sintetiza as palavras que Paulo dirigiu aos Coríntios e que há pouco escutamos: “E como há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, pois, participamos todos desse único pão” (1Cor 10,17). A Eucaristia é o sacramento e a fonte da unidade eclesial. E isto foi reafirmado desde as origens da tradição cristã, baseando-se precisamente no sinal do pão e do vinho. Assim, na Didaqué, um escrito composto nos primórdios do cristianismo, afirma-se: “Da mesma forma que este pão partido se tinha dispersado pelos montes e, recolhido, se tornou uma só realidade, de igual modo se congregue no teu reino a tua Igreja, desde os confins da terra” (9,1).

2. São Cipriano, Bispo de Cartago, fazendo eco no século III a estas palavras, afirma: “Os próprios sacrifícios do Senhor põem em evidência a unanimidade dos cristãos, confirmada com sólida e indivisível caridade. Pois, quando o Senhor chama ao seu corpo o pão composto pela união de muitos grãos, indica o nosso povo reunido, que Ele sustenta; e quando chama ao seu sangue o vinho espremido de muitos cachos e bagos e depois fundido, indica de modo semelhante o nosso rebanho composto de uma multidão unida num só conjunto” (Ep. ad Magnum 6). Este simbolismo eucarístico em relação à unidade da Igreja volta com frequência nos Padres e nos teólogos da escolástica. “O Concílio de Trento resumiu esta doutrina, ensinando que o nosso Salvador deixou a Eucaristia à sua Igreja ‘como símbolo da unidade desta e da caridade que Ele quis que unisse intimamente todos os cristãos uns aos outros’, ‘mais ainda, como símbolo daquele único corpo, de que Ele é a Cabeça’” (Paulo VI, Mysterium fidei:  Ench. Vat., 2, 424; cf. Conc. Trid., Decr. de SS. Eucharistia, Proêmio e c. 2). O Catecismo da Igreja Católica sintetiza com eficácia: ‘Os que recebem a Eucaristia são mais intimamente unidos a Cristo. Por ela, Cristo une todos os fiéis num único Corpo: a Igreja” (n. 1396).

3. Esta doutrina tradicional está fortemente arraigada na Escritura. Paulo, no trecho já citado da Primeira Carta aos Coríntios, desenvolveu-a partindo de um tema fundamental, o da koinonia, isto é, da comunhão que se instaura entre o fiel e Cristo na Eucaristia. “O cálice da bênção que abençoamos não é comunhão (koinonia) com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão (koinonia) com o corpo de Cristo?” (10,16). Esta comunhão é descrita com mais clareza, no evangelho de João, como uma relação extraordinária de “interioridade recíproca”: “Ele em mim e eu n'Ele”. De fato, Jesus declara na sinagoga de Cafarnaum: “Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue vive em Mim e Eu nele” (Jo 6,56).
É um tema que será sublinhado também nos discursos da Última Ceia mediante o símbolo da videira: o ramo só é verdejante e frutífero se estiver enxertado no tronco da videira, da qual recebe linfa e sustento (cfJo 15,1-7). Doutra forma, é só um ramo seco e destinado ao fogo:  aut vitis aut ignis, “ou a videira ou o fogo”, comenta de modo lapidar Santo Agostinho (In Johannis Evangelium 81, 3). Delineia-se aqui uma unidade, uma comunhão, que se realiza entre o fiel e Cristo presente na Eucaristia, tendo como base o princípio que Paulo formula desta maneira: “Os que comem as vítimas sacrificadas, não estão em comunhão com o altar?” (1Cor 10,18).

4. Esta comunhão-koinonia de tipo “vertical”, porque nos une ao mistério divino, gera ao mesmo tempo uma comunhão-koinonia que podemos definir “horizontal”, ou seja, eclesial, fraterna, capaz de unir num vínculo de amor todos os participantes da mesma mesa. “Embora muitos, somos um só corpo - recorda-nos Paulo - pois participamos todos desse único pão” (1Cor 10,17). O discurso sobre a Eucaristia antecipa a grande reflexão eclesial que o Apóstolo desenvolverá no capítulo 12 da mesma Carta, quando falará do Corpo de Cristo na sua unidade e multiplicidade. Também a célebre descrição da Igreja de Jerusalém, oferecida por Lucas nos Atos dos Apóstolos, delineia esta unidade fraterna ou koinonia, pondo-a em conexão com a fração do pão, isto é, com a Celebração Eucarística (cfAt 2,42). É uma comunhão que se realiza a nível concreto da história: “Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações (...) Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas” (At 2,42.44).

5. Renega-se por isso o significado profundo da Eucaristia, quando ela é celebrada sem ter em consideração as exigências da caridade e da comunhão. Paulo é severo com os coríntios porque, quando se reúnem, “o que fazem não é comer a Ceia do Senhor” (1Cor 11,20), por causa das divisões, das injustiças, dos egoísmos. Nesse caso, a Eucaristia já não é ágape, ou seja, expressão e fonte de amor. E quem participa de modo indigno, sem fazer com que ela se transforme em caridade fraterna, “come e bebe a própria condenação” (11,29). “Se é verdade que a vida cristã se exprime no cumprimento do maior mandamento, ou seja, no amor de Deus e do próximo, este amor tem a sua fonte exatamente no Santíssimo Sacramento, que comumente é chamado Sacramento do Amor” (Dominicae coenae, 5). A Eucaristia recorda, torna presente e gera esta caridade.
Acolhamos, então, o apelo do Bispo e mártir Inácio que exortava à unidade os fiéis de Filadélfia, na Ásia Menor: “Uma só é a carne de nosso Senhor Jesus Cristo, um só é o cálice na unidade do seu sangue, um só é o altar, assim como um só é o Bispo” (Ep. ad Philadelphenses 4). E com a Liturgia oremos a Deus Pai: “Concedei-nos, com o Corpo e o Sangue do vosso Filho, ser repletos do Espírito Santo e tornar-nos em Cristo um só corpo e um só espírito” (Oração Eucarística III).


Fonte: Santa Sé

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