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quinta-feira, 2 de julho de 2020

IV Catequese do Papa João Paulo II sobre a Eucaristia

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 18 de outubro de 2000
A Eucaristia, banquete de comunhão com Deus

Queridos irmãos e irmãs,
1. “Tornamo-nos Cristo. Com efeito, se Ele é a cabeça e nós os seus membros, o homem total é Ele e nós” (Agostinho, Tractatus in Io. 21, 8). Estas audaciosas palavras de Santo Agostinho exaltam a comunhão íntima que, no mistério da Igreja, se cria entre Deus e o homem, uma comunhão que, no nosso caminho histórico, encontra o seu sinal mais excelso na Eucaristia. Os imperativos: “Tomai e comei... Bebei dele...” (Mt 26,26-27) que Jesus dirige aos seus discípulos naquela sala no andar de cima de uma casa de Jerusalém, na última noite da sua vida terrena (cf. Mc 14,15), são densos de significado. Já o valor simbólico universal do banquete, oferecido no pão e no vinho (cf. Is 25,6), remete para a comunhão e a intimidade. Elementos ulteriores mais explícitos exaltam a Eucaristia como convite de amizade e de aliança com Deus. Com efeito, ela como o Catecismo da Igreja Católica recorda é “ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrifical em que se perpetuam o sacrifício da Cruz e o banquete sagrado da comunhão do Corpo e Sangue do Senhor” (n. 1382).

2. Como no Antigo Testamento o santuário móvel do deserto se chamava “tenda da reunião”, isto é, do encontro entre Deus e o seu povo e dos irmãos de fé entre si, a antiga tradição cristã chamou “sinaxe”, isto é, “reunião”, à Celebração Eucarística. Nela “manifesta-se a natureza profunda da Igreja, comunidade dos convocados à sinaxe para celebrar o dom d'Aquele que é oferente e oferta:  eles, participando nos Santos Mistérios, tornam-se ‘consanguíneos’ de Cristo, antecipando a experiência da divinização no laço, já inseparável, que em Cristo liga divindade e humanidade” (Orientale lumen, 10).
Se quisermos aprofundar o sentido genuíno deste mistério de comunhão entre Deus e os fiéis, devemos retornar às palavras de Jesus na última Ceia. Elas remetem para a categoria bíblica da “aliança”, evocada precisamente através da conexão do sangue de Cristo com o sangue sacrifical derramado no Sinai: “Este é o Meu sangue, o sangue da aliança” (Mc 14,24). Moisés declarara: “Eis o sangue da aliança” (Êx 24,8). A aliança prenunciava a nova Aliança, da qual deriva - para usar uma expressão dos Padres gregos - como que uma consanguinidade entre Cristo e o fiel (cf. Cirilo de Alexandria, In Johannis Evangelium XI; João Crisóstomo, In Matthaeum hom. LXXXII, 5).

3. São sobretudo as teologias joanina e paulina que exaltam a comunhão do fiel com Cristo na Eucaristia. No discurso na sinagoga de Cafarnaum, Jesus diz explicitamente: “Eu sou o pão vivo, descido do céu. Se alguém comer deste pão, viverá eternamente” (Jo 6,51). O inteiro texto daquele discurso tem em vista ressaltar a comunhão vital que se estabelece na fé, entre Cristo pão de vida e aquele que o come. Em particular, aparece o verbo grego do quarto evangelho para indicar a intimidade mística entre Cristo e o discípulo, ménein, “permanecer, ficar”: “Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue fica em Mim e Eu nele” (Jo 6,56; cf. 15,4-9).

4. O vocábulo grego da “comunhão”, koinonia, emerge depois na reflexão da Primeira Carta aos Coríntios, onde Paulo fala dos banquetes sacrificais da idolatria, qualificando-os como “mesa dos demônios” (1Cor 10,1), e exprime um princípio válido para todos os sacrifícios: “Os que comem os sacrifícios são participantes do altar” (10,18). Deste princípio o Apóstolo faz uma aplicação positiva e luminosa em relação à Eucaristia: “O cálice de bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão (koinonia) do corpo de Cristo? (...) Todos nós participamos do mesmo pão” (10,16-17). “A participação na Eucaristia, sacramento da Nova Aliança, é o ápice da assimilação a Cristo, fonte de vida eterna, princípio e força do dom total de si” (Veritatis splendor, 21).

5. Esta comunhão com Cristo gera, portanto, uma íntima transformação do fiel. São Cirilo de Alexandria delineia de modo eficaz este evento, mostrando a sua ressonância na existência e na história: “Cristo forma-nos segundo a sua imagem, de maneira que os traços da sua natureza divina resplandeçam em nós através da santificação, da justiça e da vida boa e conforme às virtudes. A beleza desta imagem resplandece em nós que estamos em Cristo, quando nos mostramos homens bons nas obras” (Tractatus ad Tiberium Diaconum sociosque, II, Responsiones ad Tiberium Diaconum sociosque, em: In divi Johannis Evangelium, vol. III, Bruxelas, 1965, p. 590). “Ao participar no sacrifício da Cruz, o cristão comunga do amor de doação de Cristo, ficando habilitado e comprometido a viver esta mesma caridade em todas as suas atitudes e comportamentos de vida. Na vida moral, revela-se e atua-se ainda o serviço régio do cristão” (Veritatis splendor, 107). Esse serviço real tem a sua raiz no batismo, e o seu florescimento, na comunhão eucarística. Por conseguinte, a via da santidade, do amor e da verdade é a revelação ao mundo da nossa intimidade divina, atuada no banquete da Eucaristia.
Deixemos que o nosso desejo da vida divina oferecida em Cristo se exprima com os acentos candentes de um grande teólogo da Igreja armênia, Gregório de Narek (séc. X):  “Não é dos seus dons, mas do Dador que tenho sempre nostalgia. Não é a glória a que aspiro, mas é o Glorificado que quero abraçar... Não é o repouso que procuro, mas o rosto d'Aquele que dá o descanso que eu peço, suplicando. Não é pelo banquete nupcial, mas pelo desejo do Esposo que anelo” (XII Oração).


Fonte: Santa Sé

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