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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Celebração no Monte Sinai - Jubileu 2000

No dia 26 de fevereiro do ano 2000, no contexto de sua peregrinação aos lugares da história da salvação por ocasião do Grande Jubileu, o Papa João Paulo II presidiu uma Celebração da Palavra no Mosteiro de Santa Catarina junto ao Monte Sinai.

Confira sua homilia na ocasião:

Celebração da Palavra no Monte Sinai
Homilia do Papa João Paulo II 
Mosteiro de Santa Catarina, Monte Sinai
 26 de fevereiro de 2000

Caríssimos irmãos e irmãs!
1. Neste ano do Grande Jubileu a nossa fé impele-nos a tornar-nos peregrinos na esteira de Deus. Contemplamos a via que Ele percorreu no tempo, revelando ao mundo o mistério magnífico do seu amor fiel por toda a humanidade. Hoje, com grande alegria e profunda emoção, o Bispo de Roma é peregrino no Monte Sinai, atraído por este monte santo que se ergue como monumento majestoso àquilo que Deus aqui revelou. Aqui revelou o seu Nome! Aqui deu a sua Lei, os Dez Mandamentos da Aliança!
Inúmeros foram os que vieram a este lugar antes de nós! Aqui o Povo de Deus acampou (cf. Ex 19,2); aqui o profeta Elias encontrou refúgio, numa caverna (cf. 1Rs 19,9); aqui o corpo da mártir Catarina encontrou o repouso eterno; aqui multidões de peregrinos, ao longo dos séculos, escalaram aquela que São Gregório de Nissa definiu a “montanha do desejo” (Vida de Moisés, II, 232); aqui gerações de monges velaram e oraram. Nós seguimos com humildade as suas pegadas, no “solo santo” onde o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó ordenou a Moisés que libertasse o seu povo (cf. Ex 3,5-8).

O Papa venera uma cruz durante a celebração no Monte Sinai

2. Deus revela-se de modos misteriosos, como o fogo que não se consome, segundo uma lógica que desafia tudo aquilo que conhecemos e que esperamos. É o Deus que ao mesmo tempo está próximo e distante; está no mundo, mas não é do mundo. É o Deus que vem ao nosso encontro, mas que não será possuído. Ele é “Eu sou Aquele que sou”, o abismo divino no qual essência e existência são uma só coisa! É o Deus que é o Ser em si mesmo! Diante desse mistério, como podemos deixar de “tirar as sandálias”, como Ele ordena, e não adorá-lo neste solo sagrado?
Aqui, no Monte Sinai, a verdade de “quem é Deus” tornou-se fundamento e garantia da Aliança. Moisés entra na “obscuridade luminosa” (Vida de Moisés, II, 164), e neste lugar foi-lhe dada a lei escrita “pelo dedo de Deus” (Ex 31,18). O que é esta lei? É a lei da vida e da liberdade!
Junto do Mar Vermelho o povo experimentara uma grande libertação. Tinha visto a força e a fidelidade de Deus, descobrira que Ele é o Deus que, na realidade, torna livre o seu povo, como havia prometido. Contudo, agora no cume do Sinai, este mesmo Deus sela o seu amor estreitando a Aliança, à qual jamais renunciará. Se o povo observar a Sua lei, conhecerá a liberdade para sempre. O Êxodo e a Aliança não são simplesmente eventos do passado, eles são o destino eterno de todo o Povo de Deus!

3. O encontro entre Deus e Moisés neste Monte conserva no coração da nossa religião o mistério da obediência que nos torna livres, que encontra o seu cumprimento na obediência perfeita de Cristo na Encarnação e na Cruz (cf. Fl 2,8; Hb 5,8-9). Também nós seremos verdadeiramente livres se aprendermos a obedecer como fez Jesus (cf. Hb 5,8).
Os Dez Mandamentos não são a imposição arbitrária de um Senhor tirânico. Eles foram escritos na pedra, mas antes de tudo foram impressos no coração do homem como Lei moral universal, válida em todos os tempos e lugares. Hoje como sempre, as Dez Palavras da lei fornecem a única base autêntica para a vida dos indivíduos, das sociedades e nações; hoje como sempre, elas são o único futuro da família humana. Salvam o homem da força destruidora do egoísmo, do ódio e da mentira. Evidenciam todos os falsos bens que o arrastam para a escravidão:  o amor de si mesmo até à exclusão de Deus, a avidez do poder e do prazer que subverte a ordem da justiça e degrada a nossa dignidade humana e a do nosso próximo. Se nos afastarmos desses falsos ídolos e seguirmos a Deus que torna livre o seu povo e permanece com ele, então emergiremos como Moisés, depois de quarenta dias na montanha, “resplandecentes de glória” (São Gregório de Nissa, Vida de Moisés, II, 230), abrasados pela luz de Deus!
Observar os Mandamentos significa ser fiéis a Deus, mas significa também ser fiéis a nós mesmos, à nossa autêntica natureza e às nossas mais profundas aspirações. O vento que ainda hoje sopra do Sinai recorda-nos que Deus deseja ser honrado nas suas criaturas e no crescimento delas:  “Gloria Dei, homo vivens. Neste sentido, aquele vento traz um convite insistente ao diálogo entre os seguidores das grandes religiões monoteístas, no seu serviço à família humana. Sugere que em Deus podemos encontrar o ponto do nosso encontro: em Deus, o Onipotente e Misericordioso, Criador do universo e Senhor da História, que no final da nossa existência terrena nos julgará com justiça perfeita.

4. A leitura do Evangelho que acabamos de escutar, sugere que o Sinai encontra o seu cumprimento noutra montanha, o Monte da Transfiguração, onde Jesus aparece aos seus Apóstolos resplandecente da glória de Deus. Moisés e Elias estão com Ele para testemunhar que a plenitude da revelação de Deus se encontra em Cristo glorificado.
No Monte da Transfiguração, Deus fala de uma nuvem, como fez no Sinai. Contudo, agora Ele diz: “Este é o Meu Filho muito amado:  Escutai-O!” (Mc 9,7). Ordena-nos que escutemos o Seu Filho, porque “ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho O quiser revelar” (Mt 11,27). Desse modo, aprendemos que o verdadeiro nome de Deus é Pai! O nome que supera todos os outros nomes:  Abbá! (cf. Gl 4,6). Em Jesus aprendemos que o nosso verdadeiro nome é filho, filha! Aprendemos que o Deus do Êxodo e da Aliança torna livre o seu Povo porque é constituído de filhos e filhas, criados não para a escravidão, mas para “a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8,21).
Por isso, quando São Paulo escreve que nós, “mediante o corpo de Cristo, morremos para a lei” (Rm 7,4), não deseja dizer que a Lei do Senhor tenha passado. Quer significar que os Dez Mandamentos agora se fazem ouvir através da voz do Filho predileto. A pessoa que se tornou livre mediante Jesus Cristo é consciente de estar ligada não exteriormente por uma multidão de prescrições, mas interiormente pelo amor que se arraigou de modo profundo no seu coração. Os Dez Mandamentos são a lei da liberdade:  não a liberdade de seguir as nossas paixões cegas, mas a liberdade de amar, de escolher aquilo que é bom em qualquer situação, mesmo quando fazê-lo seja um peso. Não obedecemos a uma lei impessoal; aquilo que se pede é que nos sujeitemos com amor ao Pai mediante Jesus Cristo, no Espírito Santo (cf. Rm 6,14; Gl 5,18). Ao revelar-se a Si mesmo no Monte e tendo entregue a sua Lei, Deus revelou o homem ao homem. O Sinai está no centro da verdade sobre o homem e sobre o seu destino.

5. Na busca desta verdade, os monges deste Mosteiro montaram a sua tenda à sombra do Sinai. O Mosteiro da Transfiguração e de Santa Catarina tem todos os sinais do tempo e do tumulto humano, mas constitui um indômito testemunho do amor e da sabedoria divinos. Durante séculos, monges de todas as tradições cristãs viveram e oraram juntos neste mosteiro, escutando a Palavra, na qual habita a plenitude da sabedoria e do amor do Pai. Precisamente neste Mosteiro São João Clímaco escreveu A Escada do Paraíso, uma obra-prima espiritual que continua a inspirar monges e monjas, do Oriente e do Ocidente, de geração em geração. Tudo aquilo que se realizou sob a poderosa proteção da Grande Mãe de Deus. Já no terceiro século os cristãos egípcios se dirigiam a Ela com palavras repletas de confiança: sob a tua proteção encontramos refúgio, ó Santa Mãe de Deus! Sub tuum praesidium confugimus, Sancta Dei Genitrix! No decurso dos séculos, este Mosteiro foi um excepcional lugar de encontro para pessoas de diferentes Igrejas, tradições e culturas. Oro para que no novo milênio o Mosteiro de Santa Catarina seja um farol luminoso, que chama as Igrejas a conhecerem-se melhor reciprocamente e a redescobrirem a importância aos olhos de Deus daquilo que nos une a Cristo.

6. Estou grato aos numerosos fiéis da Diocese de Ismayliah, guiados pelo Bispo Macários, que se uniram a mim nesta peregrinação ao Monte Sinai. O Sucessor de Pedro agradece-vos a solidez da vossa fé. Deus vos abençoe, a vós e às vossas famílias!
Saúdo cordialmente Sua Excelência Macário, Bispo copta ortodoxo de todo o Sinai e, grato pela sua presença, lhe peço transmitir os meus orantes auspícios aos fiéis da sua Diocese.
Desejo agradecer de modo particular o Arcebispo Damianos pelas suas corteses palavras de boas-vindas e pela hospitalidade que ele, junto aos monges, me ofereceu hoje. O Mosteiro de Santa Catarina permaneça um oásis espiritual para os membros de todas as Igrejas em busca da glória do Senhor, que habita no Sinai (cf. Ex 24,16). A visão desta glória impele-nos a exclamar repletos de alegria: 
Nós Vos damos graças, Pai Santo, pelo vosso santo nome, que fizestes habitar nos nossos corações” (Didaqué, X). Amém!


Fonte: Santa Sé.

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