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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Homilia do Patriarca de Lisboa: Imaculada Conceição

Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, um horizonte de esperança

Que pode e deve significar para todos nós a celebração da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria? O que aconteceu com ela e o que há de continuar conosco?
É bom perguntá-lo, como quem interrompe a marcha das coisas e lhes procura o significado. Para não corrermos o risco de viver por viver, ou de seguir tudo pela rama e só porque costuma ser assim.
Fundamentalmente, nós cremos e proclamamos que a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, ou seja, o fato de ter sido concebida sem pecado original, foi preparação e fruto antecipado de algo de absolutamente único e definitivo. Para que dela viesse a nascer Jesus Cristo, redentor de todos e previamente seu. Como escreveu um autor antigo: «Foi concebido no seio de uma Virgem, já santificada pelo Espírito no corpo e na alma, para honrar a maternidade e ao mesmo tempo exaltar a excelência da virgindade» (São Gregório de Nazianzo, Ofício das Leituras, terça-feira da I semana do Advento).
Assim ela foi sempre, desde a sua concepção, a “cheia de graça”, totalmente de Deus e imediatamente para Deus. Não só como apelativo, mas como nome próprio, respondendo consciente e livremente à graça com que Deus a libertara de toda a carga negativa com que a humanidade se destruíra, por se desligar de Deus. Na Imaculada Conceição de Maria começa a despontar o Sol do mundo novo, Jesus Cristo, em cuja luz todas as coisas ressurgem e resplandecem.

Para entendermos corretamente o significado de cada celebração litúrgica, convém reparar na respetiva oração coleta. Também hoje, como há pouco a ouvimos, antes das leituras. Das leituras que, do Gênesis ao Evangelho, nos trouxeram o absoluto contraste entre a desobediência original - que continua a ser em cada um de nós a desobediência a Deus - e a obediência total de Maria, condição necessária para que o mesmo Deus nos chegasse numa humanidade intacta, em que o seu Verbo plenamente se dissesse.
Repito a oração coleta: «Senhor nosso Deus, que, pela Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, preparastes para o vosso Filho uma digna morada e, em atenção aos méritos futuros da morte de Cristo, a preservastes de toda a mancha, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de chegarmos purificados junto de Vós».
Diz-se, primeiro, que a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria é inteiramente obra de Deus, que assim preparou a morada perfeita da sua vinda ao mundo. É um acontecimento radical e único, o princípio da nova criação. Ao modo de Deus, que nos criou e recriou com imensa discrição, como é próprio das coisas absolutamente verdadeiras.
Diz-se, a seguir, que Maria foi preservada de toda a mancha - é o que significa “imaculada” - em atenção aos méritos futuros da morte de Cristo. Esta frase centra-nos na Cruz. Na Cruz, onde Cristo em si mesmo nos devolveu ao Pai, ultrapassando tudo o que nos separa de Deus e uns dos outros. Aí culminou o “caminho estreito” que nos leva finalmente ao Pai - e que Maria foi a primeira a percorrer com o seu Filho. Assim esteve “ao pé da Cruz”, onde Ele nos alcançou e mereceu uma meta a que nunca chegaríamos só por nós.     
Pedimos ainda que, por intercessão da Vigem Maria, cheguemos purificados junto de Deus. Além de louvar a Deus porque assim foi com Maria, nós estamos aqui para que igualmente o seja conosco. Refiro-me à purificação que a graça divina opera, como fogo que elimina toda a escória, para ficar apenas o metal precioso. Em nós, por intercessão da Imaculada, há de acontecer também, para em Cristo chegarmos ao Pai. Aí tudo será finalmente graça. Graça batismal em plena frutificação.

É bom, verdadeiro e belo, meditarmos na Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Ao longo dos séculos cristãos, o seu fulgor tem inspirado escritores e cultores das várias artes, com as inesgotáveis sugestões que lhes oferece. Nem podia ser doutro modo, pois tudo nela aconteceu em função de Cristo, bondade, verdade e beleza absolutas.
Mas deixai-me insistir em que, sendo bom e belo meditar na Imaculada Conceição, celebrando-a tão solenemente como aqui fazemos hoje, é necessário que o final da oração coleta se realize sempre mais em cada um, ou seja, «a graça de chegarmos purificados junto de Deus». Haverá muito a purificar ainda, para cumprirmos aquela ordem que Maria nos deu em Caná, fazendo o que Cristo nos disser, sem adiamento ou distração. Quando fizermos tudo e sempre o que Cristo nos disser, celebraremos com maior correspondência e gratidão a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Porque a graça que a criou imaculada tem a mesma Fonte divina que nos recriará a nós, se realmente o consentirmos.
Não desistamos de prosseguir, com este horizonte de esperança, onde nunca se porá o Sol de Cristo. Horizonte de esperança, deixai-me insistir, como muito precisamos de antevê-lo. Sobretudo quando tanta guerra nos adia a paz, tanto mal contradiz o bem e tanta escuridão quase extingue a luz. Posso dizê-lo em geral, pela repetição de fatos negativos que nos toldam espessamente o horizonte, nesta “guerra mundial em pedaços” a que se refere o Papa Francisco. E até mais por perto, há muita tristeza acumulada, muita frustração ressentida, muita depressão profunda. A assim chamada “atualidade”, que repetidamente nos mostram, acentua muito mais o negativo do que o positivo e quase nos faz descrer de nós, como humanidade que somos.
Bem pelo contrário, celebrar a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, também como Padroeira de Portugal, desembacia-nos os olhos da alma na convicção de que a Luz de Cristo, que nela despontou, vence toda a treva, convence todo o espírito e garante toda a esperança. Assim a graça, que nela foi tão plena, nos faça coincidir, agora e sempre mais, com a vontade de Deus, que não desiste de recriar o mundo. Recomeça sempre no coração e na vontade de cada um de nós. Aconteceu em Maria, a Imaculada Conceição, para em Cristo nascer o homem novo em terra intacta. Acontecerá em nós, batizados desta geração, para nos renovarmos como humanidade também. Maria foi a alvorada luminosa dum inextinguível horizonte de esperança.
Sé de Lisboa, 8 de dezembro de 2019

+ Manuel, Cardeal-Patriarca


Fonte: Patriarcado de Lisboa

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