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quinta-feira, 18 de julho de 2019

O sacerdote no Rito da Comunhão da Missa

Na continuidade da série de textos sobre a relação do sacerdote com a Celebração Eucarística, divulgados pela Santa Sé durante o Ano Sacerdotal (2009-2010), chegamos hoje ao sexto artigo, que trata do Rito da Comunhão:

Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
O sacerdote no Rito da Comunhão da Santa Missa

O sacerdote que se prepara para o Rito da Comunhão na Missa é predisposto pela Oração Eucarística, que acaba de completar, a reconhecer que «na narrativa da instituição, a eficácia das palavras e das ações de Cristo e a força do Espírito Santo tornam sacramentalmente presente sob as espécies do pão e do vinho o seu Corpo e o seu Sangue, o seu sacrifício oferecido sob a cruz uma vez por todas» [1]. Por outro lado, quando chega o momento em que o sacerdote e os fiéis recebem a Santa Eucaristia, ou seja, quando se preparam para comer o Corpo do Senhor e beber o seu Sangue, é preciso recordar o discurso de Jesus em Cafarnaum, que apresenta a recepção da Santa Eucaristia tanto como uma vinda quanto como um encontro [2].

No que diz respeito ao tema da vinda, o Evangelho de São João diz: «O pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo» [3]. Sobre o encontro, a Eucaristia é concebida como expressão da relação interna da Santíssima Trindade, testemunhada na relação filial de Jesus com o seu Pai celeste. Jesus a explica com as palavras: «Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna. Eu sou o pão da vida» [4]. «Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por causa do Pai, assim o que me come viverá por causa de mim» [5]. Em consequência, a preparação pessoal e pública para receber a Santa Eucaristia, que os Ritos da Comunhão favorecem de modo mais intenso, seja na Forma Ordinária que naquela Extraordinária da Missa, não preparam o sacerdote para receber uma coisa, mas uma Pessoa. Assim resume Romano Guardini: «Não isso, mas Ele, a Pessoa suprema louvada por toda a eternidade» [6].


A Forma Ordinária do Rito Romano

Na Forma Ordinária (ou Missa de Paulo VI), no início do Rito da Comunhão, guiados pelo sacerdote, o povo está em pé. A nível simbólico, a imagem do sacerdote que está no centro do altar, circundado pela assembleia em pé, representa uma antecipação da Igreja que estará com Cristo no céu no final dos tempos. O sacerdote introduz o Pater Noster utilizando uma das fórmulas previstas, antes que recitemos ou cantemos juntos a oração do Senhor. As palavras que Jesus nos ensinou para que rezássemos com confiança, e que nós usamos antes de aproximarmo-nos da Santa Eucaristia, foram comentadas por diversos autores. Por exemplo, alguns textos tomados do comentário de São Cipriano de Cartago sobre a oração do Senhor foram inseridos no Ofício das Leituras da Liturgia das Horas na XI semana do Tempo Comum, para nos educar a uma maior apreciação do significado de tais palavras [7]. Os textos de São Cipriano recordam ao sacerdote que cada recitação do Pater Noster é um ato eclesial, que traz consequências na vida dos outros. São Cipriano escreveu:

«Antes de tudo, o Mestre da paz e da unidade não quis que rezássemos por conta própria e em privado, de maneira tal que cada um rezasse apenas por si. Por isso não dizemos “Pai meu que está nos céus”, ou “Dá-me hoje o meu pão” (...) A nossa oração é pública e para todos e, quando rezamos, o fazemos não por uma pessoa apenas, mas por todos, porque nós todos somos um» [8].

A oração Libera nos continua a difundir docemente as ressonâncias do Pater Noster e descreve a humana indignidade e o desejo de libertação do mal com os quais nos aproximamos da Eucaristia. O sacerdote, que reza em favor de cada um, reconhece, por um lado, as circunstâncias que incidem sobre nossa paz, em vidas manchadas por pecados e angústias; e, por outro, a alegra esperança que a vinda do Senhor traz. O povo completa a oração com uma doxologia, que exprime a expectativa que o Senhor cumprirá a sua promessa de ser glorificado em nós. A oração Domine Iesu Christe se concentra em nossos pecados e angústias e repousa sobre a fé da Igreja que espera a paz e a unidade do reino como cumprimento da vontade de Deus. Depois, o sacerdote estende as mãos e intercambia a saudação com a assembleia: Pax Domini sit semper vobiscum. Se responde: Et cum spiritu tuo.

O efetivo intercambiar a paz não representa um componente obrigatório da Liturgia: o diácono e o sacerdote podem, se for oportuno, convidar os presentes a intercambiar o sinal da paz. As discussões a respeito do momento mais apropriado para intercambiar a paz dentro da Liturgia são distintas daquelas que dizem respeito ao modo de intercambiá-la. O Missal mantém as devidas distinções eclesiológicas. Certamente o intercâmbio da paz não é um momento no qual de uma atitude formal se passa a uma atitude informal, mas sim um momento no qual as relações humanas, que são parte intrínseca da ordem das coisas, se revelam nas justas proporções. «Se trata de um rito de troca, não de uma saudação prática» [9]. Santo Tomás de Aquino expressou esta relação entre relações humanas e a boa ordem no seu belo hino ao Santíssimo Sacramento intitulado Pange Lingua, cantado na Quinta-feira Santa e no dia de Corpus Christi na Liturgia Romana [10]. A terceira estrofe recita: «Na noite da Ceia, / sentado à mesa com os seus irmãos, / depois de ter observado as prescrições da lei...» [11].

O sacerdote intercambia a paz com o diácono ou com o ministro assistente. Não está previsto que ele deixe o presbitério para saudar os fiéis na nave. Estes intercambiam a paz apenas com aqueles que estão mais próximos. A rubrica distingue estes dois gestos (isto é, do celebrante e dos fiéis), o que impede que haja um mal-entendido eclesiológico, que poderia brotar de uma visão puramente horizontal.

A fração do pão, que segue, possui um aspecto prático e um simbólico. Do ponto de vista ritual, em muitos casos o celebrante parte a hóstia grande, que ele consome em primeira pessoa. Por outro lado, este rito permite que se use também uma hóstia maior do que o costume, que seja partida em pedaços para distribuir aos fiéis. Uma partícula dessa hóstia é inserida no cálice enquanto o sacerdote diz em segredo: «O Corpo e o Sangue de Cristo, unidos neste cálice, sejam para nós alimento de vida eterna».

Agnus Dei que acompanha esta ação pede perdão e se dirige a Jesus que é o Cordeiro pascal, sujo corpo sacrificado derramou o sangue para a remissão dos pecados. A imagem de Jesus como Cordeiro é representada de modo extraordinário em um retábulo do altar do altar da Catedral de São Bavão, em Gent (Bélgica), na qual se vê um cordeiro em pé sobre o altar, que derrama o seu sangue em um cálice [12]. O Agnus Dei nos remete ao Livro do Apocalipse, que proclama a dignidade do Cordeiro que foi imolado [13] e a bênção para aqueles que são convidados ao banquete das núpcias do Cordeiro [14]. A antiguidade do Agnus Dei no Rito Romano é tal que muitos estudiosos defendem que tenha sido o Papa Sérgio I (687-701) a introduzi-lo na Missa. A terceira invocação do Agnus Dei pede a paz porque a Santíssima Eucaristia é Sacramento de Paz, enquanto é o meio através do qual todos aqueles que o recebem são estreitados em um vínculo de unidade e de paz [15].

O sacerdote reza em silêncio uma oração preparatória pessoal à Santa Comunhão, entre as duas que são propostas no Missal. Na primeira, ele pede ser libertado das suas iniquidades e de todo outro mal, através do Corpo e Sangue de Cristo, e pede a graça de permanecer nos mandamentos do Senhor sem que nada mais possa separá-lo d’Ele. Na segunda, o sacerdote reza para que a sua recepção do Corpo e do Sangue de Cristo não traga sobre ele um juízo de condenação, mas, ao contrário, represente uma defesa e uma cura para a alma e para o corpo. A Comunhão do sacerdote, que sempre precede aquele dos fiéis, se faz sob as duas espécies, para completar a ação litúrgica da Missa. Ele reza para que o Corpo e o Sangue de Cristo o conduzam à vida eterna. Ao contrário, na purificação dos vasos sagrados, ele reza em favor dos que comungaram (inclusive, portanto, ele mesmo), a fim de que o que receberam com os lábios seja recebido com um coração puro, e para que de simples dom feito no tempo, a Comunhão eucarística se torne um remédio que dura para a vida eterna. O conjunto destas palavras e ações revela que aqui foi celebrado um grande mistério: a Celebração Eucarística é um kairos - tempo favorável do Senhor - que interceptou o chronos, ou seja, o tempo que é simples sucessão de eventos que ocorrem em torno a nós. Por isso que, diante de Deus, o silêncio representa no fundo a única resposta pessoal apropriada que provém da parte mais íntima do nosso ser para exprimir fé, reverência e comunhão de amor com Aquele que recebemos.

Este momento de silêncio deveria ser salvaguardado com atenção. Deveria durar minutos e não segundos, para fornecer um espaço de oração claramente definido. Na oração após a Comunhão, que também prevê uma pausa de silêncio após o Oremus, sobretudo se esta não foi observada antes, o sacerdote guia a ação de graças da Igreja e reza para que o dom da Comunhão, que foi distribuído, possa portar frutos em nós. O Amen com o qual os fiéis respondem a esta oração conclui o Rito da Comunhão, que iniciou com o convite do sacerdote a rezar o Pater Noster.

A Forma Extraordinária

O sacerdote no Rito de Comunhão da Forma Extraordinária (ou Missa de São Pio V) cumpre gestos mais complexos, que indicam a identidade e a função sacerdotais, em preparação à Santa Comunhão. Seguindo a mesma ordem usada para expor os ritos da Forma Ordinária, consideraremos agora aquela Extraordinária, começando pela introdução ao Pater Noster até a conclusão da oração após a Comunhão. Notam-se certamente diferenças entre as duas formas que compõem o Rito Romano. Dado que o Missal Tridentino prevê celebrações com graus distintos de solenidade, nestes casos os ministros assistentes realizam ações que ao contrário são realizadas pelo próprio sacerdote quando celebra a “Missa Baixa” (não solene). O sacerdote recita o Pater Noster sozinho e o ministro assistente responde: sed libera nos a malo. O Libera quaesumus inclui as intercessões de todos os santos, e além de mencionar a Virgem Maria e os Santos Pedro e Paulo, inclui também Santo André, provavelmente como sinal de uma particular devoção ao Apóstolo.

Quando o sacerdote reza para obter a paz aos nossos dias [16], faz o sinal da cruz sobre si mesmo com a patena e a beija na borda superior, antes de colocá-la debaixo da hóstia, de modo a preparar a realização da fração do pão. Na sua explicação das orações e cerimônias da Santa Missa, Guéranger oferece um comentário que descreve o propósito da fórmula Haec Commixtio, que é dita no momento de inserir a partícula da hóstia no cálice - comentário que ao mesmo tempo revela a tendência deste autor ao alegorismo:

«O sacerdote depois deixa cair a partícula que tinha na mão dentro do cálice, mesclando assim o Corpo e o Sangue do Senhor, dizendo ao mesmo tempo: Haec commixtio et consecratio Corporis et Sanguinis Domini nostri Iesu Christi fiat accipientibus nobis in vitam aeternam. Amen. Qual é o significado deste rito? O que é significado nesta mescla da Partícula com o Sangue que está no cálice? Este rito não é dos mais antigos, ainda que tenha cerca de mil anos. Sua finalidade é mostrar que, no momento da Ressurreição de nosso Senhor, o seu Sangue foi unido novamente ao seu Corpo, circulando nas suas veias como antes. Não teria sido suficiente que fosse reunida ao seu Corpo apenas a sua Alma; deveria acontecer o mesmo com o seu Sangue, de modo que o Senhor estivesse íntegro e completo. O nosso Salvador, por isso, na Ressurreição retomou o seu Sangue que havia sido antes derramado sobre o Calvário, no Pretório e no Jardim das Oliveiras» [17].

Depois do Agnus Dei há três orações que o sacerdote diz antes da Santa Comunhão, com os olhos fixos sobre a sagrada Hóstia, e cujo conteúdo se encontra largamente no Rito da Comunhão da Forma Ordinária. Depois, segurando a Hóstia, ele diz a fórmula Domine, non sum dignus por três vezes e simultaneamente bate no peito. Quando purifica a patena no cálice antes de consumir o precioso Sangue, ele cita o Salmo 115: «Que poderei retribuir ao Senhor por tudo aquilo que fez em meu favor? Elevo o cálice da salvação, invocando o nome do Senhor», e acrescenta: «Louvando invocarei o Senhor e serei salvo dos meus inimigos» [18]. Durante a purificação do cálice, depois do Quod ore sumpsimus, o sacerdote reza para que não permaneça nele alguma mancha dos seus erros e que o Corpo e o Sangue de Cristo que recebeu transformem todo o seu ser.

Vê-se que a ênfase colocada sobre o caráter sacerdotal e sobre as ações litúrgicas do sacerdote no Rito da Comunhão é extremamente encorajadora. Enquanto não escondem a consciência que o sacerdote possui da própria indignidade, destacam todavia a sua dignidade única e lhe recordam como deve lutar para tornar-se puro e santo como Cristo. Por isto estes ritos convidam - e convidam de modo imediato - o sacerdote que cumpre o sacrifício a entrar em uma mais estreita comunhão com Jesus Cristo, Sumo Sacerdote e Vítima. Além disso, convidam os fiéis a reconhecer com alegria o ministério do sacerdócio, cujo mistério é essencial para a Eucaristia, «fonte e ápice da vida e da missão da Igreja» [19]. Nestes aspectos distintos do mesmo convite, a Igreja entrevê a maravilha do amor de Deus, que se humilhou para compartilhar a nossa humanidade; amor que renova o seu convite cada vez que a sua aliança de amor se faz presente sobre o altar, quando Cristo arrasta a nossa existência humana sempre mais profundamente na sua vida ressuscitada. Como testemunha o autor do Apocalipse: «Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, Eu com ele e ele comigo» [20].


Notas
[1] Catecismo da Igreja Católica, n. 1353.
[2] Jo 6.
[3] Jo 6,33.
[4] Jo 6,46-48.
[5] Jo 6,57.
[6] Romano Guardini, Meditations Before Mass, Sophia Institute, Manchester (NH), 1993 (rist.), 174.
[7] Cipriano de Cartago, De Oratione dominica, 4-30, PL 3A, 91-113.
[8] ibid., 8.
[9] J. Driscoll, What happens at Mass, Gracewing, Leominster, 2005, 123.
[10] Durante a solene trasladação do Santíssimo Sacramento na Quinta-feira Santa e como hino das Vésperas do Corpus Christi.
[11] «In supremae nocte caenae recumbens cum fratribus, observata lege plene...».
[12] J. Van Eyck, Adoração do Cordeiro, particular do retábulo do altar, 1432, Catedral de São Bavão, Gent, Bélgica.
[13] Ap 5,11-12.
[14] Ap 19,7.9. O sacerdote introduz o Domine, non sum dignus, fórmula baseada em Mt 8,8 e Lc 7,6-7 à qual, no Missal de Paulo VI, foi acrescentada a imagem do banquete do Cordeiro.
[15] «Ó sinal de unidade, ó vínculo da caridade»: Agostinho de Hipona, In Joannis evangelium tractatus, 26, 13: PL 35, 1613; cf. Concílio Vaticano IISacrosanctum Concilium, n. 47.
[16] «Da propitius pacem in diebus nostris».
[17] P. Guéranger, Explanation of the Prayers and Ceremonies of Holy Mass, Stanbrook Abbey, Worcestershire, 1885, 61.
[18] «Laudans invocabo Dominum et ab inimicis meis salvus ero».
[19] Bento XVISacramentum Caritatis, n. 3.
[20] Ap 3,20.

Tradução livre nossa do texto italiano.

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