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quinta-feira, 6 de junho de 2019

Homilia do Papa: Divina Liturgia em Blaj

Viagem Apostólica do Papa Francisco à Romênia
(31 de maio - 02 de junho de 2019)
Divina Liturgia com a Beatificação de 7 Bispos Greco-Católicos Mártires
Homilia do Santo Padre
Campo da Liberdade, Blaj
Domingo, 02 de junho de 2019

«Rabi, quem foi que pecou para este homem ter nascido cego? Ele, ou os seus pais?» (Jo 9,2). Esta pergunta dos discípulos dirigida a Jesus desencadeia uma série de movimentos e ações que permeiam toda a narração evangélica, desvendando e colocando em evidência aquilo que realmente cega o coração humano.
Jesus, como os seus discípulos, vê o cego de nascença, é capaz de o reconhecer e colocá-lo no centro. Depois de ter declarado que a sua cegueira não era fruto do pecado, mistura o pó da terra com a sua saliva e, com a lama feita, unge-lhe os olhos; depois ordena-lhe que vá lavar-se à piscina de Siloé. Depois de se ter lavado, o cego recupera a vista. É interessante notar que o milagre é narrado apenas em dois versículos; todos os outros concentram-se, não sobre o cego curado, mas sobre as discussões que levanta. Parece que a sua vida e especialmente a sua cura se tornem banais, jocosas ou motivos de debate bem como de enfado e irritação. O cego curado é interrogado primeiro pela multidão atónita, depois pelos fariseus; e estes interrogam também os seus pais. Colocam em dúvida a identidade do homem curado; depois negam a ação de Deus, tomando como desculpa que Deus não trabalha ao sábado; chegam até a duvidar que aquele homem tivesse nascido cego.
Toda a cena e as discussões revelam como é difícil entender as ações e as prioridades de Jesus, capaz de trazer para o centro aquele que estava na periferia, especialmente quando se pensa que a primazia é dada ao «sábado» e não ao amor do Pai, que procura salvar todos os homens (cf. 1Tm 2,4); o cego tinha de conviver não apenas com a sua própria cegueira, mas também com a daqueles que o rodeavam. É o que fazem as resistências e hostilidades que surgem no coração humano, quando no centro, em vez das pessoas, se colocam interesses particulares, rótulos, teorias, abstrações e ideologias, que, onde campeiam, nada mais fazem senão cegar tudo e a todos. Mas a lógica do Senhor é diferente: longe de se esconder na inatividade ou na abstração ideológica, procura a pessoa com o seu rosto, com as suas feridas e a sua história. Vai ao encontro dela, e não Se deixa enganar por discursos que são incapazes de dar a prioridade e pôr no centro aquilo que realmente é importante.
Estas terras conhecem bem o sofrimento do povo, quando o peso da ideologia ou dum regime é mais forte do que a vida e se antepõe como norma à própria vida e à fé das pessoas; quando a capacidade de decisão, a liberdade e o espaço para a criatividade se veem reduzidos e até eliminados (cf. Francisco, Carta Enc. Laudato si’, 108). Irmãos e irmãs, vós suportastes os discursos e as intervenções baseadas no descrédito que chegavam à expulsão e aniquilação de quem não se pode defender, e silenciavam as vozes dissonantes. Pensemos, em particular, nos sete Bispos greco-católicos que tive a alegria de proclamar Beatos. Perante a feroz opressão do regime, demonstraram uma fé e um amor exemplares pelo seu povo. Com grande coragem e fortaleza interior, aceitaram ser sujeitos a dura prisão e a todo o tipo de maus-tratos, para não renegar a pertença à sua amada Igreja. Estes pastores, mártires da fé, recuperaram e deixaram ao povo romeno uma preciosa herança que podemos resumir em duas palavras: liberdade e misericórdia.
A propósito da liberdade, não posso deixar de observar que estamos a celebrar esta Divina Liturgia no «Campo da Liberdade». Este significativo lugar recorda a unidade do vosso povo que se realizou na diversidade das suas expressões religiosas: isto constitui um patrimônio espiritual que enriquece e caracteriza a cultura e a identidade nacionais romenas. Os novos Beatos sofreram e sacrificaram a sua vida, opondo-se a um sistema ideológico iliberal e coercitivo dos direitos fundamentais da pessoa humana. Naquele triste período, a vida da comunidade católica foi colocada a dura prova pelo regime ditatorial e ateu: todos os bispos e muitos fiéis da Igreja Greco-Católica e da Igreja Católica de Rito Latino foram perseguidos e encarcerados.
O outro aspeto da herança espiritual dos novos Beatos é a misericórdia. Neles, a tenacidade em professar a sua fidelidade a Cristo foi acompanhada por uma disposição ao martírio sem palavras de ódio contra os perseguidores, em relação aos quais demonstraram uma substancial mansidão. É eloquente aquilo que declarou durante a sua prisão o Bispo D. Iuliu Hossu: «Deus mandou-nos para estas trevas do sofrimento, a fim de perdoar e rezar pela conversão de todos». Estas palavras são o símbolo e a síntese da atitude com que estes Beatos, no período da prova, sustentaram o seu povo para continuar a confessar a fé sem cedimentos nem retaliações. Esta atitude de misericórdia para com os verdugos é uma mensagem profética, porque aparece hoje como um convite a todos para superarem o rancor com a caridade e o perdão, vivendo com coerência e coragem a fé cristã.
Amados irmãos e irmãs, também hoje voltam a surgir novas ideologias que procuram, de maneira subtil, impor-se e desenraizar o nosso povo das suas mais ricas tradições culturais e religiosas. Colonizações ideológicas, que desprezam o valor da pessoa, da vida, do matrimônio e da família (cf. Francisco, Exort. Ap. Pós-sinodal Amoris laetitia, 40) e, com propostas alienantes e não menos ateias do que no passado, lesam de modo particular os nossos jovens e crianças deixando-os privados de raízes que lhes permitam crescer (cf. Francisco, Exort. Ap. Christus vivit, 78). E então tudo se torna irrelevante, se não servir os próprios interesses imediatos, e induz as pessoas a aproveitarem-se umas das outras e a tratá-las como meros objetos (cf. Francisco, Carta Enc. Laudato si', 123-124). São vozes que, semeando medo e divisão, procuram cancelar e sepultar a herança mais preciosa que estas terras viram nascer. A propósito desta herança, penso, por exemplo, no Édito de Torda de 1568, que sancionava todo o tipo de radicalismo, promovendo – é um dos primeiros casos na Europa – um ato de tolerância religiosa.
Quero encorajar-vos a levar a luz do Evangelho aos nossos contemporâneos e continuar a lutar, como estes Beatos, contra estas novas ideologias que vão surgindo. Agora, toca a nós lutar, como então tocou a eles. Possais vós ser testemunhas de liberdade e misericórdia, fazendo prevalecer a fraternidade e o diálogo sobre as divisões, incrementando a fraternidade do sangue que tem a sua origem no período de sofrimento em que os cristãos, divididos ao longo da história, se descobriram mais próximos e solidários. Que vos acompanhem no vosso caminho, caríssimos irmãos e irmãs, a proteção materna da Virgem Maria, Santa Mãe de Deus, e a intercessão dos novos Beatos.


Fonte: Santa Sé

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