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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Ordenações Diaconais em Lisboa: Homilia

Homilia na Ordenação de Diáconos

«Vigiai e orai em todo o tempo, para terdes a força de vos livrar de tudo o que vai acontecer e poderdes estar firmes na presença do Filho do homem»
Irmãos caríssimos: Esta última frase que ouvimos há de preencher todo o Advento, insistentemente.
“Vigiai!” – É a palavra de ordem, para ser atitude constante de cada discípulo de Cristo, como os que hoje recebem o diaconado. Da parte deles é um exercício de vigilância, para acolherem o Senhor que os tomará sinais vivos, sacramentos, do seu serviço. É neles e através deles que o Senhor continuará a dizer: «Eu estou no meio de vós como aquele que serve» – como um “diácono” na letra evangélica (Lc 22,27).   
A vigilância espiritual e prática define-nos também a nós, como os que esperam o Senhor e divisam a sua vinda, com tudo quanto Ele nos traz de sentido absoluto e conversor. Converte-nos o desejo e exige a coerência. Viver como quem realmente O espera, impele-nos ao seu encontro, descobre-lhe a presença, sobretudo onde mais se aproxima e nos reclama: na Palavra em que ressoa, no sacramento em que se oferece, nos outros em que nos pede o que precisa, para nos dar muito mais.
É como um movimento mútuo, que Ele próprio suscita. Como João apresenta no Apocalipse: «Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo» (Ap 3,20). E Tiago resume assim na sua Epístola: «Aproximai-vos de Deus e Ele aproximar-se-á de vós» (Tg 4, 8). Desde a primeira geração, os cristãos vivem em Advento, quando autenticamente o são.
As leituras ouvidas insistem muito neste ponto. E é também assim que o Evangelho se traduz como “boa nova”. Parece contraditório, entre tantas imagens do fim, mas nós cristãos sabemos que o não é. Parece contraditório… De facto, como podemos considerar “boa nova” um tal cenário de coisas graves, que mais provocariam medo do que esperança?
Por duas razões principais: A primeira é Jesus insistir naquilo de que já devíamos estar certos. O mundo, este mundo como o vemos e vivemos, é uma realidade magnífica, mas também frágil, caduca e perecível. Não tem a consistência garantida, nem a perenidade que só a Deus pertence. Foi criado diferente do seu Autor, como única possibilidade de existirmos distintos de Deus, ainda que para Deus. Conserva as marcas da autoria divina que o sustenta, mas também as nossas, que tantas vezes o desfiguram e destroem.
Àquelas imagens fortes que Jesus usou – sinais na lua e nas estrelas, rugido e agitação do mar, forças celestes abaladas – podemos acrescentar as que hoje nos alertam, como a desertificação, a falta de água potável e os cataclismos que o descuido humano provoca, ou os intermináveis conflitos que eliminam tantas vidas e desfiguram a terra.
Alertar-nos Jesus para realidades assim é já Evangelho, como lição e apelo. Mas é também “boa nova”, como segunda razão, pois nos garante que, se correspondermos positivamente, se nos convertemos e mudarmos as coisas, poderemos soerguer-nos e levantar a cabeça, libertando-nos com Ele na cruz deste mundo. Trata-se de viver já pascalmente o Advento.
Sobretudo porque, estando vigilantes e atentos aos sinais da sua presença ressuscitada e ressuscitadora, ganharemos firmeza diante do Filho do Homem. Venha o que vier e aconteça o que acontecer, Ele está connosco e continuará a fazer Páscoa. Connosco e para os outros. Nele, Verbo divino que em tudo ressoa, n’Ele Verbo divino em quem tudo se refaz.
Este Evangelho vivo para um Advento pleno, exige da nossa parte a vigilância pronta, que desperta o mundo que levamos conosco. Desperta-o para o que na verdade importa. Para distinguirmos o que vale do que não vale, o que persiste do que decai e desaparece.
Viver o Advento é concentrar-se no essencial da vida e no substancial das coisas. Para nós cristãos, tudo se concentra numa relação pessoal absoluta, como a podemos e devemos ter com Cristo. Resumindo a nossa vida com as palavras de Paulo, quando já vivia em Advento: «Para nós, um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos» (1Cor 8,6).
Tantas vezes o repetimos no Credo: «Creio em um só Senhor Jesus Cristo… consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas… Também por nós foi crucificado… Ressuscitou ao terceiro dia... De novo há de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim… E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir». Do princípio ao fim, um completo Advento. Advento da vida, que recebemos em Cristo; e da vida eterna, revivendo-Lhe a Páscoa.
Pelo meio está a Cruz, nossa e alheia, como Cristo a tomou, para a preencher de vida. Viver em Advento é sê-lo para os outros, que são sinais de Cristo, que nos toca e reclama. Repetindo a sua proximidade em relação a quem mais sofra fragilidades e ruínas. A cor litúrgica do Advento induz-nos à conversão, que se traduz em caridade, sentida e praticada.
Depois do Advento virá o Natal. Porém, como aconteceu na sua primeira vinda, Jesus continuará a “nascer” no lugar que encontrar. Há dois mil anos só pôde ser num presépio, pois «não havia lugar na hospedaria» (Lc 2,7). Preparemos-lhe agora um lugar melhor, no nosso coração e na nossa vida.
- Certamente o fareis, caríssimos ordinandos. E todos nós convosco, como o mundo espera! 


Santa Maria de Belém, 2 de dezembro de 2018
+ Manuel, Cardeal-Patriarca

Fonte: Patriarcado de Lisboa

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