Páginas

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Os teólogos da reforma litúrgica


Continuando os textos do site Vatican News sobre a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, publicamos hoje duas reflexões sobre os teólogos da reforma litúrgica:

19 de setembro de 2018

Damos continuidade neste nosso espaço memória histórica ao tema da reforma litúrgica, que encontrou sua expressão máxima com a Constituição Sacrosanctum Concilum do Concílio Vaticano II. O objetivo desta reforma era de que o texto e as cerimônias deveriam ser ordenadas de tal modo, que exprimissem mais claramente as coisas santas que eles significam e que o povo cristão pudesse compreendê-las facilmente, participando, à medida do possível, plena e ativamente da celebração comunitária.
No programa desta quarta-feira, padre Gerson Schmidt, incardinado na arquidiocese de Porto Alegre - que tem nos acompanhado neste percurso dos documentos conciliares – nos fala sobre os teólogos que fomentaram a reforma litúrgica: 
A reforma litúrgica não se deu de um dia para outro, como se tivesse acontecido um Pentecostes tão somente no Concilio Vaticano II. Houve um tempo de longa preparação, motivados pelos movimentos de renovação litúrgica, pelos teólogos, liturgistas e também pelas reformas dos papas anteriores ao concilio: Pio X, Pio XI e Pio XII.
A Constituição Sacrosantum Concilium, portanto, não caiu do céu, mas é fruto de todo um clamor que vinha dos novos tempos, da nova compreensão da liturgia, motivada pelos centros teológicos, que fomentaram os princípios contidos na SC.  Anselm Schott, por exemplo, tinha publicado em 1884 um Missal popular, das formas de participação do povo, que teve grande difusão nos anos sucessivos.
Em 1909, em Malines, por ocasião do Katholikentag (palavra alemã, que se traduz por “dia do Católico”), o bispo Lambert Beauduin (+1960) defendeu o fortalecimento da Liturgia celebrada com a participação do povo. Esse encontro de Malines assinalou o início do movimento litúrgico no século XX, encontrando eco na Holanda, Bélgica, Itália e França [1].  O movimento litúrgico foi particularmente ativo nos países de língua alemã.
Os grandes teólogos desse movimento litúrgico foram Odo Casel, OSB (+1948) e Romano Guardini (+1968). Guardini já havia escrito, durante a I Guerra Mundial (1914-1918) a sua obra magistral intitulada “O Espírito da Liturgia”, que terá uma influência enorme nessa reforma. Bento XVI foi aluno e admirador confesso de Romano Guardini.
O destino realmente singular de Romano Guardini é o fato de ter sido uma espécie de ‘mestre’ para nada menos do que três papas. Paulo VI promoveu pessoalmente as suas primeiras traduções a partir do pequeno livro La coscienza, que aconselhava aos seus estudantes da Federação das Universidades Católicas Italianas. Bento XVI se percebe até mesmo como uma espécie de discípulo espiritual e intelectual do grande pensador. Finalmente, o Papa Francisco passou alguns meses na Alemanha para ler e estudar Guardini....
O primeiro teólogo da Liturgia que se ocupou da celebração enquanto tal foi Odo Casel (1948), pioneiro também por oferecer uma reflexão do culto cristão sobre bases direta e primariamente teológicas. Para ele a celebração é uma epifania, uma manifestação do divino na ação ritual (...), o elemento principal do ato celebrativo é a presença-atualização da salvação na ação sagrada e ritual, na qual intervém a prece da Igreja (...). A ação sagrada é imitação simbólica do agir divino (mimésis), mas ao contrário do que ocorre na celebração das religiões naturalistas, apoia-se numa palavra pronunciada como anúncio da intervenção divina (Palavra de Deus) e na súplica que se seguiu como resposta à proclamação [2].
Odo Casel preparou terreno para a Teologia do Mistério Pascal e Romano Guardini, entre os tesouros, a ideia fundamental da Igreja como Corpo Místico, ambos conceitos contemplados e valorizados nos documentos do Concílio Vaticano II”.

A Liturgia dentro da história da salvação
26 de setembro de 2018

A palavra Liturgia tem sua origem no grego leitourgos, para denominar alguém que fazia serviço público ou liderava uma cerimônia sagrada. Mesmo já sendo usada na antiguidade, somente depois dos séculos VIII e IX passou a ser usada no contexto da Eucaristia na Igreja grega.
Por meio da Liturgia, “exerce-se a obra da nossa redenção” (Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, 2). Assim como foi enviado pelo Pai, Cristo enviou os apóstolos para anunciarem a redenção e “realizarem a obra de salvação que proclamavam, mediante o sacrifício e os sacramentos, em torno dos quais toda a vida litúrgica gira” (ibid., 6).
“A Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia precisamente porque o próprio Cristo se entregou antes a ela no sacrifício da cruz” (Sacramentum Caritatis, 14). A Igreja vive desta presença e tem a difusão desta presença no mundo inteiro como a sua razão de ser e de existir” (Bento XVI, Discurso de 15 de abril de 2010 aos Bispos do Brasil, Regional Norte-2).
Esta é a maravilha da liturgia, que, como o catecismo recorda, é culto divino, anúncio do evangelho e caridade em ato (cf. CIC, 1070). É Deus mesmo quem age, e nós nos sentimos atraídos por esta sua ação, a fim de sermos, deste modo, transformados nele.
Inicialmente a liturgia era da responsabilidade dos apóstolos e bispos, mas é sabido que algumas Igrejas criaram a sua própria liturgia, como a Igreja da Alexandria no Egito e de Antioquia na Síria. Existem várias manifestações de Liturgia, como a Liturgia ambrosiana, Liturgia de S. João Crisóstomo, Liturgias orientais.
Até a metade do século XVI não havia uma regra geral e obrigatória para a Liturgia. O Concílio Vaticano II representou uma renovação da Liturgia, dando maior ênfase à Sagrada Escritura na Liturgia da palavra e permitindo o uso de línguas em vez do latim, de forma que o fiel pudessem melhor compreender e participar de forma mais ativa da celebração.
Na edição de hoje deste nosso espaço, padre Gerson Schmidt, que tem nos acompanhado neste percurso de exposição dos documentos conciliares, nos fala sobre a liturgia dentro da história da salvação:
A Constituição Sacrosantum Concilium não foi proclamada no Concílio sem ter em conta a caminhada percorrida pelos teólogos, liturgistas e Papas, antes do Concilio Vaticano II, num verdadeiro movimento sério de Reforma da Liturgia. Os teólogos Odo Casel e Romano Guardini tiveram sua importância fundamental aqui nos conceitos do Mistério Pascal e do Corpo Místico. Também contribuíram Salvatore Marsili, Dom Lambert Beauduin, Maurice Festugière, Cipriano Vagaggini. O caminho percorrido pelos papas Pio X, Pio XI e Pio XII também deram mais um passo à frente.
O teólogo pioneiro na reflexão da teologia litúrgica sem dúvida é Odo Casel. Casel, explorando a doutrina dos mistérios, construiu a base sólida da teologia litúrgica a partir da tradição e do argumento teológico. Para ele, “o mistério de Cristo é um conjunto orgânico e vivo que não pode ser fracionado; é o grande mistério da redenção, portanto, onde está presente o mistério central, como é o mistério da cruz, todos os demais mistérios da vida de Cristo estão presentes” [3].
Isso o leva a afirmar a presença sacramental do ato da morte e ressurreição de Cristo no ato litúrgico atual. Por isso, Casel ocupa uma posição hegemônica na teologia moderna. Salvatore Marsili, outro expoente, seguiu os passos de Odo Casel e continuou o seu pensamento, embora com as devidas diferenças. Ao redefinir teologia como teologia do mistério de Cristo e da história da salvação, naturalmente incluiu a Liturgia como um eixo da teologia, pois a “Liturgia é aquela realidade na qual a revelação divina se torna acontecimento de salvação em ato e se coloca como momento síntese de toda a história da salvação” [4].
A Constituição Sacrosantum Concilium insere a Liturgia no seu lugar legítimo que é dentro da história da salvação. “Dentro da história da salvação existe uma economia eclesial e litúrgica. Aqui, torna-se evidente que a Liturgia é o elo que liga o tempo de Cristo e o tempo da Igreja. A ação litúrgica aparece claramente como um momento da revelação” [5].
A história da salvação é atualizada nos ritos e sinais sagrados. Se a história da salvação não fosse ritualmente celebrada se transformaria em mero fato do passado, seria apenas um “rito mitológico, alienante e incapaz de despertar em nós a esperança escatológica”.

[1] Helmut Hoping. A Constituição Sacrosanctum Concilium. in: As Constituições do Vaticano II, ontem e hoje. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral (org.). Edições CNBB, 2015, p.104.
[2] J. L.Martin, No Espírito e na Verdade, I, p. 187.
[3] J.J. Flores. Introdução à teologia litúrgica, Paulinas, 2006, pp.197-198.
[4] ibid., p.247.
[5] Apontamento de Dom Geovane Luiz da Silva, Bispo Auxiliar de Belo Horizonte, enquanto ainda padre da Arquidiocese de Mariana. Subsídio entregue na Assembleia Regional do Clero, Região Episcopal da Conceição – Arquidiocese de Belo Horizonte, p. 07.

Abadia de Maria Laach, na Alemanha
Lar de Odo Casel e outros teólogos do Movimento Litúrgico

Nenhum comentário:

Postar um comentário