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sábado, 17 de novembro de 2018

A novidade da Sacrosanctum Concilium

O site Vatican News continua a publicar esporadicamente textos sobre a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Hoje recordamos aqui três textos que refletem sobre a novidade da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia:

29 de agosto de 2018

A Constituição Sacrosanctum Concilium  e o espírito de “aggiornamento” do Concílio é o tema do nosso Espaço Memória Histórica, 50 anos do Concílio Vaticano II desta quarta-feira.
No nosso Espaço Memória Histórica, iniciado em 2013, já dedicamos mais de 200 programas ao tema Concílio Vaticano II. Começamos pela contextualização e pelos eventos que levaram à convocação do Concílio, época em que contamos com a preciosa colaboração do Padre João Batista Libânio, falecido em janeiro de 2014. Passamos pela abertura, a participação do episcopado brasileiro no evento e agora repassamos os documentos, tendo concentrado os últimos programas à Constituição Sacrosancutum Concilium.
O Concílio Vaticano II não surgiu de uma hora para outra. Estava sendo gestado pelos movimentos de renovação. Um novo concílio era inevitável, iria acontecer, cedo ou tarde. Pio XII, Papa anterior a João XXIII, que convocou o Concílio, já tinha pensado num Concílio Ecumênico.
Embora tenha um caráter especificamente pastoral, o Concílio Vaticano II não deixou de fazer uma belíssima síntese teológica, sobretudo nas duas grandes Constituições Dogmáticas Dei Verbum (1965) e Lumen Gentium (1964) e também através da Sacrosanctum Concilium (1963).  Deixamos claro aqui, em outro momento se deixou na dúvida, que a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium não é dogmática, justamente porque prevê adaptações na Liturgia, salvaguardando o essencial e divino. As Constituições Dogmáticas são unicamente Dei Verbum e Lumen Gentium. Mas lembramos que essas três Constituições falam dos aspectos constitutivos da Igreja.
O Concílio não causou uma ruptura na tradição da fé da Igreja. Não podemos separar o Concilio Vaticano II dos outros Concílios precedentes e torná-lo como um “superconcílio”, como afirma Helmut Hoping, padre professor de Teologia da Universidade de Friburgo.  Por isso, na fronteira de uma nova época, que hoje é chamada de “mudança epocal” ou “mudança de época”, o Papa João XXIII convoca toda a Igreja para um verdadeiro “aggiornamento”.
Aggiornamento é um termo italiano, que significa “atualização”, renovação. Esta palavra foi a orientação chave dada como objetivo para o Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII. “O aggiornamento para adequar a Igreja aos tempos atuais não deveria significar a mera adaptação a relações mutáveis, mas sim abertura ao mundo moderno. O aggiornamento da Igreja, que era o objetivo do Concilio, não se verificou através da ruptura com a tradição, nem com a adaptação a um ambiente transformado; deu-se sobretudo de um aggiornamento que entrelaçou as tradições mais antigas, em parte esquecidas, com o tempo presente” [1].
No século XIX a Igreja entrou num isolamento do mundo moderno. O Concílio Vaticano II deveria superar esse isolamento, dialogando com os novos tempos e a nova realidade. Isso não significa uma hermenêutica de ruptura com os princípios, com os valores da tradição até então guardados no depositum fides (tradição da fé).
Os padres conciliares não queriam criar uma nova Igreja, mas uma Igreja renovada. A Igreja não pode ser reinventada negligenciando-se a doutrina, a tradição, os dogmas e os costumes. A Revelação de Deus não se inventa, mas se atualiza de acordo com os novos desafios. Não se pode criar outro credo, mas renovar os princípios da fé verdadeiramente conforme às novas necessidades e emergências atuais.
A Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium resume o espírito do aggiornamento da seguinte maneira: “fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja” (SC, 01).

A novidade da Sacrosanctum Concilium
05 de setembro de 2018

No nosso espaço “Memória História - 50 anos do Concílio Vaticano II”, vamos continuar a falar sobre a novidade da Sacrosanctum Concilium.
Trata da Liturgia da Igreja Católica, especialmente a da Igreja latina, em continuidade com a Encíclica Mediator Dei do Papa Pio XII. Os princípios enunciados constituíram o ponto de partida para a reforma litúrgica implementada após o encerramento do Concílio Vaticano II.
A Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia foi publicada pelo Concílio Vaticano II em 04 de dezembro de 1963, dia do encerramento da segunda sessão do Concílio. Na presença do Papa Paulo VI, o documento conciliar teve a aprovação (o placet) de 2.147 votantes e tão somente 4 votos contra. Ou seja, quase a maioria dos padres conciliares concordou com o documento como foi promulgado.
Essa Constituição representou uma novidade na história da Igreja. Pela primeira vez, um Concílio Ecumênico havia se debruçado de maneira exaustiva sobre a Liturgia do Rito Romano, estabelecendo a renovação geral da Liturgia com propostas concretas.
De fato, esse aggiornamento da Igreja, grande objetivo do Concílio Vaticano II, jamais foi tão claro e visível como no caso da Liturgia. As adaptações, a reforma, a renovação da Liturgia deveria ser feita, porém, “com prudência, no espirito da sã tradição” e adaptada “de acordo com as circunstâncias e as necessidades de nosso tempo”, como aponta a SC, no número 04.
De acordo com o princípio da continuidade, a Constituição formulou o princípio do desenvolvimento orgânico da liturgia, prestando atenção ao fato de que novas formas deveriam surgir “daquelas já existentes”(SC, n.23) [2]. Portanto, não há um descontinuismo, uma ruptura, como, de fato, tantas interpretações errôneas foram feitas após o Concílio.
Aqui queremos lembrar o que foi escrito e aprovado no número 21 da constituição Sacrosanctum Concilium: “A santa mãe Igreja, para permitir ao povo cristão o acesso mais seguro à abundância de graças que a liturgia contém, deseja fazer uma acurada reforma geral da liturgia. Na verdade, a liturgia compõe-se de uma parte imutável, porque de instituição divina, e de partes suscetíveis de mudanças. Estas, com o passar dos tempos, podem ou mesmo devem variar, se nelas se introduzirem elementos que menos correspondam à natureza íntima da própria liturgia, ou se estes se tenham tornado menos oportunos. Nesta reforma, porém, o texto e as cerimônias devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que elas significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, à medida do possível, e também participar plena e ativamente da celebração comunitária”.
Portanto, na Liturgia há aspectos divinos e imutáveis e outros suscetíveis de mudanças e adaptações. Porque houve no decorrer da história da Igreja muitos acréscimos de alguns aspectos secundados, de algumas roupagens desnecessárias e desconexas na Liturgia. Damos como exemplo, o demasiado tom penitencial medieval na Liturgia ou os introitos acrescentados na procissão de entrada quando os reis participavam da Missa, havendo aquelas introduções longas e que não fazem parte da Eucaristia primitiva.
Diz mais uma coisa nesse número 21 que quero destacar: que a reforma, porém, ordene-se de tal modo que de fato exprimam mais claramente as coisas santas. Ou seja, o mistério precisa ser mais claro que permita - como conclui esse número 21 - a participação mais plena e ativa dos fiéis na celebração.

12 de setembro de 2018

De acordo com o princípio da continuidade, a Constituição Sacrosanctum Concilium formulou o princípio do desenvolvimento orgânico da liturgia, prestando atenção ao fato de que novas formas deveriam surgir “daquelas já existentes”. Neste sentido, no documento conciliar promulgado em 4 de dezembro de 1963 pelo Papa Paulo VI, não há uma descontinuidade, uma ruptura, como afirmam determinadas leituras.
A constituição Sacrosanctum Concilium propõe uma reforma geral da Liturgia nas coisas que podemos mudar e que não sejam essenciais. Diz assim o número 21: “Nesta reforma, porém, o texto e as cerimônias devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, à medida do possível, e também participar plena e ativamente da celebração comunitária”.
Portanto, que a reforma ordene-se de tal modo que de fato exprimam mais claramente as coisas santas. Ou seja, o mistério precisa ser mais claro que permita - como conclui esse número 21 - a participação mais plena e ativa dos fiéis na celebração. É claro que a liturgia continuará sempre a ser um mistério imensurável da fé. Continuará sempre ser um “mistério”, uma fonte inesgotável que não podemos abarcar com toda a nossa capacidade intelectual. Por ser divino, é inesgotável. Mas não podemos cair no outro extremo de dizer que, por ser mistério da fé, seja obscuro, seja ininteligível.
A Liturgia precisa ser mais expressiva, de forma que o povo entenda, mergulhe e participe ativamente, sem o fiel ser um mero expectador, como se estivesse assistindo um teatro ou um filme, sem se envolver, com o Mistério Pascal que ali se dá, se realiza e se atualiza.
Por isso, “toda celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote e do seu corpo, que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia nenhuma outra ação da Igreja iguala, sob o mesmo título e grau” (SC, 07). Fala-se nesse número 07, da eficácia da Liturgia, porque na história houve muitas controvérsias a respeito do sacramento. Martinho Lutero quis salientar a necessidade das predisposições do sujeito para que os sacramentos produzam fruto. Erra quando afirma que essas predisposições sejam a causa eficaz do sacramento em si mesmo.
Por isso, o Concilio de Trento definirá a eficácia dos sacramentos, dizendo que quem afirmar que os sacramentos são apenas sinais externos da graça, seja considerado anátema (ou seja, fora da doutrina de Cristo). A presença da graça divina no sacramento não depende da santidade daquele que administra o sacramento, nem daquele que o recebe. A causa da graça não é o homem e seus méritos. Mas unicamente Jesus Cristo. Daí dizer-se: o sacramento age “ex opere operato” (frase latina que traduzida significa realizar com eficácia o que significa e simboliza o sacramento) é o mesmo que afirmar que uma vez realizado o rito sacramental, colocados os sagrados símbolos em matéria e forma, Jesus Cristo age e se torna realmente presente, sem sombra de dúvida.
Diante dessa controvérsia luterana, sabemos que na história, na Liturgia, se acentuou demasiadamente, na Liturgia católica, o princípio da eficácia do sacramento, em detrimento aos sinais litúrgicos e celebrativos – dessa clareza pedida pela SC. Por causa dessa eficácia operante (“ex opera operatur”), não se deu mais tanta importância aos sinais litúrgicos e se negligenciou essa expressão mais clara das coisas santas (SC, 21), pedida agora pelo Concílio Vaticano II.
Por isso, é possível entender o apelo dos padres conciliares: “Nesta reforma, porém, o texto e as cerimônias devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, à medida do possível, e também participar plena e ativamente da celebração comunitária”. Ou seja, a importância dos sinais – não só da eficácia sacramental.

[1] Helmut Hoping. A Constituição Sacrosanctum Concilium. in: As Constituições do Vaticano II, ontem e hoje. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral (org.). Edições CNBB, 2015, pp. 99-100.
[2] ibid., p.102.

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