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terça-feira, 13 de março de 2018

Raniero Cantalamessa: III Pregação de Quaresma 2018

Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
III pregação de Quaresma
09 de março de 2018

“Não façam de si próprios uma opinião maior do que convém”

A exortação à caridade que recolhemos da boca do Apóstolo, na meditação anterior, está encerrada entre duas breves exortações à humildade que se recordam de forma proeminente entre si, de modo a formar uma espécie de marco para o discurso sobre a caridade. Lidas uma atrás da outra, omitindo o que está no meio, as duas exortações soam assim:
“Não façam de si próprios uma opinião maior do que convém, mas um conceito razoavelmente modesto [...] Não aspirem a coisas muito elevadas, mas curvem-se perante às humildes. Não tenham uma ideia muito alta de vocês mesmos” (Rm 12,3.16).
Não é uma questão de pequenas recomendações à moderação e à modéstia; através destas poucas palavras, a parênese apostólica nos abre diante de todo o vasto horizonte da humildade. Ao lado da caridade, São Paulo encontra na humildade o segundo valor fundamental, a segunda direção em que se deve trabalhar para renovar, no Espírito, a própria vida e construir a comunidade.
Nunca, como neste campo, as virtudes cristãs nos aparecem como um fazer próprios “os sentimentos que estavam em Cristo Jesus”. Ele, recorda em outro lugar o Apóstolo, embora sendo de natureza divina, “se humilhou fazendo-se obediente até a morte” (Fl 2,5-8) e aos próprios discípulos, ele disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). Podemos falar da humildade de diferentes pontos de vista, como veremos que o Apóstolo fará, mas em seu significado mais profundo, a humildade é apenas a de Cristo. É verdadeiramente humilde quem se esforça para ter o coração de Cristo.

1. A humildade como sobriedade 
Na parênese da Carta aos Romanos, São Paulo aplica à vida da comunidade cristã o ensinamento bíblico tradicional sobre a humildade que é constantemente expressada através da metáfora espacial do “elevar-se” e do “abaixar-se”, do tender ao alto e do tender ao baixo. Pode-se “aspirar a coisas muito altas” ou com a própria inteligência, com um questionamento imoderado que não leva em consideração a própria limitação frente ao mistério, ou com a vontade, aspirando a posições e cargos de prestígio. O Apóstolo tem em mente ambas possibilidades e, em qualquer caso, as suas palavras combatem tanto uma quanto outra coisa: tanto a presunção da mente, quanto a ambição da vontade.
Ao transmitir, no entanto, o ensinamento bíblico tradicional sobre a humildade, São Paulo dá uma motivação parcialmente nova e original dessa virtude. No Antigo Testamento, o motivo ou a razão que justifica a humildade é que Deus “rejeita os soberbos e dá sua graça aos humildes” (cf. Pr 3,34; Jo 22,29), que ele “vê os humildes e conhece os soberbos de longe” (Sl 137,6). Não se dizia, no entanto - pelo menos explicitamente – por que Deus faz isso, isto é, por que “eleva os humildes e abaixa os soberbos”. A este fato, podemos dar explicações diferentes: por exemplo, o ciúme ou “inveja de Deus” (sphonos Theou), como pensavam alguns escritores gregos, ou simplesmente a vontade divina de punir a arrogância humana, a hybris.
O conceito decisivo que São Paulo introduz no discurso da humildade é o conceito de verdade. Deus ama o humilde porque o humilde está na verdade; é um homem verdadeiro, autêntico. Ele castiga a soberba, porque a soberba, antes mesmo de ser arrogância, é mentira. De fato, tudo aquilo que, no homem, não é humildade é mentira.
Isso explica por que os filósofos gregos, que também conheceram e louvaram quase todas as outras virtudes, não conheceram a humildade. A palavra humildade (tapeinosis) sempre manteve, com eles, um significado predominantemente negativo de abaixamento, de mesquinhez, de pedanteria, de pusilanimidade. Os filósofos gregos ignoravam as duas pedras angulares que permitem associar entre si a humildade e a verdade: a ideia de criação e a ideia bíblica de pecado. A ideia de criação fundamenta a certeza de que tudo o que é bom e bonito no homem vem de Deus, nada excluído; a ideia bíblica de pecado fundamenta a certeza de que tudo o que é mau, no sentido moral, no homem, vem de sua liberdade, de si mesmo. O homem bíblico é levado à humildade tanto pelo bem quanto pelo mau que descobre em si mesmo.
Mas vamos ao pensamento do Apóstolo. A palavra usada por ele no nosso texto para indicar a humildade-verdade é a palavra sobriedade ou sabedoria. Ele exorta os cristãos a não terem uma ideia errada e exagerada de si mesmos, mas sim uma avaliação justa, sóbria, de si, quase podemos dizer objetiva. Na retomada da exortação, no versículo 16, o "ter uma ideia sóbria de si”, encontra o seu equivalente na expressão “tender às coisas humildes”. Com isso, ele diz que o homem é sábio quando é humilde e que é humilde quando é sábio.
Abaixando-se, o homem se aproxima da verdade. “Deus é luz”, diz São João (1 Jo 1, 5), é verdade, e não pode encontrar o homem, a não ser na verdade. Ele dá a sua graça aos humildes porque só o humilde é capaz de reconhecer a graça; não diz: “o meu braço, ou a minha mente, fez isso!” (cf. Dt 8,17; Is 10,13). Santa Teresa d’Ávila escreveu: “Perguntava-me um dia por que o Senhor ama tanto a humildade e de repente pensei, sem qualquer reflexão minha, que isso deve ser porque ele é a suprema Verdade e a humildade é a verdade” [1].

2. Que possuis que não tenhas recebido?
O Apóstolo não nos deixa agora no vago ou na superfície, a respeito desta verdade sobre nós mesmos. Algumas de suas frases lapidárias, contidas em outras cartas, mas pertencentes a essa mesma ordem de ideias, têm o poder de derrubar nossos “pontos de apoio” e fazer-nos aprofundar na descoberta da verdade.
Uma dessas frases diz: “O que possuis que não tenhas recebido? E, se recebeste, por que haverias de te ensoberbecer como se não o tivesses recebido?” (1Cor 4,7). Há somente uma coisa que não recebi, que é totalmente e somente minha, e é o pecado. Isso eu sei e sinto que vem de mim, que encontra a sua fonte em mim, ou, de qualquer maneira, no homem e no mundo, não em Deus, enquanto todo o resto - incluindo o fato de reconhecer que o pecado vem de mim - é de Deus. Outra frase diz: “Se alguém pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana a si mesmo” (Gl 6,3).
A “justa avaliação” de si mesmos é, portanto, essa: reconhecer o nosso nada! Este é aquele terreno sólido, ao qual tende a humildade! A pérola preciosa é precisamente a sincera e pacífica persuasão de que, por nós mesmos, não somos nada, não podemos pensar nada, não podemos fazer nada. Sem mim, nada podeis “fazer”, diz Jesus (Jo 15,5) e o Apóstolo acrescenta: “Não que por nós mesmos sejamos capazes de pensar algo...” (2Cor 3,5). Nós podemos, ocasionalmente, usar uma ou outra dessas palavras para cortar uma tentação, um pensamento, uma complacência, como uma verdadeira “espada do Espírito”: “Que possuis que não tenhas recebido?”. A eficácia da palavra de Deus se experimenta sobretudo neste caso: quando se usa sobre si mesmo, mais do que quando se usa nos outros.
Deste modo, estamos começando a descobrir a verdadeira natureza do nosso nada, que não é um nada puro e simples, uma “ninharia inocente”. Vislumbramos o objetivo final ao qual a palavra de Deus nos quer conduzir, que é de reconhecer o que verdadeiramente somos: um nada soberbo! Eu sou aquele alguém que “acredita que é algo”, enquanto sou nada; eu sou aquele que não tem nada que não tenha recebido, mas que sempre se vangloria – ou é tentado a fazê-lo – por algo, como se não o tivesse recebido!
Esta não é uma situação de alguns, mas uma miséria de todos. É a própria definição do homem velho: um nada que acredita ser algo, um nada soberbo. O próprio Apóstolo confessa o que descobria, quando ele mesmo descia ao fundo de seu coração: “Descubro em mim mesmo – dizia – uma outra lei..., descubro que o pecado habita em mim ... Sou um miserável! Quem me livrará?” (cf. Rm 7,14-25). Aquela “outra lei”, o “pecado que habita em nós” é, para São Paulo, como sabemos, antes de mais nada, a autoglorificação, o orgulho, o vangloriar-se de si mesmo.
Ao final da nossa jornada de descida, portanto, não descobrimos a humildade em nós, mas a soberba. Mas, precisamente esse descobrir que somos radicalmente soberbos e que o somos por nossa culpa, não de Deus, porque nos tornamos assim ao fazer mau uso da nossa liberdade, precisamente isso é a humildade, porque isso é a verdade. Ter descoberto esse horizonte, ou somente tê-lo vislumbrado de longe, através da palavra de Deus, é uma graça grande. Dá uma paz nova. Como quem, em tempo de guerra, descobriu que possui em sua própria casa, sem sequer ter de sair, um refúgio seguro contra os bombardeios, absolutamente inatingível.
Uma grande mestra espiritual – Santa Ângela de Foligno –, perto da morte, exclamou: “Oh, nada desconhecido, oh nada desconhecido! A alma não pode ter uma visão melhor neste mundo do que contemplar seu próprio nada e viver nele como em uma cela de prisão”. A própria Santa exortava os seus filhos espirituais a fazer o possível para retornarem àquela cela, imediatamente depois de terem saído, por qualquer motivo. Devemos fazer como certos animais cautelosos que não se distanciam de suas tocas, para poderem entrar rápido, no primeiro sinal de perigo.
Há um grande segredo escondido neste conselho, uma verdade misteriosa que se conhece experimentando. Descobre-se, então, que existe realmente esta cela e que é possível entrar realmente toda vez que se queira. Ela consiste na sensação tranquila e de quietude de ser um nada, e um nada soberbo. Quando se está dentro da cela desta prisão, não se veem mais os defeitos do próximo, ou são vistos com um outro prisma. Compreende-se que é possível, com a graça e com o exercício, realizar o que diz o Apóstolo e que parece, a primeira vista, excessivo, ou seja, “considerar todos os demais superiores a si mesmo” (cf. Fl 2,3) ou pelo menos entende-se como é que isso foi possível aos santos.
Certamente, fechar-se naquela prisão não é fechar-se sobre si mesmos; é, em vez disso, abrir-se aos outros, ao ser, à objetividade das coisas. O oposto do que os inimigos da humildade cristã sempre pensaram. É fechar-se ao egoísmo, não no egoísmo. É a vitória sobre um dos males que também a moderna psicologia julga ser fatal para a pessoa humana: o narcisismo.
Naquela cela, além disso, não penetra o inimigo. Um dia, Antonio o Grande teve uma visão; viu, num instante, todos os laços infinitos do inimigo espalhados pela terra e disse gemendo: “Quem poderá, então, evitar todos esses laços?” e ouviu uma voz lhe responder: “A humildade!” [2].
O Evangelho nos apresenta um modelo insuperável dessa humildade-verdade, e é Maria. Deus – canta Maria no Magnificat – “olhou a humildade da sua serva” (Lc 1,48). Mas o que a Virgem entende aqui por “humildade”? Não a virtude da humildade, mas a sua condição humilde ou, no máximo, a sua pertença à categoria dos humildes e dos pobres mencionados na continuação do cântico. Isto é confirmado pela referência explícita ao cântico de Anna, a mãe de Samuel, onde a mesma palavra usada por Maria (tapeinosis) significa claramente miséria, esterilidade, condição humilde, não sentimento de humildade.
Mas a coisa é clara em si mesma. Como podemos pensar que Maria exalta a sua humildade, sem, por esse fato, destruir a humildade de Maria? Como podemos pensar que Maria atribua à sua humildade a escolha de Deus, sem, com isso, destruir a gratuidade desta escolha e tornar a vida inteira de Maria incompreensível a partir de sua imaculada conceição? Para sublinhar a importância da humildade, alguém escreveu com cautela que Maria “não se vangloria de nenhuma outra virtude a não ser de sua humildade”, como se, dessa forma, se fizesse uma grande honra, e não, pelo contrário, um grande erro, a essa virtude. A virtude da humildade tem um status muito especial: tem-na aquele que pensa não tê-la, não a tem aquele que pensa tê-la. Somente Jesus pode declarar-se “humilde de coração” e verdadeiramente sê-lo; esta é a característica única e irrepetível da humildade do homem-deus.
Maria, portanto, não tinha a virtude da humildade? Claro que a tinha e em grau supremo, mas isso só Deus sabia, ela não. Precisamente isso, de fato, constitui o mérito incomparável da verdadeira humildade: que o seu perfume é sentido apenas por Deus, e não por aquele que o emana. A alma de Maria, livre de toda real e pecaminosa luxúria, diante da situação nova criada pela sua maternidade divina, foi levada, com toda rapidez e naturalidade, ao seu ponto de verdade – ao seu nada – e de lá nada nem ninguém pode mais movê-la.
Nisto, a humildade da Mãe de Deus mostra-se um prodígio único da graça. Ela arrancou de Lutero esse elogio: “Embora Maria tenha recebido em si aquela grande obra de Deus, teve e manteve um tal sentimento de si a ponto de não elevar-se acima do menor homem da terra [...]. Aqui se celebra o espírito de Maria maravilhosamente puro, que, enquanto se lhe faz uma tamanha honra, não se deixa levar pela tentação, mas como se nada visse, permanece no caminho certo” [3].
A sobriedade de Maria está acima de qualquer comparação, mesmo entre os santos. Ela levantou a tremenda tensão desse pensamento: “Tu es a mãe do Messias, a mãe de Deus! Tu es aquilo que toda mulher do teu povo teria gostado de ser!”. “A que devo a mãe do meu Senhor vir a mim?”, exclamava Isabel, e ela responde: “Ele olhou para a pequenez de sua serva!”. Ela aprofundou em seu nada e “elevou” somente Deus, dizendo: “Minha alma engradece o Senhor”. O Senhor, não a serva. Maria é verdadeiramente a obra-prima da graça divina.

3. Humildade e humilhação 
Não devemos nos iludir de ter alcançado a humildade apenas porque a Palavra de Deus e o exemplo de Maria nos levou a descobrir o nosso nada. Podemos ver em que ponto estamos na humildade, quando a iniciativa passa de nós para os demais, ou seja, quando não somos mais nós a reconhecer os nossos defeitos e erros, mas são os demais que o fazem; quando não somos somente capazes de dizer-nos a verdade, mas também de deixar que no-la digam, de bom grado, os demais. Se vê, em outras palavras, nas reprovações, nas correções, nas críticas e nas humilhações. “Muitas vezes é muito útil preservar-nos na humildade - diz o autor da Imitação de Cristo - que outros conheçam e repreendam os nossos defeitos” [4].
Pretender matar o próprio orgulho atacando-o sozinho, sem que ninguém intervenha de fora, é como usar o próprio braço para castigar-se: nunca se machucará realmente. É como querer tirar um tumor sozinho. Existem pessoas (e eu certamente estou entre elas) que são capazes de dizer de si – e também sinceramente – todo o mal possível e imaginável; pessoas que, durante uma liturgia penitencial, fazem auto-acusações com uma franqueza e coragem admiráveis, mas assim que alguém ao seu redor apenas sugere levar suas confissões a sério, ou ousa acrescentar algo, saem faíscas. Evidentemente, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a verdadeira humildade e a humilde verdade.
Quando tento receber a glória de um homem por algo que digo ou faço, é quase certo que aquele mesmo homem procura receber glória de mim pelo que ele diz ou faz em resposta. E assim acontece que cada um busca a própria glória e ninguém a obtém e se, por acaso, a obtém, não passa de “vanglória”, ou seja, glória vazia, destinada a dissolver-se em fumaça com a morte. Mas o efeito é igualmente terrível; Jesus atribuía à busca da própria glória, inclusive, a impossibilidade de crer. Dizia aos fariseus: “Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros, mas não procurais a glória que vem do Deus único?” (Jo 5,44).
Quando nos encontremos envolvidos em ideias e aspirações de glória humana, joguemos na mistura desses pensamentos, como uma tocha acesa, a palavra que o próprio Jesus usou e que nos deixou: “Não procuro a minha glória” (Jo 8,50). Ela tem o poder quase sacramental de realizar o que significa, de dissipar tais pensamentos.
A humildade é uma luta que dura toda a vida e se estende a todos os aspectos da vida. O orgulho é capaz de alimentar-se tanto do mal quanto do bem e de sobreviver, portanto, em todas as situações e em todos os “climas”. Na verdade, ao contrário do que acontece em todos os outros vícios, o bem, e não o mal, é o terreno de cultivo preferido para este terrível “vírus”.
“A vaidade tem raízes tão profundas no coração do homem que um soldado, um servo de milícias, um cozinheiro, um porteiro, se orgulha e pretende ter os seus admiradores e os próprios filósofos querem isso. E aqueles que escrevem contra a vanglória aspiram ao júbilo de ter escrito bem, e aqueles que os leem se vangloriam de tê-los lido; eu, que escrevo isso, talvez nutra o mesmo desejo e talvez até aqueles que me leem” [5].
A vaidade é capaz de transformar em ato de orgulho o nosso próprio desejo de tender à humildade. Mas com a graça, nós podemos sair vencedores também desta terrível batalha. Se, de fato, o seu homem velho consegue transformar em atos de orgulho o seus próprios atos de humildade, com a graça, transforma em atos de humildade também os seus atos de orgulho, reconhecendo-os. Reconhecendo, humildemente, que você é um nada soberbo. Assim, Deus também é glorificado pelo nosso próprio orgulho.
Nesta batalha, Deus geralmente vem em socorro dos seus, com um remédio eficaz e único. Escreve São Paulo: “Já que essas revelações eram extraordinárias, para eu não me encher de soberba, foi-me dado um aguilhão na carne – um anjo de Satanás para me espancar – a fim de que não me encha de soberba” (2Cor 12,7).
Para que o homem “não se encha de soberba”, Deus o fixa no chão com uma espécie de âncora; coloca “peso em nossos rins” (cf. Sl 66,11). Nós não sabemos exatamente o que era esse “espinho na carne” e este “enviado de Satanás” para Paulo, mas sabemos bem o que é para nós! Cada um que quer seguir o Senhor e servir a Igreja o tem. São situações humilhantes que nos recordam constantemente, às vezes de noite e de dia, a dura realidade daquilo que somos. Pode ser um defeito, uma doença, uma fraqueza, uma impotência, que o Senhor nos deixa, apesar de todas as súplicas. Uma tentação persistente e humilhante, talvez apenas uma tentação de soberba! Uma pessoa com quem alguém é forçado a viver e que, apesar da retidão de ambas as partes, tem o poder de expor nossa fragilidade, de demolir a nossa presunção.
Às vezes, trata-se de algo ainda mais pesado: são situações em que o servo de Deus é forçado a assistir impotente ao fracasso de todos os seus esforços e a coisas muito maiores do que ele, que o fazem tocar com as mãos a sua impotência diante do poder do mal e das trevas. É aqui especialmente que ele aprende o que quer dizer “humilhar-se sob a potente mão de Deus” (ver 1Pd 5,6).
A humildade não é somente importante para o progresso pessoal no caminho da santidade; também é essencial para o bom funcionamento da vida comunitária, para a construção da Igreja. Eu digo que a humildade é o isolante na vida da Igreja. O isolante é muito importante e vital para o progresso no campo da eletricidade. Quanto maior a tensão, quanto mais poderosa a corrente elétrica que passa por um fio, mais resistente deve ser o isolamento que impede a corrente de descarregar no chão ou de causar curto-circuitos. Ao progresso no campo da eletricidade deve corresponder um progresso semelhante na técnica de isolamento. A humildade é, na vida espiritual, o grande isolante que permite que a corrente divina da graça passe através de uma pessoa sem dissipar-se, ou, pior, provocar chamas de orgulho e de rivalidade.
Terminamos com as palavras de um salmo que nos permite transformar em oração a exortação que o Apóstolo nos dirigiu com seus ensinamentos sobre humildade
“Senhor, meu coração não se enche de orgulho,
meu olhar não se levanta arrogante.
Não procuro grandezas, nem coisas superiores a mim.
Ao contrário, mantenho em calma e sossego a minha alma,
tal como uma criança no seio materno, assim está minha alma em mim mesmo (Sl 130).

[1] SantaTeresa d’Avila, Castello Interiore, VI dim., cap. 10.
[2] Il libro della B. Angela da Foligno, cit., p. 737.
[3] M. Lutero, Commento al Magnificat, ed. Weimar 7, p. 555s.
[4] Imitazione di Cristo, II, 2.
[5] B. Pascal, Pensieri, n. 150 Br.


Fonte: Vatican News

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