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sábado, 4 de março de 2017

Homilia do Papa na visita à igreja anglicana de Roma

Papa Francisco
Visita à Igreja Anglicana “All Saints” de Roma
Domingo, 26 de fevereiro de 2017

Estimados irmãos e irmãs!
Agradeço-vos o gentil convite para celebrar juntos este aniversário paroquial. Passaram mais de duzentos anos desde quando se realizou em Roma o primeiro serviço litúrgico público anglicano para um grupo de residentes ingleses que viviam nesta parte da cidade. Desde então, em Roma e no mundo, muita coisa mudou. Durante estes dois séculos também entre anglicanos e católicos, que no passado se olhavam com suspeita e hostilidade, mudaram muitos aspetos; hoje, graças a Deus, reconhecemo-nos como somos verdadeiramente: irmãos e irmãs em Cristo, mediante o nosso batismo comum. Como amigos e peregrinos desejamos caminhar juntos, seguir juntos o nosso Senhor Jesus Cristo. Convidastes-me a abençoar o novo ícone de Cristo Salvador. Cristo olha para nós e o seu olhar pousado em nós é de salvação, de amor e de compaixão. É o mesmo olhar misericordioso que trespassou o coração dos Apóstolos, que iniciaram um caminho de vida nova para seguir e anunciar o Mestre. Nesta santa imagem Jesus, olhando-nos, parece que dirija também a nós uma chamada, um apelo: «Estás pronto a deixar algo do teu passado por mim? Queres ser mensageiro do meu amor, da minha misericórdia?».
A misericórdia divina é a fonte de todo o ministério cristão. Diz-nos o Apóstolo Paulo, dirigindo-se aos Coríntios, na leitura que acabámos de ouvir. Ele escreve: «Por isso não desanimemos deste ministério que nos foi conferido por misericórdia» (2 Cor 4, 1). Com efeito, São Paulo nem sempre manteve uma relação fácil com a comunidade de Corinto, como demonstram as suas cartas. Houve até uma visita dolorosa a esta comunidade e palavras concitadas foram trocadas por escrito. Mas este trecho mostra o Apóstolo que supera as divergências do passado e, vivendo o seu ministério segundo a misericórdia recebida, não se resigna diante das divisões mas dedica-se à reconciliação. Quando nós, comunidade de cristãos batizados, nos encontramos diante de desacordos e nos pomos à frente do rosto misericordiosos de Cristo para os superar, fazemos precisamente como fez São Paulo numa das primeiras comunidades cristãs.
Como se comporta Paulo nesta tarefa, de onde começa? Da humildade, que não é só uma bonita virtude, é uma questão de identidade: Paulo compreende-se como servo, que não se anuncia a si mesmo, mas ao Senhor Jesus Cristo (v. 5). E realiza este serviço, este ministério segundo a misericórdia que lhe foi concedida (v. 1); não com base na sua competência nem contando com as suas forças, mas na confiança de que Deus olha para ele e apoia com misericórdia a sua debilidade. Tornar-se humilde é descentralizar-se, sair do centro, reconhecer-se necessitado de Deus, mendigo de misericórdia: é o ponto de partida para que seja Deus a agir. Um presidente do Conselho ecuménico das Igrejas descreveu a evangelização cristã como «um mendigo que diz a outro mendigo onde encontrar o pão» (Dr. D. T. Niles). Penso que São Paulo teria aprovado. Ele sentia-se «saciado pela misericórdia» e a sua prioridade era partilhar com os outros o seu pão: a alegria de ser amado pelo Senhor e de o amar.
Este é o nosso bem mais precioso, o nosso tesouro, e neste contexto Paulo introduz uma das suas imagens mais conhecidas, que podemos aplicar a todos nós: «Temos este tesouro em vasos de barro» (v. 7). Somos só vasos de barro, mas conservamos dentro de nós o maior tesouro do mundo. Os Coríntios sabiam que era estultice preservar algo precioso em vasos de barro, que custavam pouco e se quebravam facilmente. Conservar dentro deles algo de valor significava correr o risco de o perder. Paulo, pecador perdoado, humildemente reconhece que é frágil como um vaso de barro. Mas experimentou e sabe que precisamente ali, onde a miséria humana se abre à ação misericordiosa de Deus, o Senhor faz maravilhas. Assim, é exercido o «extraordinário poder» de Deus (v. 7).
Confiante neste humilde poder, Paulo serve o Evangelho. Falando sobre alguns dos seus adversários em Corinto, chama-os «eminentes apóstolos» (2 Cor 12, 11), talvez e com uma certa ironia, porque o tinham criticado pelas suas fragilidades, das quais eles se julgavam isentos. Ao contrário, Paulo ensina que só nos reconhecendo frágeis vasos de barro, pecadores sempre necessitados de misericórdia, o tesouro de Deus derrama-se sobre nós e sobre os outros através de nós. Caso contrário, estaríamos só cheios de tesouros que se corrompem e apodrecem em vasos aparentemente bons. Se reconhecermos a nossa fragilidade e pedirmos perdão, então a misericórdia saneadora de Deus resplandecerá dentro de nós e será visível também externamente; os outros advertirão contudo, através de nós, a beleza gentil do rosto de Cristo.
Num determinado momento, talvez o mais difícil com a comunidade de Corinto, Paulo cancelou uma visita que estava programada, renunciando até as ofertas que teria recebido (2 Cor 1, 15-24). Havia tensões na comunhão, mas não tiveram a última palavra. A relação foi restabelecida e o Apóstolo aceitou a oferta para o apoio da Igreja de Jerusalém. Os cristãos de Corinto retomaram o apoio às outras comunidades visitadas por Paulo, ajudando quantos tinham necessidade. Isto é um sinal forte de comunhão restabelecida. Também a obra que a vossa comunidade realiza juntamente com outras de língua inglesa aqui em Roma pode ser vista deste modo. Uma comunhão verdadeira e firme cresce e fortalece-se quando se age em conjunto por quantos têm necessidade. Através do testemunho unânime da caridade, o rosto misericordioso de Jesus torna-se visível na nossa cidade.
Católicos e anglicanos, sejamos humildemente gratos porque, depois de séculos de recíproca desconfiança, agora somos capazes de reconhecer que a graça fecunda de Cristo está em ato. Demos graças ao Senhor porque entre os cristãos cresceu o desejo de uma maior proximidade, que se manifesta na prece conjunta e no testemunho comum do Evangelho, sobretudo através das várias formas de serviço. Às vezes, o progresso no caminho para a plena comunhão pode parecer lento e incerto, mas hoje podemos obter encorajamento do nosso encontro. Pela primeira vez um Bispo de Roma visita a vossa comunidade. É uma graça e também uma responsabilidade: a responsabilidade de reforçar as nossas relações em louvor a Cristo, ao serviço do Evangelho e desta cidade.
Encorajemo-nos uns aos outros para nos tornarmos discípulos cada vez mais fiéis de Jesus, cada vez mais livres dos respetivos preconceitos do passado e desejosos de rezar por e com os outros. Um bom sinal desta vontade é a «geminação» realizada entre a vossa paróquia de All Saints e a católica de Todos os Santos. Os Santos de cada confissão cristã, plenamente unidos na Jerusalém do céu, nos abram os caminhos para percorrer na terra todas as vias possíveis de um itinerário cristão fraterno e comum. Onde nos reunirmos em nome de Jesus, Ele estará presente (cf. Mt 18, 20), e dirigindo o seu olhar de misericórdia chama-nos a dedicar-nos à unidade e ao amor. Que o rosto de Deus resplandeça sobre vós, as vossas famílias e toda esta comunidade!


Fonte: Santa Sé

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