Páginas

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Homilia do Papa nas Vésperas em Havana

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
A CUBA E AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
(19-28 DE SETEMBRO DE 2015)

CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM SACERDOTES, CONSAGRADOS E SEMINARISTAS
HOMILIA DO SANTO PADRE
Catedral de Havana
Domingo, 20 de Setembro de 2015

O cardeal Jaime falou-nos de pobreza e a irmã Yaileny [Irmã Yaileny Ponce Torres, Filha da Caridade] falou-nos do mais pequeno, dos mais pequenos: «são todos crianças». Eu tinha preparado uma homilia para dizer agora, com base nos textos bíblicos, mas, quando falam os profetas – e todo o sacerdote é profeta, todo o baptizado é profeta, todo o consagrado é profeta –, prestemos-lhe atenção. E assim vou dar a homilia ao Cardeal Jaime para que vo-la faça chegar e seja publicada. Depois meditai-a. E, agora, conversemos um pouco sobre o que disseram estes dois profetas.
Ao Cardeal Jaime veio-lhe o desejo de pronunciar uma palavra muito incómoda, sumamente incómoda, que até vai contramão em toda a estrutura cultural, entre aspas, do mundo. Ele disse: «pobreza». E repetiu-a várias vezes. Penso que o Senhor quis que a ouvíssemos várias vezes e a acolhêssemos no coração. O espírito do mundo não a conhece, não a quer, esconde-a, não por pudor, mas por desprezo. E, se tem de pecar e ofender a Deus para que não lhe chegue a pobreza, fá-lo. O espírito do mundo não ama o caminho do Filho de Deus, que Se aniquilou a Si próprio, fez-Se pobre, fez-Se nada, humilhou-Se para ser um de nós.
A pobreza, que meteu medo àquele jovem tão generoso – tinha cumprido todos os mandamentos. Quando Jesus lhe disse: «Olha! Vende tudo que tens e dá-o aos pobres», pôs-se triste, meteu-lhe medo a pobreza. A pobreza, sempre procuramos iludi-la, até por coisas razoáveis, mas estou a falar de iludi-la no coração. Que é preciso saber administrar os bens, não se discute; é uma obrigação. Porque os bens são um dom de Deus; mas, quando estes bens entram no coração e começam a condicionar-te a vida, aí perdeste. Já não és como Jesus. Tens a tua segurança onde a pusera o jovem triste, aquele que se retirou triste. Creio que a vós, sacerdotes, consagrados, consagradas, pode servir aquilo que dizia Santo Inácio – isto não é fazer publicidade da família, não! Mas ele dizia que a pobreza era o muro e a mãe da vida consagrada. Era a mãe, porque gerava mais confiança em Deus. E era o muro, porque a protegia de todo o mundanismo. Quantas almas destruídas! Almas generosas, como a do jovem triste, que começaram bem mas depois foi-se-lhes apegando o amor a esse mundanismo rico, e acabaram mal, isto é, medíocres. Acabaram sem amor, porque a riqueza depaupera, mas depaupera mal. Tira-nos o melhor que temos, faz-nos pobres da única riqueza que vale a pena, para depormos a segurança noutra coisa.
O espírito de pobreza, o espírito de despojamento, o espírito de deixar tudo para seguir a Jesus. Isto de deixar tudo não sou que eu o invento. Aparece várias vezes no Evangelho. Na vocação dos primeiros discípulo que deixaram os barcos, as redes e seguiram-No. Aqueles que deixaram tudo para seguir a Jesus. Uma vez contava-me um padre idoso e sábio, a propósito de quando o espírito de riqueza, de mundanismo rico, entra no coração dum consagrado ou duma consagrada, dum sacerdote, dum bispo, dum Papa, duma pessoa seja ela quem for. Dizia que, quando alguém começa a juntar dinheiro para garantir o futuro, é certo que então o futuro já não está em Jesus; está numa companhia de seguros de tipo espiritual que eu dirijo, não é verdade? Assim, quando uma Congregação Religiosa – dizia-me ele para dar um exemplo – começa a juntar dinheiro e a poupar cada vez mais, Deus é tão bom que lhe envia um ecónomo desastroso, que a leva à falência. São as melhores bênçãos de Deus à sua Igreja, os ecónomos desastrosos, porque fazem-na livre, fazem-na pobres. A nossa Santa Mãe Igreja é pobre, Deus quere-a pobre, como quis pobre a nossa Santa Mãe Maria. Amai a pobreza como uma mãe. E, simplesmente com sugestão, se algum de vós tiver vontade, interrogue-se: Como é o meu espírito de pobreza? Como é o meu despojamento interior? Creio que isto poderá fazer bem à nossa vida consagrada, à nossa vida presbiteral. Afinal de contas, não nos esqueçamos que é a primeira das Bem-aventuranças: Felizes os pobres em espírito, os que não estão agarrados à riqueza, aos poderes deste mundo.
E a irmã falava-nos dos últimos, dos mais pequenos que, mesmo se são grandes, uma pessoa acaba por tratá-los como crianças, porque se apresentam como crianças. O mais pequeno. Esta é uma frase de Jesus. E já aparece no protocolo com base no qual seremos julgados: «O que fizeste ao mais pequeno dos meus irmãos, a mim mesmo o fizeste». Há serviços pastorais que podem ser mais gratificantes do ponto de vista humano, sem serem maus nem mundanos, mas quando alguém, por íntima preferência, busca o mais pequeno, o mais abandonado, o mais doente, aquele que ninguém tem em conta, aquele que ninguém quer, o mais pequeno, e serve o mais pequeno, então está a servir a Jesus de maneira superlativa. Mandaram-te para onde não querias ir. E choraste. Choraste porque não gostavas, o que não significa que sejas uma freira chorona, não! Deus nos livre das freiras choronas, não é? Freiras que estão sempre a lamentar-se. Isto não é meu; era Santa Teresa que o dizia às suas religiosas. É dela. Ai daquela religiosa que passa o dia inteiro a lamentar-se: porque me fizeram uma injustiça. Na língua castelhana do tempo, dizia: «Ai da monja que anda a dizer: fizeram-ma sem razão». Choraste porque eras jovem, tinhas outros sonhos: talvez pensasses que, num colégio, poderias render mais, proporcionar futuro à juventude. Mas mandaram-te para lá – a «Casa da Misericórdia» - onde a ternura e a misericórdia do Pai se tornam mais patentes, onde a ternura e a misericórdia de Deus se fazem uma carícia. Quantos religiosos e religiosas queimam – repito o verbo – queimam a sua vida, acariciando material de descarte, acariciando a quem o mundo descarta, a quem o mundo despreza, a quem o mundo prefere que não exista, a quem o mundo hoje quando, com os novos métodos de análise que tem, prevê que pode nascer com uma doença degenerativa, propõe eliminá-lo antes de nascer. É o mais pequeno. E uma jovem, cheia de sonhos, começa a sua vida consagrada, fazendo viva a ternura de Deus na sua misericórdia. Às vezes, não entendem, não sabem, mas como é bonito para Deus e quanto bem nos faz, por exemplo, o sorriso de um espático, que não sabe como fazê-lo, ou quando te quer beijar e baba-te a cara toda. Esta é a ternura de Deus, esta é a misericórdia de Deus. Ou quando estão mal-humorados e te dão um murro. Mas queimar a minha vida, assim, com material de descarte aos olhos do mundo fala-nos unicamente duma pessoa; fala-nos de Jesus, que, por pura misericórdia do Pai, Se fez nada, Se aniquilou: diz o texto de Filipenses no capítulo dois. Fez-Se nada. E estas pessoas, a quem dedicas a tua vida, imitam a Jesus, não por sua vontade, mas porque assim vieram ao mundo. São nada e escondem-nas, não as mostram, nem as visitam. E, se puderem e ainda estiverem a tempo, eliminam-nas. Obrigado pelo que fazes e, em ti, obrigado a estas e tantas outras mulheres consagradas ao serviço do inútil, porque não se pode combinar qualquer negócio, não se pode ganhar dinheiro, não se pode realizar absolutamente nada de «construtivo», entre aspas, com estes nossos irmãos, com os menores, com os mais pequenos. Aí brilha Jesus. Aí brilha a minha opção por Jesus. Graças a ti e a todos os consagrados e consagradas que fazem isto.
«Padre, eu não sou freira, não cuido de doentes, sou pároco, tenho uma paróquia, ou ajudo um pároco. Quem é o meu Jesus predilecto? Quem é o mais pequeno? Quem é aquele que me mostra mais a misericórdia do Pai? Aonde tenho de ir para o encontrar?» Obviamente, continuo a repassar o protocolo de Mateus (capítulo 25). Lá temo-los todos: no faminto, no recluso, no doente. Aí os encontrarás. Mas há um lugar privilegiado para o sacerdote, onde aparece este último, este mínimo, o mais pequeno, é o confessionário. Lá, quando aquele homem ou aquela mulher te mostram a sua miséria – olha que é a mesma que tens tu e só Deus te salvou de não chegar ao mesmo! – quando te mostram a sua miséria, por favor, não o censures, não o prendas, nem o castigues. Se não tiveres pecado, atira-lhe a primeira pedra: mas só nesta condição. Caso contrário, pensa nos teus pecados. Pensa que tu podias ser aquela pessoa. E pensa que, potencialmente, podes cair ainda mais fundo. Pensa que, neste momento, tens um tesouro nas mãos, que é a misericórdia do Pai. Por favor, sacerdotes, não vos canseis de perdoar. Sede perdoadores. Não vos canseis de perdoar, como fazia Jesus. Não vos escondais por trás de medos ou rigidez. Assim como esta religiosa e todas as outras que estão no mesmo trabalho que ela não ficam furiosas quando encontram o doente sujo ou mal disposto, mas servem-no, limpam-no, cuidam dele, assim também tu, quando chega junto de ti o penitente, não te faças mau, não te ponhas neurótico, não o expulses do confessionário, não o censures. Jesus abraçava-os. Jesus amava-os. Amanhã comemoramos São Mateus. Quanto roubava ele! Além disso, quanto traía o seu povo! E diz o Evangelho que Jesus, à noite, foi jantar com ele e outros como ele. Santo Ambrósio tem uma frase que me comove muito: «Onde há misericórdia, está o espírito de Jesus. Onde há rigidez, estão apenas os seus ministros».

Irmão sacerdote, irmão Bispo, não tenhas medo da misericórdia. Deixa que ela flua, através das tuas mãos e do teu abraço de perdão, porque aquele ou aquela que lá está, é o mais pequeno. E, portanto, é Jesus. Isto é o que me ocorre dizer depois de ter ouvido estes dois profetas. Que o Senhor nos conceda estas graças que os dois semearam no nosso coração: pobreza e misericórdia. Porque nelas está Jesus.


Fonte: Santa Sé (Neste link pode-se ler também a homilia que fora preparada pelo Santo Padre mas não foi lida)

Nenhum comentário:

Postar um comentário