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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A cor azul na Liturgia

O azul é considerado a mais “fria”, a mais “profunda”, a mais “imaterial” das cores. Está diretamente relacionado ao céu e, portanto, ao sagrado, ao divino, à santidade: em latim, com efeito, essa cor é denominada caeruleus (“cerúleo”), palavra derivada de caelum, céu.

O termo “azul”, por sua vez, deriva de lápis-lazúli, uma rocha de onde se extraía o pigmento dessa cor na Antiguidade e que significa literalmente “pedra do céu”: lapis é a palavra latina para “pedra”, enquanto “lazúli” deriva de um termo em sânscrito para “céu”.

No Cristianismo, a cor azul é tradicionalmente associada à Virgem Maria, sobretudo em alusão à “mulher do Apocalipse”: “Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher...” (Ap 12,1).

Papa Francisco com uma casula branca com detalhes em azul
(01 de janeiro de 2016)

Uso da cor azul na Liturgia

O azul não é uma cor litúrgica no Rito Romano. Não obstante, após a proclamação o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria em 1854, seria permitido a algumas dioceses da Espanha (como Toledo ou Sevilha) o uso de paramentos azuis nas Missas em honra da Imaculada.

Essa concessão teria sido feita em reconhecimento à contribuição dos teólogos espanhóis na defesa do dogma. A devoção a “Nossa Senhora da Conceição”, com efeito, era bastante forte na Península Ibérica, tanto na Espanha quanto em Portugal.

Posteriormente a concessão seria estendida a regiões que anteriormente haviam pertencido ao Império Espanhol, como alguns países da América Latina (México, Cuba, Peru...) ou as Filipinas.

Missa da Solenidade da Imaculada Conceição
(08 de dezembro de 2012 - Librilla, Espanha)

Em setembro de 1903, com efeito, é publicado um elenco das atribuições da Congregação dos Ritos, incluindo a concessão do uso de paramentos azuis para o “reino espanhol” e as regiões que lhe pertenceram:

Paramenta caerulei coloris permittendi in Missa de Festo aut votiva Immaculatae Conceptionis Beatae Mariae Virginis pro regno Hispanico et regionibus nunc vel olim eidem subiectis” [1].

Anteriormente, em fevereiro de 1902, ao ser questionada se os paramentos azuis também poderiam ser utilizados nas memórias de Nossa Senhora de Lourdes (11 de fevereiro) e de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa (27 de novembro), ambas ligadas ao mistério da Imaculada Conceição, a Congregação dos Ritos respondeu negativamente, reforçando o que afirmamos acima:

- o uso da cor azul é um privilégio único, concedido apenas à Espanha e a alguns de seus antigos territórios (“Indultum Apostolicum quod concedi solet pro Regno Hispaniae...”; “ex solo privilegio regnum hispanicum...”);

Missa da Solenidade da Imaculada Conceição
(Quezon City, Filipinas)

- a concessão diz respeito unicamente à Missa da Solenidade da Imaculada Conceição (08 de dezembro), à sua oitava (que posteriormente seria abolida) e às Missas votivas em honra da Imaculada Conceição (“Missa Immaculatae Deiparae Conceptionis, sive festiva sive votiva”);

- a concessão não se aplica às demais celebrações marianas, nas quais deve ser usada a cor branca, “segundo a lei comum, como no resto da Igreja” (“albo colore utetur, secundum ius commune, sicuti reliquae Ecclesiae”).

A resposta é assinada pelo Prefeito, Cardeal Domenico Ferrata (†1914), e pelo Secretário, Dom Diomede Panici (†1909) [2].

Alguns sites da internet mencionam que essa concessão teria sido estendida a outros países, dioceses, congregações religiosas ou santuários marianos. Contudo, seria necessário indicar o decreto com o qual a Santa Sé concede a autorização.

O Papa e os diáconos vestem paramentos brancos com detalhes em azul
(01 de janeiro de 2022)

Cumpre notar que nosso país não possui essa concessão. Portanto, usar paramentos azuis no Brasil constitui abuso litúrgico (cf. Código de Direito Canônico, cân. 846, §1).

Para que o uso do azul fosse permitido, seria necessário que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) fizesse um pedido ao Dicastério para o Culto Divino (cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano, 3ª edição, nn. 346.390).

Não obstante, nada impede que nas festas marianas se utilizem paramentos brancos com detalhes em azul, desde que a cor branca predomine, como costuma fazer o Papa Francisco.

Vale recordar, por fim, que o azul costuma ser utilizado por algumas Igrejas Orientais nas celebrações marianas e por algumas comunidades protestantes (como anglicanos ou luteranos) no Advento, substituindo o roxo.


Notas

[1] Actae Sanctae Sedis, vol. 36, 1903-1904, p. 418. Disponível no site da Santa Sé.

[2] idem, vol. 34, 1901-1902, pp. 553-555. Igualmente disponível no site da Santa Sé.

Referências

Dei praesidio suffultus: Liturgical blue. Publicado em 30 de dezembro de 2014. Acesso em 18 de novembro de 2022.

Sobre o simbolismo da cor azul:

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 16ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001, pp. 107-110.

HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos Símbolos: Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 338-339.

Postagem publicada originalmente em 20 de setembro de 2013. Revista e ampliada em 18 de novembro de 2022.

12 comentários:

  1. Se eu pudesse pedir algo ao Santo Padre, esta seria a primeira coisa: estender o azul para a Igreja Universal como facultativa em todas as festas marianas. Infelizmente acho que a CNBB nunca fará um pedido destes. Em 2014 serão 160 anos do dogma da Imaculada Conceição, seria uma data ótima para tal implemento.
    Parabéns por estas postagens sobre as cores liturgicas. Só para completar o branco também é usado quando não se tem paramentos suficientes da cor do dia.
    Sidnei

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    1. Concordo, caro Sidnei. O Papa poderia de fato estender o uso do azul a todo o Rito Romano.
      Grato por recordar sobre o uso do branco quando faltam paramentos da cor do dia. Já acrescentei à postagem.

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  2. É um privilégio concedido pela Santa Sé não a Espanha mas sim a Portugal

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    1. Os grandes manuais de História da Liturgia, como o de Mario Righetti, afirmam claramente tratar-se de privilégio concedido à Espanha, não a Portugal.
      Fonte: Righetti, M. Historia de la Liturgia. Madrid: Pontificia Universidad de Salamanca, 1955, vol. I, p. 562.

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    2. Foi concedido a Portugal, pois a nossa Rainha para todo sempre é Nossa Senhora! Nao esquecer que nesta epoca Portugal era modelo europeu! Nossa Senhora da Conceicao de Vila Vicosa tem este costume no seu Santuário! Usa-se o azul, na Solenidade da Conceicao de Nossa Senhora, na Solenidade da sua Assuncao e nas Memorias facultativas de Nossa Senhora no tempo comum

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    3. Por lapso nao escrevi tudo: foi conferido a Portugal, Espanha e algumas comunidades da America latina...

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  3. Já é permitido usar a cor azul no Brasil?

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    1. Não. Como afirmamos no texto, o uso da cor azul é um privilégio concedido à Espanha. Porém, são permitidos paramentos brancos com detalhes em azul.

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  4. Respostas
    1. Não há ainda uma previsão. Mas me confio às vossas orações.

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  5. No caso das toalhas de altar, como ficaria? Posso fazer um frontal Azul, com a parte de cima e as laterais brancas?

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    1. A Instrução Geral do Missal Romano afirma em duas ocasiões que a toalha do altar deve ser sempre branca (nn. 117.304).
      O frontal, por sua vez, é uma alfaia litúrgica distinta, que merece um estudo à parte. Nem sempre convém que o altar seja ornado com um frontal.

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