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quinta-feira, 22 de março de 2012

Homilia do Papa Bento XVI nas Vésperas do III Domingo da Quaresma

Vésperas por ocasião da Visita do Arcebispo de Canterbury
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica de São Gregório al Celio
Sábado, 10 de Março de 2012

Vossa Graça
Venerados Irmãos
Queridos Monges e Monjas Camaldulenses
Amados irmãos e irmãs!
É para mim motivo de grande alegria estar aqui hoje nesta Basílica de São Gregório «al Celio» para a solene celebração vespertina na memória do Trânsito de São Gregório Magno. Convosco, queridos Irmãos e Irmãs da família camaldulense, dou graças a Deus pelos mil anos desde a fundação da Sagrada Ermida de Camaldoli por parte de são Romualdo. Alegro-me profundamente pela presença, nesta particular circunstância, de Sua Graça o Dr. Rowan Williams, Arcebispo de Canterbury. Dirijo a minha saudação cordial a si, querido Irmão em Cristo, a cada um de vós, queridos Monges e Monjas, e a todos os presentes.
Ouvimos dois trechos de são Paulo. O primeiro, tirado da Segunda Carta aos Coríntios, está particularmente em sintonia com o tempo litúrgico que estamos a viver: a Quaresma. De facto, ele contém a exortação do Apóstolo a aproveitar do momento favorável para acolher a graça de Deus. O momento favorável é naturalmente aquele no qual Jesus Cristo veio revelar-nos e doar-nos o amor de Deus por nós, com a sua Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição. O «dia da salvação» é aquela realidade que são Paulo chama noutro texto a «plenitude dos tempos», o momento no qual Deus encarnado entra de modo muito singular no tempo e enche-o com a sua graça. Portanto compete a nós acolher este dom, que é o próprio Jesus: a sua Pessoa, a sua Palavra, o seu Santo Espírito. Além disso, sempre na primeira Leitura que ouvimos, são Paulo fala-nos também de si mesmo e do seu apostolado: de como ele se esforça por ser fiel a Deus no seu ministério, para que ele seja verdadeiramente eficaz e não seja um obstáculo à fé. Estas palavras fazem-nos pensar em são Gregório Magno, no testemunho luminoso que deu ao povo de Roma e a toda a Igreja com um serviço irrepreensível e cheio de zelo pelo Evangelho. Pode-se deveras aplicar a são Gregório quanto escreveu Paulo acerca de si: nele a graça de Deus não foi vã (cf. 1Cor 15,10). Na realidade, é este o segredo para a vida de cada um de nós: acolher a graça de Deus e consentir com todo o coração e com todas as forças a sua ação. É este o segredo também da verdadeira alegria, e da paz profunda.
A segunda Leitura, ao contrário, era tirada da Carta aos Colossenses. São as palavras – sempre tão comovedoras para o seu alento espiritual e pastoral – que o Apóstolo dirige aos membros daquela comunidade para os formar segundo o Evangelho, para que, independentemente do que fazemos, «em palavras e obras, tudo seja no nome do Senhor Jesus» (Cl 3,17). «Sede perfeitos» dissera o Mestre aos seus discípulos: e agora o Apóstolo exortava a viver segundo esta medida alta da vida cristã que é a santidade. Pode fazê-lo porque os irmãos aos quais se dirige são «escolhidos por Deus, santos e amados». Também aqui na base de tudo está a graça de Deus, há o dom da chamada, o mistério do encontro com Jesus vivo. Mas esta graça exige a resposta dos batizados: requer o compromisso de se revestir dos sentimentos de Cristo: ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade, perdão recíproco, e sobretudo, como síntese e coroamento, o ágape, o amor que Deus nos deu mediante Jesus e que o Espírito Santo derramou nos nossos corações. E para se revestir de Cristo é necessário que a sua Palavra habite entre nós e em nós com toda a sua riqueza, e em abundância. Num clima de constante ação de graças, a comunidade cristã alimenta-se da Palavra e eleva até Deus, como cântico de louvor, a Palavra que Ele mesmo nos doou. E cada ação, cada gesto, cada serviço, é realizado no âmbito desta relação profunda com Deus, no movimento interior do amor trinitário que desce até nós e volta para Deus, movimento que na celebração do Sacramento eucarístico encontra a sua forma mais alta.
Esta palavra ilumina também as felizes circunstâncias que nos veem aqui reunidos hoje, em nome de São Gregório Magno. Graças à fidelidade e à benevolência do Senhor, a Congregação dos Monges Camaldulenses da Ordem de São Bento pôde percorrer mil anos de história, alimentando-se quotidianamente da Palavra de Deus e da Eucaristia, tal como tinha ensinado o fundador são Romualdo, segundo o «triplex bonum» da solidão, da vida em comum e da evangelização. Figuras exemplares de homens e mulheres de Deus, como são Pier Damiani, Graziano – o autor do Decretum – são Bruno de Querfurt e os Cinco irmãos mártires, Rodolfo I e Rodolfo II, a beata Gherardesca, a Beata Giovanna da Bagno e o Beato Paolo Giustiniani: homens de ciência e de arte como Frei Mauro o Cosmógrafo, Lorenzo Monaco, Ambrogio Traversari, Pietro Delfino e Guido Grandi: historiadores ilustres como os Analistas Camaldulenses Giovanni Benedetto Mittarelli e Anselmo Costadoni; zelosos Pastores da Igreja, entre os quais sobressai o Papa Gregório XVI, mostraram os horizontes e a grande fecundidade da tradição camaldulense.
Cada fase da longa história dos Camaldulenses conheceu testemunhas fiéis do Evangelho, não só no silêncio do escondimento e da solidão e na vida comum partilhada com os irmãos, mas também no serviço humilde e generoso a todos. Particularmente fecundo foi o acolhimento oferecido pelas camaldulenses forasteiras. Na época do humanismo florentino os muros de Camaldoli acolheram as famosas disputationes, nas quais participavam grandes humanistas como Marsilio Ficino e Cristoforo Landino; nos anos dramáticos da segunda guerra mundial, os mesmos claustros propociaram o nascimento do famoso «Código de Camaldoli», uma das fontes mais significativas da Constituição da República Italiana. Não foram menos fecundos os anos do Concílio Vaticano II, durante os quais amadureceram entre os Camaldulenses personalidades de grande valor, que enriqueceram a Congregação e a Igreja e promoveram novos impulsos e estabelecimentos nos Estados Unidos da América, na Tanzânia, na Índia e no Brasil. Em tudo isto, era garantia de fecundidade o apoio de monges e monjas que acompanhavam as novas fundações com a oração constante, vivida profundamente na sua «clausura», algumas vezes até ao heroísmo.
A 17 de Setembro de 1993, o Beato Papa João Paulo II, encontrando os monges na sagrada Ermida de Camaldoli, comentava o tema do seu iminente Capítulo Geral, «Escolher a esperança, escolher o futuro», com estas palavras: «Escolher a esperança e o futuro significa, em síntese, escolher Deus... Significa escolher Cristo, esperança de cada homem». E acrescentava: «Isto verifica-se, em particular, naquela forma de vida que o próprio Deus suscitou na Igreja inspirando São Romualdo a fundar a Família beneditina de Camaldoli, com a característica complementaridade de Ermida e Mosteiro, vida solitária e vida cenobítica coordenadas entre si». O meu Beato Predecessor ressaltou ainda que «escolher Deus significa também cultivar humilde e pacientemente – aceitando, precisamente, os tempos de Deus – o diálogo ecumênico e o diálogo inter-religioso», sempre a partir da fidelidade ao carisma originário recebido de são Romualdo e transmitido através de uma tradição milenar e multiforme.
Encorajados pela visita e pelas palavras do Sucessor de Pedro, vós monges e monjas camaldulenses prosseguistes o vosso caminho procurando sempre de novo o justo equilíbrio entre o espírito eremítico e o cenobítico, entre a exigência de vos dedicardes totalmente a Deus na solidão e a de vos apoiardes na oração comum e acolher os irmãos para que possam haurir das nascentes da vida espiritual e julgar as vicissitudes do mundo com consciência deveras evangélica. Assim vós procurais obter aquela perfecta caritas que São Gregório Magno considerava ponto de chegada de cada manifestação da fé, compromisso que é confirmado pelo mote do vosso brasão: «Ego Vobis, Vos Mihi», síntese da fórmula de aliança entre Deus e o seu povo, e fonte da perene vitalidade do vosso carisma.
O mosteiro de São Gregório al Celio é o contexto romano no qual celebramos o milênio de Camaldoli com a presença de Sua Graça o Arcebispo de Canterbury que, juntamente conosco, reconhece este Mosteiro como lugar nativo do vínculo entre o Cristianismo nas Terras britânicas e a Igreja de Roma. A celebração de hoje é portanto conotada por um profundo caráter ecumênico que, como sabemos, que se tornaram pertence ao espírito camaldulense contemporâneo. Este Mosteiro camaldulense romano estabeleceu com Canterbury e com a Comunhão Anglicana, sobretudo depois do Concílio Vaticano II, vínculos que se tornaram tradicionais. Hoje pela terceira vez o Bispo de Roma encontra o Arcebispo de Canterbury na casa de são Gregório Magno. E é justo que assim seja, porque precisamente deste Mosteiro o Papa Gregório escolheu Agostinho e os seus quarenta monges para os enviar entre os Anglos para difundir o Evangelho, há pouco mais de mil e quatrocentos anos. A presença constante de monges neste lugar, e durante um período tão longo, é já em si mesma testemunho da fidelidade de Deus à sua Igreja, que somos felizes de poder proclamar ao mundo inteiro. Fazemos votos por que o sinal que juntos poremos diante do santo altar onde o próprio Gregório celebrava o Sacrifício eucarístico, permaneça não só como recordação do nosso encontro fraterno, mas também como estímulo para todos os fiéis, Católicos e Anglicanos, para que, visitando em Roma os sepulcros gloriosos dos santos Apóstolos e Mártires, renovem também o compromisso de rezar constantemente e de trabalhar pela unidade, para viver plenamente segundo aquele «ut unum sint» que Jesus dirigiu ao Pai.
Confiamos este desejo profundo, que temos a alegria de partilhar, à celeste intercessão de São Gregório Magno e de São Romualdo. Amém.

Fonte: Santa Sé

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