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segunda-feira, 12 de março de 2012

A Grande Quaresma na Tradição Bizantina: Os Dois Primeiros Domingos

Na segunda-feira após o Domingo da Tirofagia tem início a Grande Quaresma. Os paramentos próprios para este tempo são os vermelhos ou roxos, indicando o sangue que foi derramado por Cristo na Cruz para nossa redenção. Nas quartas e sextas-feiras não se celebra a Divina Liturgia; ao invés, celebra-se a Liturgia dos Dons Pré-Santificados. Nos domingos, celebra-se a Divina Liturgia de São Basílio Magno, que possui orações mais longas do que a Divina Liturgia de São João Crisóstomo, comumente celebrada.

Cada domingo da Grande Quaresma, como é costume no Rito Bizantino, possui um tema, que ajuda os fieis a percorrer o caminho quaresmal.

1º Domingo: Domingo da Ortodoxia


O Primeiro Domingo da Grande Quaresma é chamado Domingo da Ortodoxia (verdadeira fé), pois comemora a definição da iconodulia (veneração dos ícones) pelo II Concílio de Nicéia. No século VIII, disseminou-se na Igreja a heresia iconoclasta, que pregava contra a veneração dos ícones de Cristo, pois esta enfatizava demais a natureza humana de Cristo. Muitos imperadores apoiaram tal heresia, pois queriam combater a influência dos monges, os quais sempre incentivaram o culto das imagens. No final do século VIII as querelas iconoclastas tomam maiores proporções: igreja são invadidas, ícones são destruídos e muitos monges e fieis são martirizados.

Em 787, é convocado o II Concílio de Nicéia, que define a legitimidade da veneração dos ícones e excomunga os hereges iconoclastas. O Concílio esclareceu que o culto de latria (adoração) deve dirigir-se somente a Deus e que às imagens pode dirigir-se um culto de dulia (veneração). Em 842, um Concílio regional convocado a pedido da Imperatriz Teodora de Constantinopla reafirma a doutrina da iconodulia. Um ano depois, a festa da Ortodoxia é instituída para os cristãos gregos.


Nós definimos com todo o rigor e cuidado que, à semelhança da representação da cruz preciosa e vivificante, assim as venerandas e sagradas imagens pintadas quer em mosaico, quer em qualquer outro material adaptado, devem ser expostas nas santas igrejas de Deus […], sejam elas as imagens do Senhor Deus, dos santos anjos, de todos os santos e justos”
(Definição do II Concílio de Nicéia)

Como bem sabemos, os ícones são um elemento muito importante para a espiritualidade bizantina: são “janelas que se abrem para o céu”. Assim, inicia-se a Grande Quaresma com a veneração dos santos ícones de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos. No final da Divina Liturgia realiza-se uma procissão com os ícones e, se há ícones novos, este são abençoados.

Procissão com os Santos Ícones em Paróquia Melquita (2011)

Veneramos teu santo ícone, o Deus de Bondade, implorando o perdão de nossas culpas, ó Cristo Deus, que voluntariamente Te deixaste suspender à Cruz para salvar da escravidão do inimigo os que formaste. Por isso, dando-te gracas, nós te aclamamos: trouxeste a todos grande alegria, ó Salvador nosso, quando vieste para salvar o mundo!

2º Domingo: Domingo das Santas Relíquias


O Segundo Domingo da Grande Quaresma é chamado Domingo das Santas Relíquias. Assim como os ícones, as relíquias dos santos e santas são dignas de veneração por parte dos fieis. Por isso, neste domingo as relíquias dos santos que houverem na igreja são solenemente expostas e, no final da Divina Liturgia, realiza-se uma procissão com as mesmas. Por fim, os fieis recebem a bênção com as santas relíquias.

Procissão com as Santas Relíquias em Paróquia Melquita (2011)

Neste domingo também faz-se a memória de S. Gregório Palamas, bispo de Tessalônica que viveu no século XIV. A celebração de sua memória pelos católicos foi questionada durante muito tempo, uma vez que Gregório Palamas foi um cismático. Ou seja, tendo nascido depois do Cisma do Oriente (1054), Gregório separou-se da Igreja Católica ao fazer clara opção pela doutrina Ortodoxa, ligada ao Patriarcado Ecumênico de Constantinopla.


Não obstante, recentemente a Santa Sé permitiu que os católicos orientais celebrassem sua memória, dada a devoção dos fieis a este “santo”. Podemos chamar Gregório Palamas de santo devido à tradição, uma vez que a Igreja não pode decretar a canonização de alguém que livremente optou por uma doutrina distinta da nossa. Não obstante, a espiritualidade de São Gregório Palamas é valida para todos os cristãos.

Os Mártires de Cristo mortificaram pela temperança a rebelião das paixões e desejos abrasados; por causa disto receberam o dom de curar os doentes e de fazer milagres durante a vida e depois da morte. Que maravilha realmente prodigiosa: de ossos descarnados jorram as curas! Gloria, pois, ao nosso único Deus!


REFERÊNCIAS:

DONADEO, Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998.

ROSSO, Stefano. La Celebrazione della Storia della Salvezza nel Rito Bizantino. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2010.

SERBAI, Paulo. A Grande Quaresma na Igreja Ucraniana do Rito Bizantino. Trabalho de Conclusão de Curso de Teologia. Studium Theologicum: Curitiba, 1995.

Crédito das Fotos: Luz do Oriente

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