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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O hino Adeste fideles (Cristãos, vinde todos)

Durante o Tempo do Natal a Igreja nos propõe um dos mais belos cânticos da tradição cristã: o Adeste fideles (traduzido no Brasil como “Cristãos, vinde todos”).

Imagem do Menino Jesus venerada na Basílica da Natividade em Belém

Breve história do hino Adeste fideles

A autoria do hino, que teria sido composto entre os séculos XVII e XVIII, é incerta. Alguns o atribuem ao Rei de Portugal Dom João IV (†1656), que era compositor e grande patrono da música. Uma das cópias mais antigas do Adeste fideles, com efeito, conservada em Vila Viçosa (Portugal), leva seu nome.

Outros consideram que o hino é de autoria de um monge cisterciense anônimo, e que teria sido relacionado ao rei ao ser compilado em sua biblioteca (a qual foi atingida por um terremoto em 1755).

Na Inglaterra, traduzido como “O Come, All Ye Faithful”, o Adeste fideles é referido às vezes como “Hino Português”, uma vez que costumava ser entoado nas celebrações natalinas na embaixada de Portugal em Londres.

O responsável pela popularização do hino foi o músico inglês John Francis Wade (†1786), que o publicou pela primeira vez em 1751 em sua obra Cantus Diversi pro Dominicis et Festis per annum (Cantos diversos para os Domingos e Festas do ano). Mais do que autor, porém, Wade foi um compilador de textos de diversas fontes.

A versão publicada por Wade possuía apenas quatro estrofes. O sacerdote francês Jean-François-Étienne Borderies (†1832), Vigário Geral da Arquidiocese de Paris e posteriormente Bispo de Versailles, acrescentou outras três estrofes (a 5ª, a 6ª e a 7ª). Um compositor anônimo de meados do século XIX acrescentaria ainda uma oitava estrofe.

O hino, porém, raramente é entoado na íntegra. A 4ª estrofe costuma ser entoada apenas na Noite ou no Dia de Natal (24-25 de dezembro), dada a referência ao “hoje” (natus die hodierna); a 8ª estrofe, por sua vez, dada a referência aos Magos, é reservada à Solenidade da Epifania (06 de janeiro; no Brasil, celebrada no domingo entre 02 e 08 de janeiro).

As diferentes versões do hino Adeste fideles

Na Liturgia das Horas para o Brasil aparece uma versão reduzida do texto em latim como hino facultativo para o Tempo do Natal, com as estrofes 1, 5, 6 e 7 [1].

Em português, por sua vez, há uma adaptação das estrofes 1, 5, 6, 7 e 8 realizada pelo franciscano Frei Emílio Scheid (†2001), que igualmente figura na Liturgia das Horas como hino facultativo para o Tempo do Natal [2], assim como no Hinário Litúrgico da CNBB [3].

A seguir publicamos o texto original do hino em latim e a adaptação para o português do Brasil realizada pelo Frei Emílio Scheid, seguidos de uma tradução literal do Adeste fideles realizada de maneira bastante livre, com algumas notas explicativas.

Nosso objetivo é sobretudo destacar o sentido geral das estrofes omitidas na adaptação do Frei Emílio Scheid (2-4), as quais cantam o mistério da Encarnação, recorrem inclusive a expressões do Símbolo Niceno-Constantinipolitano:

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos. Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai” [4].

Esta é, pois, a “tese central” do Concílio de Niceia (325), afirmando a divindade de Jesus Cristo e sua igualdade de natureza em relação ao Pai (consubstancial), condenando assim a heresia de Ário (arianismo), que afirmava que o Filho possuía um “grau menor de divindade” em relação ao Pai.

O Adeste fideles convém ser entoado sobretudo como canto de entrada (dado seu insistente convite: “Vinde”) nas celebrações litúrgicas e momentos de devoção durante o Tempo do Natal.

Adoração dos pastores - Gaspare Diziani (séc. XVIII)

Adeste fideles: Texto original em latim

1. Adeste, fideles, laeti triumphantes:
Venite, venite in Bethlehem.
Natum videte, Regem Angelorum:

RefrãoVenite adoremus! Venite adoremus!
Venite adoremus, Dominum.

2. Deum de Deo, lumen de lumine,
Gestant puellae viscera.
Deum verum, genitum non factum:
R. Venite adoremus...

3. Cantet nunc io, chorus angelorum;
Cantet nunc aula caelestium,
Gloria, gloria in excelsis Deo,
R. Venite adoremus...

4. Ergo qui natus die hodierna.
Jesu, tibi sit gloria,
Patris aeterni Verbum caro factum.
R. Venite adoremus...

5. En grege relicto humiles ad cunas
Vocati pastores adproperant!
Et nos ovanti gradu festinemus (*),
R. Venite adoremus...

6. Aeterni Parentis Splendorem aeternum
Velatum sub carne videbimus!
Deum infantem pannis involutum:
R. Venite adoremus...

7. Pro nobis egenum et foeno cubantem
Piis foveamus amplexibus!
Sic nos amantem quis non redamaret:
R. Venite adoremus...

8. Stella duce, Magi Christum adorantes,
Aurum, tus et myrrham dant munera.
Iesu infanti corda praebeamus:
R. Venite adoremus...

(*) Em algumas versões, esse verso aparece como “Nosque ovanti gradu festinemus”.


Cristão, vinde todos: Adaptação do Frei Emílio Scheid

Cristãos, vinde todos, com alegres cantos,
Ó, vinde, ó, vinde até Belém!
Vede nascido, vosso Rei eterno:

Refrão: Ó, vinde adoremos! Ó, vinde adoremos!
Ó, vinde adoremos o Salvador!

Humildes pastores deixam seu rebanho
E alegres acorrem ao Rei do Céu.
Nós, igualmente, cheios de alegria:
R. Ó, vinde adoremos...

O Deus invisível de eternal grandeza,
Sob véus de humildade, podemos ver.
Deus pequenino, Deus envolto em faixas!
R. Ó, vinde adoremos...

Nasceu em pobreza, repousando em palhas,
O nosso afeto lhe vamos dar.
Tanto amou-nos! Quem não há de amá-lo?
R. Ó, vinde adoremos...

A estrela do Oriente conduziu os Magos
E a este Mistério envolve em luz.
Tal claridade, também seguiremos:
R. Ó, vinde adoremos...


Adeste fideles: “Tradução literal”

1. Vinde, fiéis, alegres e triunfantes:
Vinde, vinde a Belém.
Vede o Nascido, o Rei dos Anjos [5]:

Refrão: Vinde, adoremos! Vinde, adoremos!
Vinde, adoremos o Senhor!

2. Deus de Deus, luz da luz,
Gerado nas entranhas da menina.
Deus verdadeiro, gerado, não criado [6]:
R. Vinde, adoremos...

3. Cantai agora, ó coro dos anjos;
Cantai agora, ó corte celeste:
Glória, glória a Deus nas alturas (Lc 2,14):
R. Vinde, adoremos...

4. Eis Quem nasceu no dia de hoje.
Jesus, a ti seja a glória,
Palavra eterna do Pai feita carne (Jo 1,1.14).
R. Vinde, adoremos...

Adoração dos magos - Gaspare Diziani (séc. XVIII)

5. Deixando o rebanho, humildes ao presépio [7]
Apressam-se os pastores chamados!
Também nós, em alegre passo, nos apressamos:
R. Vinde, adoremos...

6. O Esplendor eterno do eterno Pai (Hb 1,3)
Veremos velado sob a carne!
Deus menino, envolto em panos [8]:
R. Vinde, adoremos...

7. Por nós [se fez] pobre e em feno deitado:
O aqueçamos em um piedoso abraço!
Como não amar Aquele que tanto nos ama:
R. Vinde, adoremos...

8. Conduzidos pela estrela, os Magos adoram a Cristo,
Ouro, incenso e mirra dão como presente.
A Jesus Menino, nosso coração ofereçamos:
R. Vinde, adoremos...

Vitral com a imagem do Menino Jesus
Catedral de St. Albans (Inglaterra)

Observação:

Em algumas versões do hino, como no arranjo realizado pelo saudoso maestro Cardeal Domenico Bartolucci (†2013), após a 1ª e a 5ª estrofes, entoa-se a 6ª estrofe em um texto ligeiramente distinto:

Splendorem aeternum, Dei Patris Filium,
De Virgine natum agnoscimus,
Mundi salutem, Redemptorem gentium.
R. Venite adoremus...

O esplendor eterno, o Filho de Deus Pai,
Reconheçamos nascido da Virgem,
Salvação do mundo, Redentor das nações.
R. Vinde, adoremos...


Notas:

[1] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. I: Tempo do Advento e Tempo do Natal, p. 1474.

[2] ibid., pp. 1470-1471.

[3] Para adquirir o CD Liturgia V, com os cantos do Hinário para o Tempo do Natal, e acessar suas partituras, clique aqui.

[4] MISSAL ROMANO, Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 401.

[5] Adeste: imperativo da 2ª pessoa do plural do verbo adsum (estar presente, aproximar-se). O 3º verso desta 1ª estrofe, por sua vez, comporta duas traduções: “Vede o Nascido, o Rei dos Anjos” ou “Vede, nascido, o Rei dos Anjos”.

[6] Puella é, literalmente, menina, jovem do sexo feminino. Algumas traduções, porém, utilizam aqui a expressão “ventre da Virgem”, uma vez que o verso se refere a Maria (como, por exemplo, na célebre tradução para o inglês: “the Virgin's womb”).
Genitum, non factum: literalmente “gerado, não feito”, traduzindo o original grego do Símbolo Niceno-Constantinopolitano: γεννηθέντα οὐ ποιηθέντα.

[7] Ad cunas: ao berço. Porém, como o berço de Jesus foi a manjedoura, em latim praesepe, optamos aqui pela palavra “presépio”.

[8] Deum infantem: a palavra infans (retomada no 3º verso da 8ª estrofe: Iesu infanti) designa especificamente em latim uma criança que ainda não sabe falar, remetendo-nos a Deus que cria pela palavra (Gn 1) e a Cristo, Palavra eterna do Pai (Jo 1,1-18). O tema dos panos (pannis involutum), por sua vez, prefigura já a sepultura de Jesus (Mt 27,57-60; Mc 15,42-46; Lc 23,50-54; Jo 19,38-42; 20,3-10).

Postagem publicada originalmente em 23 de dezembro de 2011. Revista e ampliada em 07 de novembro de 2021.

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