Dentro da seção sobre o sacrifício de Cristo em suas Catequeses sobre Jesus Cristo, o Papa São João Paulo II dedicou algumas reflexões sobre suas últimas palavras na Cruz (nn. 71-74), a primeira das quais reproduzimos a seguir.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
IV. O sacrifício de Jesus Cristo
B. As últimas palavras de Cristo na Cruz
71. “Pai, perdoa-lhes...”
João Paulo II - 16 de novembro de 1988
1. Tudo o que Jesus fez e ensinou
durante sua vida mortal atinge o ápice da verdade e da santidade na Cruz. As palavras
que Jesus ali pronunciou constituem sua mensagem suprema e definitiva e, ao mesmo
tempo, a confirmação de uma vida santa, concluída com o dom total de si mesmo,
em obediência ao Pai, para a salvação do mundo. Essas palavras, recolhidas por
sua Mãe e pelos discípulos presentes no Calvário, foram transmitidas às primeiras
comunidades cristãs e a todas as gerações futuras para que iluminassem o
significado da obra redentora de Jesus e inspirassem seus seguidores durante sua
vida e no momento da morte. Meditemos também nós essas palavras, como fizeram
tantos cristãos, em todos os tempos.
O Crucificado concede o perdão ao ladrão arrependido (Tiziano) |
2. A primeira descoberta que fazemos
ao relê-las é que contêm uma mensagem de perdão. “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34):
segundo a narração de Lucas, esta é a primeira palavra pronunciada por Jesus na
cruz. Perguntemo-nos imediatamente: não é esta a palavra que necessitávamos ouvir
ser pronunciada sobre nós?
Mas naquelas condições, depois daqueles
acontecimentos, diante daqueles homens culpados por terem pedido sua condenação
e se enfurecido tanto contra Ele, quem poderia imaginar que sairia dos lábios
de Jesus aquela palavra? No entanto, o Evangelho nos dá esta certeza: do alto da
cruz ressoou a palavra “perdão”!
3. Vejamos os aspectos fundamentais
dessa mensagem de perdão.
Jesus não só perdoa, mas pede o perdão
do Pai para aqueles que o entregaram à morte e, portanto, também para
todos nós. É o sinal da sinceridade total do perdão de Cristo e do amor do qual
provém. É um fato novo na história, mesmo naquela da aliança. No Antigo
Testamento lemos muitos textos dos Salmos que pediam a vingança ou o
castigo do Senhor para seus inimigos: textos que na oração cristã, também
litúrgica, se repetem não sem sentir a necessidade de interpretá-los, adequando-os
ao ensinamento e ao exemplo de Jesus, que amou inclusive os inimigos. O mesmo podemos
dizer de certas expressões do Profeta Jeremias (cf. Jr 11,20;
20,12; 15,15) e dos mártires judeus no Livro dos Macabeus (2Mac 7,9.14.17.19).
Jesus muda essa posição a respeito de Deus e pronuncia outras palavras, totalmente
distintas. Ele tinha recordado a quem reprovava seu trato frequente com “pecadores”
que já no Antigo Testamento, segundo a palavra inspirada, Deus “quer misericórdia”
(Mt 9,13).
4. Notemos também que Jesus perdoa
imediatamente, mesmo que a hostilidade dos adversários continue se manifestando.
O perdão é sua única resposta à hostilidade deles. E o seu perdão se dirige a
todos os que, humanamente falando, são responsáveis pela sua morte, não só os executores,
os soldados, mas a todos aqueles, próximos e distantes, conhecidos e desconhecidos,
que estão na origem do comportamento que levou à sua condenação e crucificação.
Por todos eles pede perdão e assim os defende diante do Pai, de modo que o
Apóstolo João, depois de ter recomendado aos cristãos: “Não pequeis”, pode acrescentar:
“No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Paráclito: Jesus Cristo, o
Justo. Ele é a oferenda de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos
nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,1-2). Nesta
linha se situa também o Apóstolo Pedro que, no seu discurso ao povo de Jerusalém,
estende a todos a acusação de “ignorância” e a oferta do perdão (At 3,17.19).
É consolador para todos nós saber que, segundo a Carta aos Hebreus,
Cristo crucificado, sacerdote eterno, permanece sempre como Aquele que
intercede em favor dos pecadores que se aproximam de Deus através d’Ele (cf. Hb 7,25).
Ele é o Intercessor, e também o Advogado,
o “Paráclito” (cf. 1Jo 2,1), que na cruz, em vez de
denunciar a culpa dos que o crucificam, a atenua dizendo que “não sabem o que
fazem”. É benevolência de juízo, mas também conformidade com a verdade real, aquela
que só Ele pode ver, em seus adversários e em todos os pecadores: muitos podem
ser menos culpados do que parece ou que se pensa, e precisamente por isso Jesus
ensinou a “não julgar” (cf. Mt 7,1): agora, no Calvário,
Ele se faz Intercessor e Defensor dos pecadores diante do Pai.
5. Esse perdão que brota da Cruz é
a imagem e o princípio daquele perdão que Cristo quis trazer a toda a humanidade
mediante o seu sacrifício. Para merecer este perdão e, positivamente, a graça
que purifica e dá a vida divina, Jesus fez a oferta heroica de Si mesmo por
toda a humanidade. Todos os homens, cada um na concretude do seu próprio “eu”,
do seu bem e do seu mal, estão, pois, compreendidos potencialmente e, inclusive,
se diria intencionalmente na oração de Jesus ao Pai: “Perdoa-lhes”.
Também para nós vale certamente esse pedido de clemência e quase que de compreensão
celeste: “Porque não sabem o que fazem”. Talvez nenhum pecador escape totalmente
dessa ausência de conhecimento e, portanto, do alcance daquela súplica de perdão
que brota do terníssimo Coração de Cristo que morre na cruz.
No entanto, isto não deve levar ninguém
a desdenhar a riqueza da bondade, da tolerância e da paciência de Deus, ao
ponto de não reconhecer que essa bondade o convida à conversão (cf. Rm 2,4).
Com a dureza do seu coração impenitente ele acumularia cólera sobre si mesmo para
o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus (cf. Rm 2,5).
No entanto, também para ele Cristo ao morrer pediu perdão ao Pai, embora fosse necessário
um milagre para sua conversão. Tampouco ele, com efeito, sabe o que faz!
6. É interessante constatar que já
no âmbito das primeiras comunidades cristãs a mensagem do perdão foi acolhida e
seguida pelos primeiros mártires da fé, que repetiram a oração de Jesus ao Pai quase
com suas mesmas palavras. Assim fez o protomártir, Santo Estêvão, o qual, segundo
os Atos dos Apóstolos, no momento da sua morte pediu: “Senhor, não lhes atribua
este pecado” (At 7,60). Também São Tiago, segundo Eusébio de Cesareia,
retomou os termos de Jesus em um pedido de perdão durante o seu martírio (cf.
História Eclesiástica, II, 23, 16). Ademais, isso constituía a aplicação
do ensinamento do Mestre, que lhes havia recomendado: “Orai pelos que vos perseguem”
(Mt 5,44). Ao ensinamento, Jesus acrescentou o exemplo no momento
supremo da sua vida, e seus primeiros seguidores conformaram-se a ele perdoando
e pedindo o perdão divino para seus perseguidores.
7. Mas esses tinham presente também
outro fato concreto ocorrido no Calvário e que se integra na mensagem da Cruz
como mensagem de perdão. Diz Jesus a um malfeitor crucificado com Ele: “Em
verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). É
um fato impressionante, no qual vemos em ação todas as dimensiones da obra
salvífica, que se concretiza no perdão. Aquele malfeitor havia reconhecido sua
culpa, repreendendo seu cúmplice e companheiro de suplício, que insultava Jesus:
“Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo o que merecemos” (v. 41); e
pediu a Jesus poder participar no reino por Ele anunciado: “Jesus, lembra-te de
mim quando entrares no teu reino” (v. 42). Ele considerava injusta a condenação
de Jesus: “Não fez nada de mal”. Não compartilhava, pois, as imprecações do seu
companheiro de condenação - “Salva-te a ti mesmo e a nós” (v. 39) - e dos outros
que, com os chefes do povo, diziam: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo,
se, de fato, é o Cristo de Deus, o Eleito” (v. 35), nem os insultos dos soldados:
“Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo” (v. 37).
O malfeitor, portanto, pedindo a Jesus
que lembrasse dele, professa sua fé no Redentor; ao morrer, não só aceita sua morte
como justa pena pelo mal realizado, mas se dirige a Jesus para dizer-lhe que põe
n’Ele toda a sua esperança.
Esta é a explicação mais óbvia para
esse episódio narrado por Lucas, no qual o elemento psicológico - isto é, a
transformação dos sentimentos do malfeitor -, se tem como causa imediata a
impressão recebida pelo exemplo de Jesus, inocente que sofre e morre perdoando,
tem, porém, sua verdadeira raiz misteriosa na graça do Redentor, que “converte”
esse homem e lhe concede o perdão divino. A resposta de Jesus, com efeito, é imediata.
Ele promete ao malfeitor, arrependido e “convertido”, o paraíso, em sua companhia,
para esse mesmo dia. Trata-se, pois, de um perdão integral: aquele que tinha
cometido crimes e roubos - e, portanto, pecados - torna-se santo no último
momento da sua vida.
Poderíamos dizer que nesse texto
de Lucas está documentada a primeira canonização da história, realizada por Jesus
em favor de um malfeitor que se dirige a Ele naquele momento dramático. Isto mostra
que os homens podem obter, graças à Cruz de Cristo, o perdão de todas as culpas
e também de toda uma vida má, e que podem obtê-lo mesmo no último instante, se rendem-se
à graça do Redentor que os converte e salva.
As palavras de Jesus ao malfeitor
arrependido também contêm a promessa da felicidade perfeita: “Hoje estarás comigo
no paraíso”. Com efeito, o sacrifício redentor obtém para os homens a bem-aventurança
eterna. É um dom de salvação certamente proporcional ao preço do sacrifício, apesar
da desproporção que parece existir entre o simples pedido do malfeitor e a
grandeza da recompensa. A superação dessa desproporção é realizada pelo sacrifício
de Cristo, que mereceu a bem-aventurança celeste com o valor infinito da sua
vida e da sua morte.
O episódio narrado por Lucas nos
recorda que o “paraíso” é oferecido a toda a humanidade, a todo homem que, como
o malfeitor arrependido, se abre à graça e põe sua esperança em Cristo. Um
momento de conversão autêntica, um “momento de graça” que, podemos dizer com
Santo Tomás de Aquino, “vale mais que todo o universo” (Suma Teológica, I-II,
q. 113, a. 9, ad 2), pode, portanto, saldar as dívidas de toda uma vida, pode
realizar no homem - em qualquer homem - o que Jesus assegura ao seu companheiro
de suplício: “Hoje estarás comigo no paraíso”.
Cristo com penitentes do Antigo e do Novo Testamento (Jan Boeckhorst) |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (16 de novembro de 1988).
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