A Catequese n. 33 do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo conclui a seção dedicada a Jesus como “verdadeiro Deus”.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
33. “Eu disponho do Reino para vós”
João Paulo II - 04 de novembro
de 1987
1. Recordemos os temas das Catequeses
sobre Jesus “Filho do homem”, que ao mesmo tempo se dá a conhecer como verdadeiro
“Filho de Deus”: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Vimos
que Ele referia a si mesmo o nome e os atributos divinos, falava da sua divina preexistência
na unidade com o Pai (e com o Espírito Santo, como explicaremos em um posterior
ciclo de Catequeses); atribuía a si o poder sobre a Lei que Israel
havia recebido de Deus por meio de Moisés na antiga aliança, especialmente no “Sermão
da Montanha” (cf. Mt 5); e, junto a esse poder, atribuía
a si também o de perdoar os pecados (cf. Mc 2,1-12;
Lc 7,48; Jo 8,11) e de pronunciar o julgamento final sobre
as consciências e as obras de todos os homens (cf. Mt 25,31-46; Jo 5,27-29).
Por fim, ensinava como quem tem autoridade e pedia fé na sua palavra, convidava
a segui-lo até a morte e prometia como recompensa “a vida eterna”. Ao chegar a
este ponto, temos à disposição todos os elementos e todas as razões para
afirmar que Jesus Cristo revelou-se como Aquele que instaura o reino de
Deus na história da humanidade.
O envio dos Apóstolos em missão (Catedral de Santiago do Chile) |
2. O terreno da revelação do reino
de Deus havia sido preparado já no Antigo Testamento, particularmente
na segunda fase da história de Israel, narrada nos textos dos Profetas e nos
Salmos após o exílio e as outras experiências dolorosas do povo eleito. Recordemos
especialmente os cantos dos salmistas a Deus que é “Rei de toda a terra”, que
“reina sobre as nações” (Sl 46,8-9); e o reconhecimento exultante:
“Teu reino é um reino de todos os séculos, e o teu domínio perdura de geração em
geração” (Sl 144,13). O profeta Daniel, por sua vez, fala do reino de
Deus “que nunca será destruído... humilhará e arrasará todos os outros reinos, enquanto
ele mesmo permanecerá para sempre” (Dn 2,44). Será o “Deus do céu” que
fará surgir este reino (o reino dos céus), que permanecerá sob o domínio
do mesmo Deus e não será “entregue a outro povo” (ibid.).
3. Inserindo-se nessa tradição e partilhando
esta concepção da antiga aliança, Jesus de Nazaré proclama
desde o início da sua missão messiânica precisamente este reino: “Cumpriu-se o tempo
e está próximo o reino de Deus” (Mc 1,15). Deste modo Ele colhe um
dos motivos constantes da espera de Israel, mas dá uma nova direção à esperança
escatológica que havia sido delineada na última fase do Antigo Testamento, proclamando
que esta tem seu cumprimento inicial já aqui na terra, porque Deus é o Senhor da
história: o seu reino é, certamente, projetado para um cumprimento final além do
tempo, mas começa a realizar-se já aqui na terra e se desenvolve, em certo
sentido, “dentro” da história. Nesta perspectiva, Jesus anuncia e revela que o
tempo das antigas promessas, expectativas e esperanças “cumpriu-se”, e que o
reino de Deus “está próximo”: antes, está já presente na sua própria Pessoa.
4. Jesus Cristo, com
efeito, não só ensina sobre o reino de Deus, fazendo dele a verdade
central da sua pregação, mas instaura este reino na história de
Israel e de toda a humanidade. E nisso se revela seu poder divino, sua soberania
em relação a tudo o que no tempo e no espaço porta em si os sinais da antiga
criação e do chamado a ser “novas criaturas” (cf. 2Cor 5,17, Gl 6,15),
nas quais em Cristo e por Cristo foi superado todo o transitório e o efêmero e foi
estabelecido para sempre o verdadeiro valor do homem e de todo o criado.
É um poder único e eterno que Jesus
Cristo, Crucificado e Ressuscitado, atribui a si no final da sua missão
terrena, quando declara aos Apóstolos: “Foi-me dada todo a autoridade
no céu e na terra” (Mt 28,18), e em virtude desta sua autoridade
lhes ordena: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei.
Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (vv. 19-20).
5. Antes de chegar a este ato definitivo
da proclamação e revelação da soberania divina do “Filho do homem”, Jesus anuncia
muitas vezes que o reino de Deus veio ao mundo. Mais ainda, no conflito com os
adversários que não hesitam em atribuir as obras de Jesus a um poder demoníaco,
Ele os confronta com uma argumentação que conclui afirmando: “Se, porém, é pelo
dedo de Deus que Eu expulso os demônios, é porque já chegou até vós o reino de Deus”
(Lc 11,20). N’Ele e por Ele, pois, o espaço espiritual do domínio
divino adquire sua consistência: o reino de Deus entra na história de Israel e
da humanidade inteira, e Ele é capaz de revelá-lo e de mostrar que tem o poder
de decidir sobre sua atuação. Ele o demonstra com a libertação dos demônios:
todo o espaço psicológico e espiritual é assim reconquistado para Deus.
6. Também o mandato definitivo,
que Cristo Crucificado e Ressuscitado dá aos Apóstolos (Mt 28,18-20),
foi preparado por Ele sob todos os aspectos. Momento chave da preparação foi a
vocação dos Apóstolos: “Constituiu doze para estarem com Ele e para enviá-los a
anunciar, com a autoridade de expulsar demônios” (Mc 3,14-15). Em meio
aos Doze, Simão Pedro se torna destinatário de um poder especial em ordem ao
reino: “Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja,
e as portas do Hades não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino
dos céus: tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligares
na terra, será desligado nos céus” (Mt 16,18-19). Quem fala deste
modo demonstra-se convencido de possuir o reino, de ter a soberania total, e de
poder confiar suas “chaves” a um representante e vigário, como e ainda mais do
que faria um rei da terra com seu lugar-tenente ou primeiro-ministro.
7. Essa evidente convicção de Jesus
explica porque El, durante o seu ministério, fala da sua obra presente e futura
como de um novo reino introduzido na história humana: não só
como verdade anunciada, mas como realidade viva, que se
desenvolve, cresce e fermenta toda a massa humana, como lemos na parábola do fermento
(cf. Mt 13,33; Lc 13,21). Esta e as demais “parábolas
do reino” (cf. Mt 13) atestam como esta seja a ideia central
de Jesus, mas também a substância da sua obra messiânica, que Ele deseja que se
prolongue na história, inclusive depois do seu retorno ao Pai, mediante uma estrutura
visível cuja cabeça é Pedro (cf. Mt 16,18-19).
8. A instauração dessa
estrutura do reino de Deus coincide com a transmissão que Cristo faz da
mesma aos Apóstolos escolhidos por Ele: “Eu disponho (em latim: “dispono”;
alguns traduzem: “transmito”) para vós do reino, como o meu Pai dispôs dele para
mim” (Lc 22,29). E a transmissão do reino é ao mesmo tempo uma missão:
“Assim como Tu me enviaste ao mundo, Eu também os enviei ao mundo” (Jo 17,18).
Depois da Ressurreição, aparecendo aos Apóstolos, Jesus repetirá: “Como o Pai
me enviou, Eu também vos envio... Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes
os pecados, lhes serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos” (Jo 20,21-23).
Notemos: no pensamento de Jesus, na
sua obra messiânica, no seu mandato aos Apóstolos, a inauguração do reino neste
mundo está estreitamente ligada ao seu poder de vencer o pecado, de
anular o poder de Satanás no mundo e em cada homem. Portanto, está ligado ao Mistério
Pascal, à Cruz e Ressurreição de Cristo, “Agnus Dei qui tollit peccata
mundi...” (“Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”), e como tal se
estrutura na missão histórica dos Apóstolos e dos seus sucessores. A instauração
do reino de Deus tem o seu fundamento na reconciliação do homem com Deus, cumprida
em Cristo e por Cristo no Mistério Pascal (cf. 2Cor 5,19; Ef 2,13-18; Cl 1,19-20).
9. A instauração do reino de Deus na
história da humanidade é o objetivo da vocação e da missão dos Apóstolos - e, portanto,
da Igreja - em todo o mundo (cf. Mc 16,15; Mt 28,19-20).
Jesus sabia que esta missão, assim como a sua missão messiânica,
encontraria e suscitaria fortes oposição. Desde os dias em que enviou os Apóstolos
nas primeiras experiências de colaboração com Ele, lhes advertia: “Eu vos envio
como ovelhas em meio a lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples
como as pombas” (Mt 10,16).
No texto de Mateus é condensado também
o que Jesus diria depois sobre o destino dos seus missionários (cf. Mt
10,17-25), tema sobre o qual Ele retorna em um dos últimos discursos polêmicos
com os “escribas e fariseus”, reiterando: “Vede, Eu vos envio profetas, sábios e
escribas: a uns matareis e crucificareis, a outros açoitareis nas vossas
sinagogas e perseguireis de cidade em cidade” (Mt 23,34). Destino
que, ademais, já havia tocado aos profetas e a outros personagens da antiga aliança,
aos quais se refere o texto (cf. v. 35). Mas Jesus dava aos seus
seguidores a segurança da duração da sua obra e deles mesmos: “et porta
inferi non praevalebunt...” (“e as portas do inferno [do Hades] não
prevalecerão...”).
Apesar das oposições e contradições
que conheceria em seu desenvolvimento histórico, o reino de Deus,
instaurado uma vez para sempre no mundo com o poder do próprio
Deus mediante o Evangelho e o Mistério Pascal do Filho, teria sempre não só
os sinais da sua Paixão e Morte, mas também o selo do seu poder divino, vislumbrado
na Ressurreição. A história o demonstrou. Mas a certeza dos Apóstolos e de
todos os fiéis está fundada na revelação do poder divino de Cristo, histórico,
escatológico e eterno, sobre o qual o Concílio Vaticano II ensina: “Feito
obediente até a morte e, por isso, exaltado pelo Pai (Fl 2,8-9), Cristo
entrou na glória de seu reino. A Ele estão sujeitas todas as coisas, até que
submeta ao Pai a si mesmo e toda a criação, para que Deus seja tudo em
todos (1Cor 15,27-28)” (Lumen gentium, n. 36).
Envio dos Apóstolos em missão |
Tradução nossa a partir do texto
italiano divulgado no site da Santa Sé (04 de novembro de 1987).
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